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domingo, dezembro 31, 2006

Encantado; por toda a vida!

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Por toda a minha vida, eu sei”... Há coisas que não fazemos por partes, e uma delas é viver: não se vive aos pedaços. Muito e quase tudo se diz da TV Globo, mas nunca se poderá dizer contra a qualidade de seus programas especiais, como este da quinta-feira, uma seqüência de “flashes” da vida de Elis Regina. Magistral, não fosse tão curto.

“...que vou te amar. E cada verso meu será”... Será um dia, um gesto, uma decisão. Atravessei, desde os 18 anos, o agreste da falta da liberdade, que nos é chuva do bem que encharca a terra dos nossos sonhos. Aprendi, primário dos anos cinqüenta, as maravilhas do mundo, os nomes de peso de cientistas, artistas das formas em duas ou três dimensões, músicos e poetas; aprendi os guerreiros teimosos, como Bolívar e José Martí, e filósofos eternos, feito Sócrates ou Ghandi, o guerreiro da paz. E sei agora da Fazenda do Encantado, com um mil e setecentos alqueires de legítima reserva de cerrado, em bichos e plantas.

É beira do Araguaia, rio manso e forte. Manso? Que nada!... Rio marco de divisa-união, Goiás e Tocantins de cá, Mato Grosso da banda esquerda. Batista Custódio é teimoso. E também faz dos dias da vida versos de ação. Ou decisão, conforme o dia. Ou o caso. Tem lá aquele muro, cem metros de longo, paralelo à margem, alicerce cavado de oito metros, porque o Araguaia não é manso quanto nós; nós rugimos sem violência; ele ataca sem rugir. Águas que lambem barranca e invade chão, constrói lezírias.

Sobre o muro pousarão estáticos nomes de sempre. Desde Sócrates até JK, sem esquecer o Sidarta e o Rabi da Galiléia, Hipócrates e Nossa Senhora, a mãe do Nazareno, São João (o Batista), o voador Dumont de Minas e Paris, Einstein, Homero e Castro Alves. Vinte e três estátuas: menos que as canções de um cantor em discos vários, ou que os poemas de um poeta de esquina, feito eu.

Elis Regina cantava... E cantava versos de braveza, buscava letras-reportagens que contassem o Brasil da exceção; contou de chibatas e morreu feito a vítima derradeira a dar a vida nas mãos sangrentas do regime: ironicamente, houve um Shibata a “periciar” sua morte. Enquanto a ouvia, imaginava o muro da Fazenda Encantado, reserva biológica. Batista Custódio, jornalista e visionário, trocou o ganho da soja e dos bois pelo prazer de plantar centenas de milhares de novas vidas vegetais; com isso, fez ressurgir animais vários: “As onças nunca atacam o homem”. E diz mais: “Marreco é valente, enfrenta raposa; se voasse, não morria, mas ele enfrenta a raposa o leva já morto”.

No Encantado, nem ratos podem ser mortos, eles integram a cadeia alimentar; que morram, pois, naturalmente. E Elis cantava o hino da anistia: “Caía a tarde, feito um viaduto”. E diz, na canção de Aldir e Bosco, de um Brasil “que sonha com a volta do irmão do Henfil”. E havia quem não quisesse a volta do irmão do Henfil!

Já cheguei aos 61 anos; não quero viver muito mais, não. Mas quero viver para ver o muro com as 23 estátuas dos que fizeram esta humanidade. Gostaria de viver para ver o fim da onda de ações do chamado “crime organizado”, este que patrocina universitários, forma advogados e médicos, engenheiros e pedagogos que lhes assegurem a organização de suas empreitadas. Gostaria de viver para ver o fim do “crime do colarinho branco”. Mas, minha gente, para que tanto? Elis tinha a minha idade e foi-se aos 36 anos. Estou dentre os que nada fazem, mas esperneiam.

Na parede em frente, o hino do Colégio Pedro II; somente no ano passado percebi que, desde 1958, fiz daquele hino uma trilha para a vida. Espero poder continuar. Essa trilha evita a omissão, pois acredito nos versos: “Alentemos ardente / a esperança de buscar, de alcançar, de manter / no Brasil a maior confiança / que só pode a ciência trazer”.

E ciência, queridos e amadas, é escrever; é cantar; é plantar. Plantemos nossos ideais, que os sonhos acontecem.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Ano-Novo feliz!

Um Ano-Novo é novo até que o jornal do primeiro dia fique
velho. E isto acontece poucas horas após o despertar do
sujeito, em ressaca ou não. Mas um Ano-Novo é um marco
de recomeço, de renovação instintiva do Ser Homem, fêmea
ou macho, ainda que o ano não nos traga
um número de referencial.
Como 2007, por exemplo.







As luzes e os estouros vários
e fogos ao céu, em escuro de fundo,
sugerem: em dez segundos, seremos nós
a contar na ordem inversa. É como se de tudo
se fizesse o novo e novos rumos e portas ressurgem.

Não é nova a década que vem.
Nem o ano é novo de todo, porque
adiamos decisões, acertos, e faltam-nos
coisas muitas: rever pessoa amada, recomeçar
os planos e trazer de ontem apenas a cor da saudade.



É novo o ano, e chega a ser referencial de fé: nove é
bom de cabala. Que nos lê sorte, sem mistério.
Mas dois mil e sete.. Mas não é, sequer,
simétrico, como o é dois mil e dois.
Não é, mesmo, espelhado.

Mas há certa mente capaz de bom de desenho, a fazer,
do sete, um dois invertido. Aos zeros, no meio,
dá-se de certo o que é inverso aos iguais e,
ai, sim, um visual grato aos olhares
faria do Ano (Novo) bonito.

...Que lhe deseja
este Aquino, Luiz

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Natal: estações e vôos meus

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Sempre achei que a Primavera, além das flores e do astral elevado que nos causa, tem algo mais de mágico: é a estação de esperar pelo Natal. Os menos avisados preferem dizer que é a ante-sala do Verão. E a gente dos trópicos (em Goiânia, estamos a 17° de Latitude Sul) fica imaginando as características das estações nas ditas Zonas Temperadas... No Brasil (digo isso para quem foi péssimo em Geografia), a Zona Temperada pega boa parte do Estado de São Paulo e mais todo o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Mas as estações do ano estão em reforma: o efeito estufa, o aquecimento global e ainda El Nino (aquele fenômeno do aquecimento das águas do Oceano Pacífico) estão bagunçando os cenários que se transformam conforme a época do ano. Bom mesmo seria presenciar as quatro estações de acordo com os conceitos dos velhos livros de Geografia... Neve no Inverno; flores e pássaros na Primavera; sol e belezas humanas no Verão; árvores desfolhadas e vento no Outono.

Enquanto isso não me acontece (e só acontecerá se eu viajar), vou curtindo as notícias na tevê. Soube ontem que não neva estes dias em Nova Iorque, EUA; mas, no Colorado, lá do lado Oeste, a neve atingiu seis metros. Poxa! Dois andares, siô! Sei que os conflitos continuam matando na Palestina, que os norte-americanos e seus aliados estão perdidos por conta da guerra no Iraque, que um cientista paranaense conseguiu produzir mudas de Araucária em laboratório e os vôos continuam atrasados, em todo o Brasil.

Ah, por falar no apagão aéreo: a imprensa precisa mostrar, com riqueza de detalhes, o abuso de preços nos bares dos aeroportos. Um copinho d’água custa, em média, R$ 1,50; um pão de queixo, de R$ 0,50 na padaria, atinge até R$ 2,10 nos aeroportos. E ninguém reclama! Vi que cancelar vôos, nesta época, não é “privilégio” nacional, não... Na banda nobre do Planeta, o Hemisfério Norte, o “fenômeno” anda acontecendo, também.

Muito bem, não viajarei mais, este ano; e espero viajar somente quando os aviões estiverem mais comportados, com as bênçãos dos controladores de vôo, das companhias aéreas e da meteorologia. Enquanto isso, espero a chuva passar e escrevo. E deixo-me voar sem controle nem razão social, explorando meu tempo passado e revendo estações outras: as do ano e as do trem da juventude, uniforme e colégio, tesão e silêncio. E o tempo, que me permite ir ao passado (mas não me revela o futuro), conta-me que as peles macias de ontem são, hoje, sulcos de rugas e lembranças, também.

Vou ao espelho, noto minhas marcas de tempo; confiro com alguma foto antiga, do tempo de imberbe: os tempos, tanto o geográfico quanto o histórico, são inexoráveis. Jamais os vencemos. Tudo o que tenho a fazer só vale se fizer agora. Não há como adiar nem fazer por ontem.

Assim, fica-me o sabor do beijo ao calor das termas, Caldas Novas; o chiado dos nossos pés na areia, praia e Rio; e inocência ginasiana do passeio de mãos dadas pela Quinta da Boa Vista, a vista bonita dos sobradões de Marechal Hermes, o primeiro beijo na boca (antes: olhos e nariz).

Viajar passado não sugere atraso, nem desconforto. Viajar futuro é sonhar. E se for para sonhar, sonharei vermelho e verde e branco, com sinos de lembrar bonança, bondade, festa de caminhar aos céus.

Natal de lembranças e novas esperanças. Sonhar, sim, mas sonhar Jesus.

Assim seja!

sábado, dezembro 16, 2006

Poesia Rio e Minas; morte em Cabo Branco

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Escrevo sob emoções: uma viagem de poesia e a tristeza de uma notícia... Falarei, antes, da alegria.

Viagem com os percalços dos vôos atrasados e o alívio nas chegadas; dias plenos de bons e belos encontros, com colegas de bancos escolares dos idos de 1958 até o prazer de ouvir outra vez, após quarenta e cinco anos, a professora de Geografia da minha quarta série de ginásio. No meio, lanches e chopinhos, ruas e mar e montanhas, surpresas e sorrisos.

Maris Stella, Helena Coutinho, Marluci Costa, Heliane Sampaio, Leila Arruda, Paulo e Laurita Cardoso, Eneida Alencar (pessoas que vi mais de uma vez, estes dias; todos usaram a famosa “peninha na gola” do uniforme colegial). Emoção forte ao rever Dona Umbelina, minha sempre Mestra, e de conhecer Dona Vera, mãe de Helena, formada em 1939 no Imperial Colégio de Dom Pedro II. Sueli Catão e Miguel com Sílvia, a outra Sílvia, Corina, Liberato, Paulo Queiroz, Kátia, Amauri, Sandra, Célio... Olhem, não digo mais: falta espaço para tantos nomes. Mas tenho de enfatizar Lília. Olhando para o escudo de primeiro ano colegial, aplicado no bolso de minha camisa branca, perguntou: “Luiz, quem pôs esse escudo na sua camisa?”; eu disse, fora minha Tia Miriam. “Puxa vida, ela te ama! Se fosse você mesmo, ou sua mulher, ou ainda sua mãe... duvido que estivesse tão bem aplicado”.

Demorei alguns segundos para conferir, detalhadamente, o trabalho de minha tia. Lília tinha razão: era um pequeno trabalho de amor. Ela não costurou o emblema no bolso para ser retirado horas após, não. O tradicional escudo ficou bem costurado, sem vestígios da linha pelo lado externo, e posto para durar todo um ano letivo. Ou seja: esses encontros de ex-alunos, realizados para que nós próprios revivamos nossos anos mais verdes, chegam também aos nosso familiares, e, neste caso, Tia Miriam curtiu comigo esse reviver. Lília completou, com o apoio dos demais colegas à nossa volta: “Amor de tia é muito forte; muitas vezes, mais forte que amor de mãe”. Entendi: amor de mãe é conseqüência, é essência da maternidade. Já o amor de tia (ou tio) é como que eletivo e, quando vem, vem muito forte.

Não comentei o fato com Tia Miriam, preferi contar de público, nesta crônica. E, com essa decisão, cheguei a Belo Horizonte. Fui para o lançamento da antologia “Terças Poéticas jardins internos”, reunindo poetas de dezenas de saraus realizados em quase todos os meses de 2005 e 2006. Obviamente, estou nela: participei do “Terças Poéticas”, há exatamente um ano, quando pude autografar “As uvas, teus mamilos tenros” nos jardins internos do Palácio das Artes, na famosa Avenida Afonso Pena.

Reencontrei Wilmar Silva, Dênia Diniz, José Aloise Bahia, Camila Diniz, Luciene, Tânia Diniz... Conheci Tida Carvalho, fui hóspede do Neto (José Alves), menino acadêmico de jornalismo, cartunista de mão cheia (ganhei nova caricatura dele) e tive, ainda, a sempre agradável companhia de Bambino, outro ex-aluno do Colégio Pedro II, hoje cidadão voluntário de Belo Horizonte.

Chega a sexta-feira e, com ela, de João Pessoa, Paraíba, a notícia triste: morreu Sivuca. Não que a morte seja triste: ele sofria muito, há tempos, com um câncer renitente. Triste foi saber que, ainda doente, e após uma vida inteirinha dedicada ao Brasil e à música, não conseguia patrocínio para lançar seu DVD. Conseguiu, por fim, mas o tempo restante já era pouco: pôde, apenas, mostrá-lo em solenidade fechada.

A morte chegou antes que o mostrasse ao público.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Há algo no ar...

"Há algo no ar além dos aviões de carreira". A frase, do saudoso e sempre novo Aparício Torelli, mais conhecido como Barão de Itararé, ficou além dele. E nunca foi tão atual, essa máxima surgida com o propósito satírico. Há, efetivamente, muita coisa a mais no ar, e boa parte dessa muita coisa está ligada aos próprios aviões (de carreira ou não).

Há muito tempo entendo que a verdade é uma falácia, sempre. Ou seja, se é falácia, não é verdade. A verdade não é senão uma conveniência, e a verdade é a versão de quem pode mais. E poder é algo absolutamente relativo. Chegaram mesmo a cunhar uma frase imbecil, a preferida pelos puxa-sacos de plantão (e existe sempre, em todos os lugares, um puxa-saco de plantão): "Manda quem pode, obedece quem tem juízo".

É triste constatar que, efetivamente, houve falha humana, possivelmente dos controladores de vôo, naquele fatídico acidente com o Boeing da Gol, em setembro. Como não se pode negar, também, que os pilotos ianques falharam por desligar equipamentos. A realidade dos fatos, que vem a ser a coisa mais próxima de verdade, jamais será plenamente conhecida; então, a verdade há de ficar com quem pode mais. E aí, veio o tal de "apagão aéreo" para incomodar a nação inteira, numa evidência de que, para a pessoa que pretenda usar o máximo possível de sua cidadania, não existem fatos isolados.

Claro, claro: somos peças de uma só máquina; ou, vendo por outro ângulo, somos, cada um de nós, peça indispensável de muitas máquinas. A profissão mais importante do mundo é aquela da qual precisamos num dado momento. E neste momento histórico, no Brasil, o controlador de vôo é um dos mais importantes profissionais.


Voei de Goiânia ao Rio na última quinta-feira. E, como sempre, tive conexão em Congonhas. Como eu, nenhum passageiro comum entende a razão que nos obriga, em pelo menos 50% dos trajetos, a fazer conexão em São Paulo, onde estão dois dos mais ativos aeroportos brasileiros. Se vamos ao Nordeste, conexão em Sampa; se vamos ao Sul, conexão em Congonhas; se vamos a Campo Grande, conexão em Guarulhos.

A quinta-feira foi um dia de paz relativa nos aeroportos. Houve atrasos, sim, mas não havia pane nem os controladores empatavam a fila. Apenas as companhias aéreas tentavam conciliar vôos, cancelando alguns, juntando dois em um só, adianto decolagens, aguardando novas tripulações, etc. e mais etc.
Em síntese, decolar em Goiânia foi um ato com pouco mais de hora e meia de atraso; a espera em Congonhas, que seria de três horas, não foi reduzida, mas um pouco mais demorada, de modo que chegada ao Rio, prevista para as 14 horas no Galeão, aconteceu às 16h30min no Santos Dumont. Mas o cidadão, esse ser humano cheio de direitos, sempre quer um pouco mais. Diverti-me com os argumentos de uma senhora, aparentando experiências de cinqüenta anos, reclamava diante da câmera da tevê: "Sou filha de europeu. Somos um povo subdesenvolvido sim. Imaginem: ontem, o meu vôo foi cancelado; hoje, cheguei com dez minutinho de atraso e não pude embarcar".


Ou seja: na cabecinha dela, um atraso por razões técnicas ou de mobilização de classe é subdesenvolvimento; mas o atraso dela há que ser respeitado.

Eu, hem!


terça-feira, dezembro 05, 2006

Dueto: Chris Herrmann e eu

DUSSELDORF

O espelho diz-me sorridente
Da poesia doce e veemente
Que tu trazes no peito
Refletindo-o direito
Tua face contente
Sob o céu quente
Saudade mente
Dor mente
Do seu
Dorf
Dor
D+
+

Chris Herrmann
..

ALÉM DO ESPELHO

Li além do espelho; não me iludiu

o reflexo, o reverso: e o poema
escrito no peito, era feio,
era torto e imperfeito.
Era eu o poema, era
meu o peito e era
eu quem mentia
e escondia
aonde ia
a luz,
o dia.

Luiz de Aquino

segunda-feira, dezembro 04, 2006

A crítica e os críticos

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Penso seriamente em adotar uma postura sobre críticas: reproduzi-las aqui, para apreciação de todos. É que há inúmeros comentários sobre meus textos, quase todos favoráveis. Elogios, ainda que agradem, não nos aperfeiçoam. Gosto muito de comentários, desses que entram no tema e acrescentam, e ilustram. Mas, às vezes, recebo alguma crítica, e sempre procuro publicá-la.

Desta feita, porém, não foi comentário sobre texto do blogue, mas, sim, de um poema do meu livro “As uvas, teus mamilos tenros” (obviamente, de poesia erótica). Uma poetisa, escorada em décadas de amizade, achou que podia me dizer desaforos e qualificou o poema “Lábios, túrgidos lábios”(*) de “macarrônico e pornográfico”.

Bem, pornográfico todos sabem o que é: algo relativo à pornografia; e pornografia, é:


- “PORNOGRAFIA s.f. Tudo o que se relaciona à devassidão sexual; obscenidade, licenciosidade; indecência. / Caráter imoral de publicações, gravuras, pinturas, cenas, gestos, linguagem. (2002 Enciclopédia Koogan-Houaiss Digital);

E a outra palavra:


MACARRÔNICO adj. Fig. Diz-se da língua mal falada ou de composição literária mal executada: latim macarrônico, poesia macarrônica (segundo o mesmo dicionário).

O meu livro, está nos créditos, teve revisão de três professoras universitárias de Literatura, todas são também autoras literárias e mães de filhos e filhas; esse livro não é unanimidade, mas tem sido bem aceito em todos os locais aonde chegou. E justo uma velha amiga me dá essa “qualidade”!

Vou simplificar: A qualidade de texto, cuido dela desde a minha infância. Fui aluno de professores exigentes e aprendi a distinguir um texto fraco ou medíocre de um bom texto. E sei bem separar o que é pornográfico do que é erótico ou sensual. Portanto, rechaço com dignidade os epítetos que a amiga (?) me atribui. Omito seu nome, porque não darei fama a quem me agride; pela minha lavra, letra de forma só a quem realmente a merece. E concluo:

Macarrônico, cara senhora, é o seu texto, não o meu. Quanto à pornografia, entendo que é assim que você vê o sexo. Eu o vejo com amor.


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(*) Eis o poema em questão:



Lábios, túrgidos lábios
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Eu te caço, Loba,
pelas sendas da noite quente
e me asseguro de que o sol
não se anuncie tão cedo!

Eu te quero, Loba,
e nos teremos plenos
de volúpia e pêlos.

Inquieta-me o instante,
o agora em que toco teus lábios
com meus lábios e recebes minha língua,
e tenho a tua. Sorver tua saliva e sentir
teus seios a me ferir o peito.

Minhas mãos, sem pedir licença,
abrem-te os laços, os fechos, os botões.
Eu te toco com intimidade,
tateio tuas costas, sinto o volume
de tuas nádegas e o calor que elas abrigam.

Ah! O alimentar-me de tua pele eriçada,
a têmpera exata do forjar de Baco
quando nossos corpos, na efervescência de hormônios,
desejam-se plenos e prometem prazeres sonhados,
desejados, felizes...

Eu te quero,
esguia e clara como te vejo e tenho,
e sentirei teu úmido sexo
a festejar com o meu
a primavera da carne.

Com o cuidado de porcelanas,
beijarei teu corpo
com a delicadeza das sacristias.
E de joelhos, venerarei teus pés,
procurando a idolatrada,
amada mulher!

Tocarei teus cabelos e teus pêlos
com o toque dos mágicos e farei verter
de tuas entranhas
o mel de me saciar,
porque o beberei de tua virilha,
buscarei fruir dos pequenos lábios
essa seiva enérgica, doce e acre,
para untar-me a boca...

Meus dedos passearão tua pele
buscando entradas.
Sutis, entrarão em tua boca, ouvidos e narinas.
Explorarão o declive do teu colo,
as colinas dos teus seios e os picos,
bicos túmidos, sensíveis e sensuais.

Descobrirão teu umbigo,
cingirão tua cintura, farão pouso
em tuas nádegas suaves e excitantes,
e entrarão entre elas
à busca ávida do olho pulsante.

"Tuas nádegas abrem-se para receber meus dedos... E me delicio com tuas contrações sistemáticas que fazem brotar ainda mais o mel que te desce nos pêlos pubianos, encharcando os pequenos lábios, umedecendo os grandes e vertendo para os meus”.

A cabeça, erguida em prece,
vislumbra a fêmea, ereta e dócil
a acolher-me terna.

Genuflexo, enlaço-te as nádegas
e inebria-me o perfume
de teu ventre pleno
da volúpia ardente, ansiada
e finalmente vindoura!


A língua busca teu néctar.
Bocas que buscam prazeres e licores...
Adoro sentir-me lambendo tua virilha,
deliciando-me com teus pêlos.

Mãos que adoram seios e costas,
mamilos e nádegas e entre as nádegas!
E te bebo toda!
Sinto-te vibrando em minha boca!
Contorcendo, estertorando... goza!
Meus dedos te adentram, atrás...

Brinco com a língua, o clitóris.
Deslizo mais: pequenos lábios
(beijo-os, e minha língua encontra a gruta
gostosa e úmida e quente...).
Beijo-te costas, desliso a língua
em tuas nádegas, exploro-as,
penetro.
Beijo-te as coxas. Beijo-te o sexo.


Delícias ao acariciar-te os mamilos
e beijar-te devagar e quente; e ao morder teus lábios
como se morde uma cereja.
Sugá-los, como sugo morangos maduros.

Ah, nossos pés que se tocam nus,
peles que eriçam simultâneas!

Beijinhos e lambidinhas,
suaves, ternas, sacanas... Quero entrar em ti
com intimidade e conforto...

Viver todas as chances
de gozar.
Penetrar-te.
Abraçar-te por trás,
ter teus seios em minhas mãos,
entrar.

Absorver teu cheiro, e te pôr o meu.
Sentir teu corpo na leveza
de minha língua andarilha
que não se cansa de te saber sabores.
E tuas mãos, quero-as no meu corpo:
exploradoras, passeantes e desinibidas.
Porque as minhas
exploram-te também e sabem
onde parar, onde indagar,
onde entrar...

Mãos de amparo e de toque,
de espera e carícias...
Dedos que tateiam a pele
e percorrem dorsos,
descobrem vales e grotas.

Aceita a intimidade de minha língua
que desce por teu corpo
como a água do teu banho,
escorre, corre e
alcança tuas partes íntimas
e se deleita...

E tua língua na minha...
Salivas cúmplices!

Vou beijar-te: costas e nádegas,
mordiscá-las...
Demorar nos mamilos,
deixá-los túmidos e excitados...
Descer devagar,
brincar nos pêlos...

Acolho o cheiro de teu púbis,
a essência de teu sexo,
a pressão de tuas coxas
e a carícia de tuas nádegas.

Ah, mas preciso antes beber teu néctar mais íntimo! Sentir o pulsar do teu clitóris nos meus lábios, o roçar de teus pêlos no meu rosto, o calor de tuas entranhas nos meus dedos. Mulher, eu te quero! Eu te beijo o sexo e me molho de teu molho, eu te entro, então, com volúpia e amor, e te beijo a boca... Teu cheiro doce em minha boca... Tuas coxas em meus quadris... E molhas-me a virilha e me beijas a boca...

... e te convido
para gozar comigo,
e te espero, e me esperas,
e te sinto convulsiva em mim,
e te exploro feliz,
e te sinto a me descobrir
no êxtase do gozo pleno!



Visita ao tempo

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Lembranças são coisas boas que a gente vê por dentro de nós. São imagens retidas na mente e que muitas vezes nos mente, acrescentando coisas por nós desejadas às imagens de antes.


Parêntese: engraçada a palavra “antes”; certa vez ouvi de Cora Coralina “antanho”, que já havia lido em romances de antigamente; tudo é “antes”. Fecho parêntese, mas continuo a pensar na palavra antes e nas coisas de antes.

Circulei a Praça Tamandaré. Fiz, na memória, um filminho que começou nos primeiros anos da década de 1960. Era um largo imenso, despovoado e desprovido de coisas urbanas; não tinha mais qualquer árvore grande, nem as pequenas e retorcidas que deviam, sim, ter coberto aquele chão dez anos antes que eu a visse. Era cruzada por duas estradas vermelhas do chão nu que fora cerrado, as avenidas (na planta) C e E; a Avenida C tornou-se Assis Chateaubriand, dizem que foi porque os militares impediram o então prefeito Íris Resende de homenagear o presidente Juscelino; e a Avenida E, pelo prefeito Manuel dos Reis, passou a ser República do Líbano, no mesmo embalo das homenagens às Forças Armadas, gerando novos toponímios: Praça General Xavier Curado (em frente ao Lago das Rosas), Praça Santos Dumont (no Setor Aeroporto) e Praça Tamandaré (a velha e ampla Praça E).

O asfalto fez do Setor Oeste um bairro dito “nobre”. Raríssimas árvores originais sobraram, como um ipê roxo na esquina das ruas 6 e 3. Jaci Fernandes, quando secretário de Ação Urbana, mandou plantar muitas árvores no espaço onde antes se instalavam parques e circos visitantes. Mas nada de pequi, sucupira, pau-ferro, jenipapo... Nada! Jaci pretendia estender por vários outros pontos abertos da cidade seus minibosques, mas a medida ficou pelo meio. Nessa época, a Praça Tamandaré se tornou referência. Meu filminho termina com uma triste constatação: não existe mais nenhum dos imóveis que abrigaram os bares e restaurantes de vinte anos atrás. A memória da praça se foi, substituída pelas agências bancárias.

Esta semana, o moço boêmio de antes, agora “sexy-agenário”, tomou um chope num novo bar, margem esquerda do córrego Vaca Brava, que agora é temporário. Não posso dizer que o lado de lá é Jardim América sem ofender os “nouveaux-riches” (ou “emergentes”) que preferem chamar o lugar de “Bueninho”. O amplo terreno do boteco ostenta uma árvore nativa. Uma. Só uma, belíssimo exemplar de angico, madeira nobre.

Ainda bem que está em terreno particular; se estivesse do lado de fora, já o teriam derrubado. Tem sido assim, nesta atual gestão municipal. Em lugar de se monitorar toda a arborização, substituindo as mongubas que a cada chuva trazem riscos, por suas quedas ameaçadoras, a prefeitura simplesmente elimina qualquer árvore para não obstruir fachadas comerciais.

Triste: para se fazer cidade, Goiânia matou as campinas, o cerrado e a mata que, em harmonia, formavam a paisagem natural destas plagas (isto também é palavra de antes); e, agora, cuida de fazer um futuro áspero e seco. E eu me pergunto: se a Justiça cassa o prefeito de Anápolis por descumprir lei do próprio município, o motivo para Goiânia não é igual? Afinal, há leis de preservação nas três esferas de poder.

quinta-feira, novembro 30, 2006

As saias, os nomes e a estátua de Pedro

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Especial para o jornal Tribuna do Planalto


Viajar no tempo é algo de mágico. Fazemos uma viagem impossível, visitando o passado tal como o conservamos nos arquivos rotos da memória. E, nessa viagem, não nos é dado o percurso, de modo que não interferimos no trajeto: não jogamos lixo pela janela do carro; não molhamos nossos pés nos riachos; não descansamos à sombra de uma frondosa árvore. Viajar no tempo é apenas chegar. E ver o passado tal como o temos hoje, e nem sempre o temos como realmente ele era, mas como o lembramos.

Engraçado, isso. Mas todos nós visitamos nossos tempos anteriores, seja o ontem, seja o ano passado, seja a juventude ou, o que é sempre melhor, a infância. Gosto desse passeio. Gosto de me ver descalço, calças curtas, sem camisa, correndo pelas ruas de pó e cascalho da minha Caldas Novas pequenina e esquecida. Gosto de lembrar da escolinha, dos sinos da igreja, da sirena do cinema, da hora do recreio, dos quintais de muitas frutas, dos banhos de córrego, das férias... Ei! Por que mesmo precisávamos de férias?

Gosto de saber do que gostava: asa de frango, pequi, pamonha e de esperar dezembro. Antes: gostava também de setembro, por causa do meu aniversário. Mas dezembro era todo especial, porque todos, sem exceção, esperávamos o Natal. E Natal é aniversário de todo mundo. Por isso era bom. Não: era ótimo!

Agora, este dezembro de 2006 me parece meio que sem-cerimônia. Chega-me frio, sem a ansiedade gostosa dos dezembros antigos. E, parece, esse sentimento está se alastrando. Uma pena: podia ser só eu. As novidades ficam, todas elas, para janeiro. É que inventaram que os ditos Chefes de Executivo (governadores e presidente da República) tomam posse dia 1º de janeiro. Ainda que alguns tenham sido reeleitos, há a posse; e, após a posse, a nomeação dos secretários. Então, nós, a raia miúda, ficamos aí a esperar notícias, tentando saber quem será o secretário ou o ministro disso ou daquilo.

O governador Alcides Rodrigues promete, em Goiás, um secretariado com alta presença feminina. As saias ocuparão metade da equipe de governo. Mas as novidades que interessam mesmo não são apenas os nomes dos auxiliares diretos dos governos, mas, sim, suas ações. E cada cidadão atenta mais para o que mais lhe diz respeito. Sendo assim, preocupa-me, no meu Estado, o nome do (ou da) titular da Cultura. E, claro, suas ações.

Serão, então, quatro anos de muito trabalho, com o propósito de dar continuidade ao que se fez nos últimos oito anos. E, ainda, criar novos projetos. Antes mesmo que nos apareçam novos projetos, conto as minhas ansiedades: quero ver pronto todo o complexo do Centro Cultural Oscar Niemeyer, com o prédio das bibliotecas devidamente ocupado e atendendo; e quero, ainda, ver no cenário de Goiânia a estátua eqüestre do fundador, Pedro Ludovico Teixeira.

Atrevo-me, mesmo, a adivinhar que essa será uma das primeiras ações que o governador Alcides recomendará ao seu titular da Agência de Cultura Pedro Ludovico (se Pedro lhe cede o nome, merece da Agência de Cultura esse mimo: a instalação definitiva da estátua, que consumiu de modo triste os últimos anos de vida da escultora Neuza Morais).

Se isso se concretizar, o governador Alcides terá começado de modo altamente alvissareiro seu novo governo.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Nomes da África

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(Especial para a revista HOJE)

Começo com um poema emprestado:


NEGRA

negra a melanina
o pigmento
a raça resistente e bela

negra a força dos pelos
crina e a cabeleira
a noite e a lua nova

negra a profundeza do mar
a pupila dos olhos
a menina

negro é o infinito
o imenso universo
o segundo

negra a morte
o fim de tudo
o princípio

negra eu
desejo e mistério
ébano luminoso

branca eu
acaso genético
coração Zumbi

negro o pensamento
onde se formam as cores
e de onde vem a luz.

*********
Lílian Maial, carioca de boa cepa, concebeu esse poema e, no rodapé da página, reforça (como se fosse necessário): “Pelo Dia da Consciência Negra e o fim do racismo subliminar que ainda sobrevive entre os homens”. E mais: "O homem não pode falar de amor, enquanto gritar diferenças" (são frases dela própria). Pelo poema e pelos adereços, desnecessário é apresentar Lílian Maial; mas quem a quiser bem conhecer, pesquise-a no Google. Ela é uma das mais atuantes poetas brasileiras. Morena e bela, tem olhos azuis feito um abuso; mas beleza de olhos não está na cor da íris, e, sim, na essência da alma. Por isso Lílian é bonita. Quem duvidar, que leia seus contos e poemas.

Falar de consciência negra não é apenas exibir a pele e ostentar orgulho, mas conhecer-se sob a luz da História. E a História, que se faz à luz da Filosofia, não estimula preconceitos: ensina-nos o caminho da prática do respeito.

Respeito foi o que não se praticou na História da colônia Brasil e do Brasil livre (?), império escravista. Mas nós, filhos desta história, temos de começar, em algum momento, a corrigir o rumo da nossa viagem ao futuro.

Esta Nação, que em breve será duzentos milhões de pessoas, tem em si a forte marca do sangue africano. Vestimos e comemos heranças culturais que fazem do Brasil um país singular, e temos na arte a diferenciação de cores e sons que não se repetem lá fora senão pela nossa própria criatividade.

Mas a História nos conta, em entrelinhas, horrores maiores que os das algemas, troncos e pelourinhos. O pretexto cristão impediu aos imigrantes involuntários de pele negra o exercício regular de sua religiosidade, mas o negro reagiu com o sincretismo.

Não bastasse essa violência, nossos antepassados brancos tiraram-lhes também os nomes e impuseram-lhes o que os religiosos católicos obrigaram: Conceição, Joaquim, Maria, José, Antônio, João, Clara (ironia ou sacanagem?), Teresinha, Pedro, Cipriano, Rita... Sempre um nome “cristão”, como se aquelas fossem atitudes cristãs.

É óbvio que essa crueldade não foi uma prática luso-brasileira, não; foi uma unanimidade entre todos os que escravizaram negros africanos. Nos Estados Unidos e no Caribe, também, desapareceram os nomes originais das levas de incontáveis seres trazidos para o trabalho escravo.

O estranho é que, no caso brasileiro, repetem-se com certa postura de exótico, nomes de origem indígena: Tainá, Moacir, Jaci, Guaraci e muitos outros; e nomes de tribos tornaram-se sobrenomes. Mas tal não se fez com os negros: a eles, emprestou-se o sobrenome do senhor seu dono. Não que isso signifique uma atitude benevolente, mas uma marca de propriedade. É como se, em lugar da combinação de letras e algarismos, as placas de automóveis tivessem nossos nomes.

O triste é que, mesmo durante o regime da escravidão, já era impossível corrigir essa agressão. Como em todo crime de estelionato, agiam com rapidez e eficiência para apagar vestígios.

Nesse caso, pior do que nos demais, o poder público era cúmplice.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Mel

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Primavera que gera
tempo de novo ar.
Voam asas, festival.

Ah, bela que é
a abelha: colhe e se guia
no cheiro e à cor da flor.

Fá-lo em prenúncio
de mel e cio,

sem ardil nem pudor.

Olha-me de céu e me cerca,
ameaça e zumbe.
– Beija-me, bela de mel!

domingo, novembro 12, 2006

Unimo-nos, por Deus!

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Juntou Deus a água ao pó, e fez-se o barro.

Soprou Deus a escultura e fez-se o Homem.

Há quem diga que Deus teria feito antes a mulher, se o escriba das Sagradas Escrituras fosse a fêmea da espécie, e não o varão. E a darmos crença a tal falácia a lugar algum iríamos senão ao fomento de uma rixa estéril.

“Deixará o homem o pai e a mãe e se unirá a sua mulher e se tornarão uma só carne”. Priscila e Rafael buscam, juntos, esse caminho: o da feitura de “uma só carne” a partir de sua união.

Nada mais justo, nada mais limpo e lindo que isso: a união de gêneros e sexos, com afeição sincera e lealdade recíproca. Priscila traz consigo Pedro, Fernando e Luca; e Rafael, absorve-os em amor, porque é de amor que se faz família. E, certamente, esta família, agora nova, há de se expandir novamente e, para ambos, “uma só carne”, como preceitua o texto bíblico.

Fiat pax”, pois, entre os gêneros, porque é nosso propósito a harmonia dos seres com o almejo à reprodução e à boa formação moral e intelectual, saudável e duradoura dos nossos frutos.

Deus não criou um Universo preguiçoso, mas um sistema da mais elevada complexidade, dinâmico e contínuo. Por isso nos cabe a missão da reprodução, tal como aos animais e às plantas, sempre com a parceria de todas as forças cósmicas. Estrelas nascem e desaparecem; sistemas planetários existem em incontáveis milhões de ocorrências simultâneas, num perfeito equilíbrio no Universo. Quando os nossos corações pulsam, pela nossa sobrevivência, ou se aceleram pelas nossas emoções, repetem a energia universal que imprime a música de todos os corpos existentes, do éter aos mais gigantescos sóis do céu.

O que nos cabe é pequenino e pouco, se nos parece grandioso é porque nossas forças são limitadas, nossa energia é mínima. Mas somos indispensáveis a nós mesmos e aos que nos são mais próximos. Desarmonizar nossa relação com os mais próximos é dar início ao novo caos.

Somos, então seres sensíveis e racionais, ativados por um espírito que nos induz e nos conduz a um constante aprimoramento social e moral. Não nos unimos em matrimônio sob o êmulo das riquezas materiais, mas pela ânsia de melhor fazer pelos que nos são pósteros e, de um modo egocêntrico, mas não egoísta, de também crescermos.

Hoje, o móvel de Priscila e Rafael é o amor. E, ao se unirem, fazem-no com preces ao Criador, pedindo-Lhe que lhes fortaleça a fé. E que lhes proporcione a paz para a tolerância ante suas diferenças. Que tenham também, sob a luz do Pai, otimismo para vencer os dias e seus testes, o futuro e suas surpresas. Sejam abençoados, pois, para alcançar, se não todos, os principais sonhos dessa união.

Abençoe-os o Pai dos Homens, dos bichos e das plantas, das águas e das montanhas, dos horizontes visuais e dos nossos sonhos.

Assim seja!


(*) Meu sobrinho Rafael Silva Granja casou-se, hoje, com Priscila Áquila Fernandes Granja. Em homenagem a eles, escrevi este texto, que li na cerimônia. Goiânia, 11/11/06)

Lágrima incômoda, esta...

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No último dia 7, terça-feira, curti um aniversário triste: a partida para os Estados Unidos de meu filho Leonardo, o Léo. É que, desde então, vão-se já sete anos e ele não volta. Léo era daqueles meninos cheios de energia, o trivial. Com Fernando, o irmão ano e meio mais novo, aprontou todas na infância, na adolescência e na juventude, sem (graças a Deus!) os excessos que desesperam os pais. O equilíbrio, quem tentava era a mana mais velha, Elia Maria. O nome me faz morder a língua, Leda(ê) Selma: grafei Elia, com o som de Hélia, seguindo a grafia italiana do nome de minha mãe.


Bem, mas lá se foi o Léo. Saiu daqui já com a certeza de um emprego “bom”: entregar pizzas. Ora, ora... que estupidez! Melhor seria admitir, sem constrangimento algum, que queria viver outros ares, mas isso infringiria conceitos radicados na mente e no ideal do pai, nacionalista por formação, adepto do intercâmbio cultural e econômico, mas altamente desconfiado quanto à emigração de brasileiros.

Não, Marcos Caiado: não sou xenófobo. Sou, sim, desconfiando porque sei que a História do Brasil nos mostra que o homem ocidental (homem, aqui, vale por pessoa; digo isso para dar abrangência e evitar os ataques das feministas menos avisadas) escalona o valor da pessoa no “degradê” da cor da pele. Fizemos isso com os índios e os negros; e os norte-americanos e europeus o fazem com os negros e conosco, mestiços sul-americanos, sangue “impuro” que se mescla ao dos negros cativos e estúpidos (?) ameríndios.

Bem, o Léo é moreno, tem a cor de cuia da mãe; ou remonta aos genes de meu avô Luiz de Aquino, mulato legítimo e talentoso seresteiro da velha Meia-Ponte Pirenópolis. Ele nunca me diz, mas entendo que, na Califórnia, confunde-se com mexicanos. Mas, felizmente (imagino eu) para esses tais, o fato de terem um governador alienígena, embora um tanto tacanho de intelecto político, lhes dá certo alívio: tio-sam não é dos mais carinhosos com forasteiros, ainda mais se falam espanhol (para eles, português e espanhol são a mesma coisa) e têm pele morena.

Mas lá está o Léo, há sete anos, para minha tristeza. É ruim ter filho tão distante, longe das vistas... Bem: a gente se fala pela Internet, com voz e imagens: a tecnologia a serviço de amenizar a saudade. Mas nos falamos pouco, porque o tempo é gasto, mais, com trabalho. Mantenho, mais amiúde, contatos com a Ethel (ah!, eu não disse: o Léo está casado). Minha nora é uma pessoa antenada, mostra-se ora feliz, ora preocupada... Não, não é preocupada; cansada, eu diria. Porque cuidar de crianças não é brincadeira; ainda mais de crianças de língua diferente, o que exige atenção redobrada da babá.

Agora, Léo está certamente feliz: sua mãe arrumou a mala (e que mala: poderia ter ido dentro dela) e se foi para uma temporada de alguns meses. Não resistiu à saudade da cria. Se bem a conheço (e acho que a conheço; apesar de termos nos separado ainda nos anos de 1970, mantemos contatos; afinal, são três filhos e, na época, o caçula tinha apenas 8 anos); e, dizia eu, se bem a conheço, assim que apertar a saudade dos que aqui estão, ela voltará; e acabará inaugurando uma rota de idas e vindas...

Enquanto isso, o Léo me cobra:
“Pai, quando é que você vem me ver?”. Eu respondo, adiando, que só quando nascer um filho dele. Não, não, Donelena: não é omissão minha. Quero matar três coelhos numa só pedrada, isto é, rever meu filho, ganhar outro neto (Luiz Henrique, aos dez anos, ainda reina sozinho) e conhecer minha nora.

Ah, acho que está de bom tamanho, dentro do que é possível.

sexta-feira, novembro 10, 2006

E já era Primavera...

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Era manhã e sábado, e frio
e era Primavera, estes dias.
Cinza e triste, úmida.

Era perto o mar, mas sem sol
e claridade de alumiar sorrisos;
até que chegasses.

Era um triste, aquele sábado,
em litoral distante; Manhã cinza:
mas teve o teu encanto.



quarta-feira, novembro 08, 2006

Lembranças de porto

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Beijo morno molhado, com marcas de mel
e pimenta: ambrosia e veneno
de nascer paixão.

Pele jambo; e terna, feito olho d’água
das Caldas, berço e infância
de dor e saudade.

Viajo teus olhos (cerrado na seca); penso
céu de planalto, extenso e fundo,
convite ao novo beijo:
fecho os olhos.

Na mente, um horizonte ativo, mutável.
Estrada, ao fim, feito o mundo
e princípio de amor
para a vida toda.


L.deA. − transição para a tarde, 08/11/06

segunda-feira, novembro 06, 2006

Vento, brisa, alísio

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Velas que te levam longe
têm o vento a mover-te em mares
de azul e têmpera.

Sem vento, não vais e sem vento
te entristeces, porque viagem e sonho
dão-se mãos e nos embalam.

Feito nós: dou-te a mão e os lábios
e sopro tuas velas de asas lépidas,
lepidópteras, de singrar mundos.

Sou teu moto e teu mote.
Faço voar idéias e sonhos
em feitiços secretos.

E tenho a chave dos ventos
para evitar tempestades:
na calmaria, te amo.



L.deA., 05/11/06, 23h55min, horário de verão...

quinta-feira, novembro 02, 2006

Vivos na lembrança

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Restam menos de dois meses para o Ano-Novo e a gente mal se acostumou a escrever 2006. Lembro-me da época em que tudo era pago com cheques e a gente demorava algumas semanas errando a data. Havia sempre alguém mais atento ao lado, esperando o momento em que se ia completar a data para advertir: “Setenta e três. Três!”...

Já entendi, desde a mocidade (ou terá sido na adolescência? Ah, foi na adolescência) que o chamado “fim de ano” começa justamente no Dia de Finados. É um feriado triste, diferente... Não é como a Semana Santa, quando as pessoas vinham de uma quaresma de resguardos e tristezas, mas que se rejubilavam no Sábado de Aleluia (de repente, a Igreja Católica mandou mudar o nome: Sábado Santo; mas o povão não acatou a nova prática, bem como não absorveu a cassação do nome de Santo para São Jorge, entre alguns outros).

O começo do fim de ano é, realmente, um dia muito triste. Dia em que se revive a lembrança de algum (ou de alguns) entes queridos (engraçado, isso; quando dizemos “entes”, sempre agregamos a palavra “queridos” e só o dizemos para nos referir “aos que se foram”; parece que temos receio de dizer “amigos e parentes mortos”). Tenho pena dos que sofrem por tais perdas, porque a dor é renascida. E fico triste porque sei da existência de uma “indústria da dor”, mantida por religiosos que ainda acreditam que religião é dor. Estes, eu os comparo aos políticos que insistem na manutenção da miséria para manipular as massas humanas; afinal, é assim que se mantêm no poder. É a ideologia dos latifúndios, dos sucessores dos barões do Império, os que depois se tornaram coronéis, caudilhos, líderes populistas.

E a indústria do turismo macabro, hem? Aqui, neste pedestal de seis décadas, entristeço-me nas vésperas de finados; não porque me dói a dor da saudade, pois sei que a transposição para o outro plano é da Lei Divina, mas por ver veículos de informação incentivando, ainda que indiretamente, o restauro dos túmulos, o comércio das velas (para que isso, hem?), a concentração para a dor (muitas vezes, já esquecida). A única coisa saudável é o elevado comércio das flores: flores nunca são demais. Mas deviam estimular, sim, o plantio de plantas florais nos cemitérios, já que aqueles antigos, de natureza dominantemente católica, os dos túmulos solenes e cheios de esculturas sensacionais, estão fora de moda.

Penso também que, em lugar das dores “de casa”, a romaria e a reverência aos locais onde estão sepultados nossos (de novo) “entes queridos”, devemos nos lembrar dos grandes vultos das nossas histórias de vida, indo além das famílias e dos amigos. Devíamos aproveitar o Dia dos Mortos (ou Dia de Finados, para evitar a palavra “mortos”) para lembrar nossos artistas, nossos heróis, desportistas e benfeitores (um professor muito querido, um médico de grandes feitos no ofício da cura, um bombeiro ou policial que tenham se destacado por salvar vidas, etc.) e, com isso, fortalecer nossa cidadania.

Neste Dia de Finados, que ensejou mais um feriadão bem ao gosto brasileiro, devíamos, nós, goianienses, inaugurar a solene Estátua Eqüestre de Pedro Ludovico (cadê ela, hem? A autora, Neuza Morais, morreu de tristeza e já a esquecemos... Que memória ruim, esta nossa!). Devíamos reverenciar, num belíssimo sarau, nossos poetas Joaquim Machado, Tagore Biram, Cirinho, Iêda, Lígia Rassi e músicos como Josafá Nascimento, Anete, Geraldo Amaral, Joaquim Edson... Isso, num ambiente em que telas de Confaloni, Cléber Gouveia e tantos outros seriam expostas, também um modo de homenagem.

Ao cemitério, não vou. Para quê? Ver uma lápide, um túmulo? Não... meus “entes queridos” não estão por lá.

domingo, outubro 29, 2006

Azul em dia de folga

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O dia começou quente e o Sol dizia presente. Mas hoje é sábado também para o Sol e, preguiçoso, recolheu-se a uma rede estendida entre duas constelações; mandou uma nuvem, imensa e no cio, vestir o céu para dar feriado também ao azul.


Benevolente, o Sol. Obediente, a nuvem. Aquele azul, pós-aurora, sumiu. O dia prometia mormaço e um clima insípido de aço e areia se prometia. Ao meio-dia, caiu a garoa, tênue e leve como um sereno, em pouco, virou chuvisco de molhar terra arada para virar lavoura e, sem delongas, voltou a ser garoa.

Parece triste, este sábado sem sol ostensivo. Feijoada, caipirinha − mais tarde, quem sabe, a indispensável, mas sempre pensável, cervejinha de sorrir para a tarde. A chuva chega decidida, diz que fica, quer encher os rios, completar os lagos, irrigar a terra e assustar pessoas moradoras de margens e riscos. Meus olhos, nas altitudes deste planalto, distantes do mar, marejam. Feito a nuvem que derrama luxúria, volúpia da natureza excitada pelo ar seco, pela terra árida, geografia agreste.

Saudade do azul, porque o céu é alvacento. Saudade do azul do mar e dos lagos, quando em paz, já que a chuva turva as torrentes, enlameia os rios, empalidece os lagos. Saudade de azul em uniforme escolar antigo, azul de bem-aventurados que juntam luz amarela de sol para criar o verde.

Saudade de azul, porque hoje não há céu.

Valeria agora um azul de luz fria nos olhos cálidos de alguma Maria.

sexta-feira, outubro 27, 2006

É na cara!

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“Acorda amor. Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame lá
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão”.
(Acorda, amor, de Chico Buarque)



Esta crônica tem epígrafe. E epígrafe chique, em momento elevado do genial Chico Buarque, em plena ditadura militar. E aí, algum leitor mais distraído ficará pensando: “Por que um texto assim, de uma tão marcante música dos anos-de-chumbo?”. E eu antecipo a resposta: a Polícia Militar de Goiás (claro que não é ela toda: são os gatos pingados mal-intencionados que se sentem super-homens porque vestiram uma farda, ao modo legítimo do arbítrio que marcou o tempo dos generais ditadores e, sejamos reais e honestos, de civis pós-ditadura que, saudosos do excessivo poder, continuaram usurpando direitos e violando a Lei e a Ordem).

Uma viatura, noite de sexta-feira, dia 20 de outubro. Goiânia já em festa pelos 73 anos do lançamento da Pedra Fundamental. Mas os soldadinhos, aparentemente recém-incorporados, investidos da autoridade dos mal-formados, mandaram parar uma velha Fiat Elba. Tão velha que sequer paga IPVA. Mandaram que descessem e pusessem as mãos sobre o carro, abrissem as pernas, etc. O condutor do veículo perguntou: “Por que fomos abordados?”. Um soldado alegou que estavam a 120 km por hora; o condutor alegou que entregaria o carro de graça a quem conseguisse fazê-lo andar a 80 km/h. E, disposto a apresentar-se (a documentação já estava em poder do PM), disse que era “funcionário público, como você”.

Foi o bastante: o jovem soldado desferiu uma humilhante porrada na cara do rapaz, com uma “legenda” exemplar: “Não se compare comigo!”. E decidiu levar o moço e seu acompanhante, algemados, no porta-malas da viatura, para o 8º Distrito, no Setor Pedro Ludovico. Um policial dirigia a viatura; o outro, ilegalmente, dirigiu a Elba até a delegacia. O motorista, com o rosto marcado pela tapona do PM, não teve permissão, dos militares, para usar telefone, o que configurou outra atitude arbitrária dos soldados. Mas o delegado de plantão recusou-se a receber os presos. Os soldados alegaram, para a autoridade, que os levaram para a delegacia por que “fizeram manobra perigosa” na Avenida 85, e que os deteve na esquina das Avenidas T-63 e T-4.

O delegado mandou que lhes retirassem as algemas, argumentou que não havia razão para a detenção e orientou o jovem agredido a dirigir-se ao Instituto Médico Legal para exame de corpo de delito. Eles deviam voltar ao 8º DP para fazer o TCO, mas a mesma viatura seguiu a Elba até o IML e seus ocupantes esperaram que os moços saíssem (já era madrugada). E os obrigaram (o que é o poder da viatura, da farda e das armas, hem!) a dirigirem-se ao DETRAN, onde o PM agressor, ou seu comparsa (desculpem: companheiro), lavrou um auto de infração por manobra proibida, ou algo parecido. Será que o soldado tem autoridade para isso? Ora... Se tem pra bater, pode tudo! Até criticar o delegado em ocorrência interna da PM.

Não quero comentar, apenas narrar. E recordar. Porque era assim que agiam “eles”, os ditos “homens” da repressão. Agrediam a bel-prazer, inventavam verdades (sim, porque um soldado tem um predicado sobre “outros mortais”, que é uma tal de “fé pública”), prendiam a arrebentavam. Um moço, com formação superior, leva um sopapo na cara e os fardados ainda...

Senhor Comandante-Geral! Senhor Secretário da Segurança Pública. Senhor Governador! A população cidadã, desarmada e indefesa, não pode continuar vítima desses vândalos fardados.

Por favor...

segunda-feira, outubro 23, 2006

Ares do Sul

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Escolhi a quinta-feira para produzir estas linhas. E o fiz de caso pensado, porque 19 de outubro é aniversário do saudoso poetinha do "Soneto da Fidelidade". Vinícius de Morais bem poderia ter chegado a festejar este ano, soprando 93 velinhas num bolo que, apropriadamente, deveria ter uma receita carioca, mas ornamentos e ingredientes de todas as regiões brasileiras. E não preciso explicar.

O dia é de festa, mas não estou em casa; encontro-me em Joinville, Santa Catarina, conhecendo pessoas e falando de coisas da vida e da poesia (lembrem-se, leitores: escrevo na quinta-feira). Já participei de palestras e concedi entrevistas a emissoras de rádio e tevê, combinei com os músicos sobre o sarau de sexta-feira; Osvaldo Júnior, cantor e apresentador de televisão, e Gaúcho, violonista, prepararam um repertório excelente de canções românticas e me cabe entremeá-lo com poemas afins. Ou seja, estou mais feliz.

Há a festa da AGL em que Aidenor Aires, poeta e bom de prosa, prestará homenagem justamente ao meu antecessor na Cadeira 10, Carmo Bernardes. Aidenor teve o privilégio da amizade de Carmo, como Brasigóis e eu, como Bariani e Zé Mendonça, e Paulo Araújo, o livreiro; e Leonídio Caiado, e... Ah, é muita gente! Vai daí, o jeito é pedir ao poeta que me reserve uma cópia do panegírico.

Mas é 19 e festejo sozinho os aniversários também do primo André Luiz, no Rio de Janeiro; e da Marilene, comadre e vizinha. Vou tomar uma taça de bom vinho em louvor a cada um deles: Vinícius, Carmo, André, Marilene... Não, não perderei o equilíbrio por isso, felizmente. Até porque aqui, neste norte catarinense, há muita umidade no ar e um frio agradável, em contraponto às altas temperaturas da nossa terrinha (vi que Goiânia amanheceu com 23 graus e deve chover muito).

Meu amigo Edir Meireles, escriba goiano vivente na Bela Cap (quase ninguém se lembra que o Rio de Janeiro teve também esse epíteto), lançou o seu "O feiticeiro da Vila" na sede da UBE, também na quinta. Pena eu não estar aí ao menos para retribuir o carinho que ele oferece, sempre, em seus domínios: no meu sarau de agosto, entre meus colegas de Colégio Pedro II, lá estava o Edir, como sempre... Outro vinho, pois!

E vou curtindo Joinville, bem ciceroneado pela Cida (da Rede Feminina de Combate ao Câncer, entidade que me convidou para esta jornada, com apoio do Instituto Amar, que congrega entidades assistenciais). A arquitetura e outras marcas da história da colonização alemã, os eventos que agitam a cidade e superlotam hotéis, a música da fala sulista... Há muito que se ver (e aprender) por aqui. Mas uma coisa é comum à alma brasileira: a afinidade que o veterano jornalista goiano encontra nos colegas: Natanel Rocha (TV Brasil Esperança), Cacá Martins (Rádio Cultura FM), Osvaldo Júnior (da TV Cidade e titular da Machester Band) e Jota Martins (Rádio Globo).

Ah, não me escapa um fator comum a todo o Brasil: o segundo turno das eleições, com as campanhas mornas e chatas que acometem o país, tanto na disputa nacional quanto nos estados em que a eleição para governador não se fechou no primeiro escrutínio. Repete-se, também, o nível baixo das acusações de improbidade ou de incompetência, a sempre inacreditável auto-exaltação e as caras de anjo de que se travestem os caçadores de votos.

Sendo assim, a saudade da terra só se explica pelas pessoas que nos são mais próximas e caras, já que também a cara-de-pau, no Brasil, está "globalizada"

E a fila anda...

sábado, outubro 14, 2006

Ao céu de tarde e estrelas

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Qualquer hora, quando vir teus olhos, ah!,
vou me deliciar de te ouvir
e tomar tuas mãos.


Viajarei em mim a te render
loas de sol e sereno
e beijar um céu de estrelas nossas.


Vamos selecionar lugares
em ar de zen
para encontros de amor.


Haverá boa música. E boa conversa
e boas mãos de carinho e lábios
de lamber e contar.



E língua de sussurrar confidências

e fazer beijos muitos,
safados e úmidos.


Ah!, estrela de mim
e do Trópico! Eu te quero
e vou beijar teus pés.

O circunflexo e a suástica

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Pô, não há de ver que Leda(ê) Selma (atenção, revisão: deixe assim mesmo, Leda(ê); ela sabe a minha razão) me acordou antes das onze horas de domingo passado e curtiu, dizendo que enfim escrevi “corretamente” o nome dela. Vá lá, Dona Leda(ê), não escrevi errado, como você assina. Em 1971, esse circunflexo não se aplica ao seu nome; mas, no Brasil, essa lei é “letra morta”?

Comecei o domingo, 8 de outubro, pois, com esse jocoso desaforo da Leda(ê). É que, em respeito a ela, e supondo que eu me enganara, a revisão me “corrigiu”, para regozijo da minha amiga cronista auto-licenciada (de minha parte, acho que ela precisava de um repouso). Leda(ê) aproveita bem a folga: está em São Paulo, a curtir Campos do Jordão e um belíssimo teatro, “O Fantasma da Ópera”. E há de se encantar no Museu da Língua Portuguesa, se bem a conheço.

Falei no “8 de Outubro”; consta que, para ligar alguns presos políticos aos “inimigos do regime”, um oficial da repressão, à falta de envolvimento dos jovens (sempre jovens...), decidiu dizer à imprensa que eles eram do “Oito de Outubro”, numa alusão “romântica” (?!) à morte do Ernesto Guevara. Oito, outubro: isso remexeu minhas lembranças e pensei na História, que, para a Maria do Rosário Cassimiro “é a segunda ciência, perdendo apenas, em importância, para a Filosofia”. No Brasil, militares “ditavam” muito para a História; hoje, após o regime deles, apareceram os sociólogos (só porque um deles, justamente o menos confiável, chegou à Presidência da República).

Tenho pouca coisa contra os sociólogos (apenas este conceito de que eles só existem para formar outros sociólogos e, apenas por palpite, interferirem no quotidiano com títulos eufemísticos, como “cientista humano” e, atualmente mais em moda, “cientista político”). Só gostaria que eles deixassem um pouco o ócio acadêmico e viessem à vida quotidiana, como o fez Betinho, o irmão do Henfil.

O duro é que o (s)ociólogo (com licença, Millor Fernandes) Fernando II (1995/2002) criou sua corte e fez escola. Vez virar regra geral, no Congresso, a prática de trocar votos parlamentares por verbas e dinheiro vivo de origem não muito esclarecida para tentar se perpetuar no poder; deixou que seus amigos cometessem abusos de poder e tráficos de influência, mandou prender espião que espionava e deixou livre o corrupto que corrompia, silenciou a imprensa “nobre”, enfraqueceu trabalhadores e enriqueceu ainda mais os bancos. “Impostos? Ah, peguem da classe média”.

Pena que Lula não reduza a carga exorbitante que ficou para a classe média e os pequenos e médios empresários, estes que geram empregos e estabilidade emocional às famílias brasileiras, bem como não tenha, ainda, cobrado impostos dos bancos, o que permitiria o fortalecimento de quem trabalha e produz, do homem do campo ao trabalhador urbano. Nos últimos doze anos, os bancários brasileiros foram reduzidos em cerca de 80%, com as máquinas substituindo o Homem.

A turma de Fernando, o (s)ociólogo, disposta a não perder cabeças, decidiu poupar Serra e os aliados ACM e Bornhausen, e pôs o pescoço de Geraldo, o sobrinho do “duas caras” José Maria Alckmin, agora falado em proparoxítona, como boi-de-piranha. O discurso dominante faz inveja a Plínio Correia de Oliveira, de quem Geraldo, líder da “turma de Pinda”, deve ser fã; ou devoto fervoroso, sei lá! Meu medo é que esse fanatismo do religioso Geraldo ante o líder Fernando, o ateu, nos leve à bancarrota com a “solução final” quanto às estatais.

Isso nos leva a um líder odioso da primeira metade do Século XX. Ou não?

Peça desculpas, Maguito!

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Desde ontem, temos de volta o programa eleitoral gratuito (que não é grátis). A mera comparação dos programas dos presidenciáveis contesta o conceito tucano “Geraldo venceu”: não mostraram a má educação do pseudo médico, nem conteúdo em sua “proposta” de governo; Lula, por seu lado, expondo ao “Proparoxítono” razões para admitir que o Brasil melhorou.


Continuo cobrando três pontos cruciais ao presidente Lula da Silva: a solução para a malha rodoviária; uma educação decente; e a racionalização na cobrança de impostos. Geraldo, que fala em saúde e segurança, só fez construir presídios e pregar uma história incompatível com ele mesmo, a de ser um profissional da saúde (ele não é ubíquo).


No âmbito estadual, fiquei bobo de ver: Maguito disse: “Ofereço ao povo a minha história”. Ele a tem? Os redatores de Maguito devem sofrer por falta de argumentos, pois tudo o que se disse de positivo sobre ele, aplica-se, sim, a Alcides, como coadjuvante de Marconi. E Maguito cospe no prato ao renegar Íris, dizendo-se melhor que seu padrinho. A história de Maguito começa na Arena, o partido do sim-senhor que dispensa comentários, e tem como último feito a agressão à residência de Alcides, em Santa Helena, com um helicóptero destelhando a casa, numa indiscutível invasão à privacidade, assustando Dona Guri, a mãe do governador, de 80 anos.


Peça desculpas, Maguito. Isso te faria menos prepotente e atrapalhado.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Falácias nada palacianas

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Ora, ora... outro debate! Agora, devidamente polarizada a disputa, como manda a regra. “Deste lado, o vencedor”, já chegou pensando Geraldo, sobrinho-neto do folclórico José Maria, o de Minas, amigo de Juscelino, convenientemente golpista de 31 de março de 1964, vice-presidente alegórico do marechal Castelo Branco). O Alckmin de agora , segunda geração do velho cacique das conveniências, não difere muito do titio: fez-se vereador aos 19 anos, pelo MDB, com uma votação fragorosa em Pindamonhangaba graças ao prestígio de um tio que se fez ministro do Supremo. Para os militares e a Arena, nada melhor que um Alckmin (em Minas, é oxítona; em São Paulo, proparoxítona) no MDB...

O vociferante tucano, se eleito, há de seguir a cartilha de seu partido no tocante às privatizações e à extirpação definitiva dos direitos trabalhistas. Diz ser médico, mas consta que não pôde nem pode exercer a medicina por falta da residência médica. Nesse duelo, ele juntou o ódio que trouxe do primeiro turno ao de Heloísa Helena (que, em vez de adversária, mais parece ex-esposa de Lula) e dirigiu-se ao concorrente, o ainda Presidente da República, em termos que, dirigidos a qualquer um de nós, resultaria em ações nada civilizadas, em pancadas ou palavrões.

E aí, os tucanistas dizem “Geraldo venceu”; e os petistas afirmam “Lula venceu”. Para mim, perdemos nós, que vimos e ouvimos tudo aquilo. Mas perder a eleição será benéfico ao sucessor do “fernandismo”: nesses quatro anos, ele poderá fazer a residência médica que lhe falta.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Se chover

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Ponho um carinho
nesse seu céu
de sorriso e bonança.

*

Deixo descer
do azul e das nuvens a chuva
que lhe dá carícias.

*

Pouso meu beijo,
silêncio e tesão,
na sua boca de pétalas.


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sexta-feira, outubro 06, 2006

Que cumpram um sexto

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Centenas de caras-de-pau disputaram a loteria do voto, tentando abocanhar, sem concurso nem escolaridade, um empreguinho temporário de quatro anos, com direito as ser taxado de autoridade e ser chamado de Excelência, com E maiúsculo. Este ano foi o da campanha pela ética, pela educação e pela segurança, tal como a de 2004 foi a do asfalto. Mas nenhum − eu disse “nenhum” e foi nenhum mesmo! − deles, para qualquer cargo, falou em cultura. A observação é da Nice, funcionária do condomínio onde moro.

Nenhum deles, eleito ou derrotado, até agora se preocupou com os rumos das investigações que a ANAC, a Força Aérea Brasileira e a Polícia Federal desenvolvem no sentido de conhecer os responsáveis pelo maior acidente aéreo da história do Brasil, enquanto o consulado americano no Rio dá abrigo em lugar secreto aos pilotos do jatinho que causou a “coisa”. Se fosse o contrário... Ah, queria ver diplomatas brasileiros na terra do tio-sam protegendo algum de nós! Gente, e eles tinham um repórter na comitiva que, agora, é tido como perito em assuntos de aeronáutica!

Será bom se eles forem julgados por homicídio culposo. Afinal, mataram 154 nacionais e estão tripudiando sobre nós, com o patrocínio de um advogado ex-ministro (dos que já não se fazem como antigamente...). Imaginem se os dois gringos pegarem três anos para cada brasileiro morto “involuntariamente”: seriam 462 anos de cadeia; eles poderiam cumprir um sexto da pena, sairiam daqui a 77 anos. E a soberania norte-americana sequer seria arranhada.

sábado, setembro 30, 2006

Apesar de vocês


...Eu vou ser feliz.

Enfim, acabou-se a campanha. A bem da verdade, e apesar das “pílulas”, o ingrato horário gratuito foi menos chato do que nos anos pares anteriores. Pregou-se a moralidade, falou-se tanto contra a roubalheira e as ações questionáveis dos políticos... Nem parecia que eram políticos os que pregavam tanta “honestidade”.

Lembrei Juca Chaves, lá pela década de 1960, num livro chamado “Eu, baixo-retrato”. Dizia o menestrel que o Brasil é um país estranho, onde estudantes falavam em revolução, generais falavam em paz e políticos falavam em honestidade. E lá vieram eles, os que têm rabos presos em várias ratoeiras, prometendo até absolvição no juízo final.

Ah, sim! Incrível isso de candidatos dispostos a fortalecer bancada unida para tudo, até mesmo para receber mensalão ou transportar malas de dinheiro de origem duvidosa. Incrível também o apego ao poder, o que induziu incautos a agir como se para eles não houvesse lei nem vigilância, como no episódio do dossiê. Incrível que tentem abafar a responsabilidade de alguns com a mera exigência de que investigue a origem do dinheiro para comprar dossiê, mas que se esqueça o que denuncia o mesmo dossiê.

Incrível! Alkmin, comprometido com apenas o Estado de São Paulo, busca votos por todo o Brasil em nome de uma moralidade que seu grupo não respeitou no passado. Incrível também como Lula entenda, agora, que deve fazer mais pela Educação e pela saúde (mas que se faça sem superfaturamento de ambulâncias nem comercialização irregular com derivados de sangue).

Também é incrível a cara-de-pau de quem, em busca da cadeira saudosa na Casa Verde da Praça Cívica, se esquece do que não fez e atire no próprio pé: Maguito Vilela diz ter encontrado o Estado, em 94, em 25º lugar em Educação, e o deixou em 6º lugar... Estranho isso, porque a secretária de Educação foi a mesma do governo anterior, do qual era Maguito o vice.

Mais incrível, ainda, é o vereador já condenado por desviar dinheiro do INSS ser candidato a deputado estadual, atrelado ao candidato à reeleição como federal, sobre o qual pesa um inquérito que, também, deveria impedi-lo de se candidatar. Não consigo entender como os tribunais eleitorais permitem candidaturas de pessoas sob investigação, já que um foro privilegiado, ou o tráfico de influências, procrastinará o andamento de qualquer processo.

De certo, entendo apenas que vou votar. Ainda que chova toda a previsão de um mês num só dia, eu vou votar. Ainda que o voto fosse voluntário, eu seria um desses voluntários. E não vou até a maquininha só para votar em branco ou anular meu voto. Vou votar pela bandeira da Educação; vou votar pelo acerto que se vê agora em Goiás; vou votar porque quero ser representado por alguém igual a mim, ou melhor que eu.

Este ano, nestas seis semanas de campanha, cuidei de não me aborrecer. Não abri panfleto eletrônico enviado pela Internet − uso a rede de computadores para me divertir e trabalhar, e não para ouvir bobagens de fanáticos mal-informados. E agora, neste primeiro domingo de outubro, dia nacional de votação, vou à rua com aquela mesma alegria que me põe brilho nos olhos em dias de Copa do Mundo (antes de ver Roberto Carlos arrumar a meia para não incomodar o atacante adversário). Vou votar, sim; com a almazinha do beija-flor que leva água no bico para apagar o incêndio da floresta.

Faço isso de cabeça erguida. Para votar, não me alinho entre os mal-informados; nem entre os mal-intencionados. Em bandido, decididamente, eu não voto.

domingo, setembro 24, 2006

Entre colunas

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Dias finais de seca, vésperas de primavera. Céu leitoso de névoa sem ranço nem esperança de chuva. Ar seco, de arder e sangrar narinas. É setembro, ainda, e é dezenove; prefiro escrever com antecedência: é terça-feira, tenho tempo, mas o dia branco de alma cinza causa em mim o triste que não se cala. Nestes dias, faço anos; mas costuma chover antes. Este ano, não; a meteorologia faz o ano atrasado.


Era aniversário de minha mãe, 19, desde 1923.

Foi num também 19 de setembro, 1999, que morreu José J. Veiga, o dos contos e de Pirenópolis e Corumbá e Goiás Velho. José, o do mundo, cidadão, não tinha fronteiras: cresceu menino de fala abreviada “cóo rorosé cá senluz, cá vi”; locutor em Londres BBC, leitor compulsivo da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, moço bonito e galante, conquistou Clérida e se fez dela pelos seguintes cinqüenta anos, até que o morte etc.

Setembro é tempo de aniversário meu; o dia é o de menos, festejo-o o mês inteiro, porque se o dia exato me fizer triste, há os outros de me sentir alegre, feliz ou ainda cheio de luz e esperança. Mas 19 é triste, sim; e este é esbranquiçado de nuvem distante, uma só a revestir todo o céu que, de avião, eu veria azul.


Céu do Planalto Central é assim, muito azul. Feito os olhos daquela amada distante em tempo e geografia. Distante, sim; nunca esquecida. Azul é bonito, muito. Penso, mesmo, que azul é a cor do bem da gente. Acho que uma alma feliz é ligeiramente azulada, como a lua de abril, no céu do Planalto, a abençoar a cerrado. Aquele azul que lembra levemente um tom de prata, mas que resplandece feito um lampejo de certeza, sucedendo esperança.

Penso em ligar, teclo zero operadora seis quatro... Não, não ligo. Meu pai há de estar triste; se eu ligar, aumento-lhe a tristeza. Melhor esquecer o aniversário de Dona Lilita. Então, ligo para o Gabriel, zero operadora dois um... Desligo outra vez. Gabriel está, é certo, pensando no Tio José. Também não me concentro no retrato da mãe, obra impecável de mestre Amaury Menezes; nem pego na estante livro algum do José J. Veiga. O dia é, mesmo, para ser triste; e as chuvas esperadas ainda se fazem tardias.

E lá está meu pai, em Caldas Novas; ele, que é filho da bucólica e musical Pirenópolis, que agora é do Canto da Primavera, prefere o calor das termas. Eu, não: filho de Caldas Novas, não me esqueço do cascalho avermelhado nas ruas, das enxurradas onde brincar com barquinhos de papel, dos quintais de frutas e esculturas em talo de buriti, anos tenros e verdes da década de 1950.

Meu pai é decano e remisso na Loja Maçônica Segredo e União. Foi o primeiro a iniciar-se nos mistérios dos pedreiros-livres, 19 de setembro de 1946. Vez em quando, eis o velhinho, mais de oitenta anos, ostentando gravata e paletó e avental de mestre elevado, Escocês Antigo e Aceito...
Sessenta anos de irmandade, meu pai! Parabéns! Você, meu velho, soube, sim trabalhar com a trolha, erguendo “templos à virtude e cavando masmorras aos vícios”.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Sede e seda

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Há sede de sedas,
de verbos, de versos.



Bastam-nos os sons
das unhas nas sedas,
de arrulhos nos versos,
de bêbados verbos
que entornam-me o cálice,
derramam metáforas,
embebem-me o poema.



As musas que me dessedentem.


Um poema de Sinvaline Pinheiro

Este poema é da lavra de Sinvaline Pinheiro:



Luiz de Aquino, 15/09/2006



Quanto tempo?
Sessenta e sessentos,
quiçá mais...
Importa é viver.
Mas o poeta é feliz?
Seus versos têm as dores do mundo,
o olhar distante exige, pede.
No jogo das palavras
briga, inebria, movimenta corações.
O grito silencioso
deita no peito amado,
sente o pulsar do feto;
nasce mais um poema,
desafiando o tempo,
a indiferença dos homens.


Obrigado, poeta querida! O coração se conforta... L.deA.

sábado, setembro 16, 2006

Pedro II Tabuada

Prometi estar presente. Neste mês, Setembro, Seis de novo século vinte-e-um, festejo sessenta e um. Eis, então, a minha presença, com um beijo sem pimenta, de Goiás:



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Gosto da palavra velho.

Ela enfeita a página de belo,
escrita à mão ou de letras formais: v-e-l-h-o.

Velho se escreve com vê

de vento e um é que não é verbo,
mas letra de soar em aberto.

A sílaba outra soa engraçada,

como galhofa − risada debochada
de criança a ouvir histórias de avós.

Existe uma riqueza incrível

no que se tem por velho. Feito nossos pais
e avós e os pais e avós deles, antigos e sábios.

É velha a montanha de picos

redondos antigos. Velho é o mar
de ondas iguais; e o ar que me fez vivo.

Velho é o tempo. E a Bíblia, que,

sagrada, gerou livros de ensinar encantos
a quantos os queiram saber e espalhar aos pósteros.

Velho sou eu à porta do prédio,

o “oitenta” da velha Rua Larga Floriano,
templo antigo de letras e ciências e artes tantas.

As pedras paredes, a escada,

degraus em alvo mármore, corrimão:
balaústres solenes e o passado, ali, no alto...

Não há descrição, há que se ver

o velho, aconchego aos jovens em branco
e azul, globo e café, elíptica e orgulho em peito e alma.

O tempo é Miguel, anjo

de música e alma; e Sílvia da selva;
e alva estrela Stela Maris, a do mar.

Direi de Amanda, ainda há pouco

a dançar ciranda. Andanças e salas
e corredores e pátios e passado: saudades.

Gosto do velho e das marcas:

rugas memórias, sulcos na Terra,
vales de rios e vida a recriar o futuro.

Nesses moços alvianil

em velhos recreios zoeira e riso
e saber de futuro, encontro-me decano.

Grito alegre Tabuada e zumzumzum

Pedro Segundo meu passado voa zás!
e traz-me célere ao agora, em cãs e lágrimas.

− E então: como é que é, como é que é?

domingo, setembro 10, 2006

Jardim das delícias

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Parece que foi ontem. Ou há vinte anos, ou mês passado. No fundo, acredito que é de sempre ou que trouxemos de outras vidas essa vontade de ficar juntos, essa alegria de estar juntos, essa esperança de continuar juntos.


Às vezes penso que começou com um beijo. Ou antes, dias antes, quando das primeiras frases (escritas ou faladas?). Ou do primeiro olhar. Mas não me lembro, mesmo, o que aconteceu primeiro: se trocamos cartas e bilhetes, se nos falamos ao telefone, se nos vimos na esquina ou na portaria...

Houve, sem dúvida, um olhar decisivo. E um beijo, cinco minutos depois. Ou cinco segundos? Ou cinco meses? Um beijo na testa, ou dois beijos nas bochechas e nos olhos, um beijo no nariz, na boca... Um beijo que não queria se acabar. Ah, sabe? Acho que não se acabou. Nem mesmo nossos intervalos interromperam aquele beijo. Nem o amor realizado em carne e ofegos, nem a distância, a ausência eventual.

Há tempos, sim; ontem ou há décadas? Sei-te clássica e bela, como sempre: minha paixão, meu amor, meu desejo... Tudo de meu em ti, ou de teu em mim. Essa troca de bom e de bem, tua essência a me acender hormônios... Esta história, a nossa história, calcada em óbices e reencontros, existe mesmo? Nós a vivemos ou a sonhamos, apenas? E pode-se dizer de um sonho que seja “apenas”?

Sim, tenho dúvidas. Não sei se somos reais ou se, um para o outro, somos projeções de desejos eternos, esses que trazemos do éter e que os incautos pensam esvair-se no pó do chão, simbólico e bíblico. Talvez sejamos, sim, projeções de nossos pensares, de nossos anseios. E nós, o que somos, enfim? Digo de mim “o meu corpo, o meu espírito” ou “o meu dedo, o meu pé”, mas se tudo se junta para ser eu, por que me refiro a mim como partes destacáveis? Sou um pacote que se montou em um momento algum, feito jogo educativo que se aplica nas escolas?

Estranho mesmo, isso que se mistura para chamar amor. Ou paixão, embora tão diferentes, paixão e amor. Paixão: desejo sublimado, ornamentado de atos e palavras e vontades. Amor: sentimento sublimado, ornamentado de atos e palavras e vontades. A diferença é do vapor para o gelo. Só isso. O que se tem a meio é líquido, água que dá vida e asfixia, se não se souber que se usa em doses certas e nunca, nunca pode faltar.

Paro e leio um novo poema, que me vem de Rosângela Alves, assim:

“Jardim das delícias

Quisera ser jardim
Abocanhada de delícias
Sairia tudo de mim
Contos com amor
Poesia açucarada
Palavras doces
Hálito puro e fresco
Beijos ardentes
Nenhum ranger de dentes
Maciez aveludada
Batom vermelho paixão
Saboreando um sorvete
Com quente cobertura salgada
Submergindo a língua
Áspera, sôfrega e cálida.

Ávida pelo frenesi voluptuoso
Desembocando no ápice do amor”.

E então te olho mais, e muitas outras vezes, e te toco e te beijo, e te amo de alma, e te amo de corpo. Tomo tuas mãos para trazer-te a mim; dou-te uma das mãos para passearmos sem rumo, ou sairmos apressados atrás do tempo ou do ônibus. E andamos felizes, e vivemos felizes.

É que, de mãos dadas, a gente encena a metáfora: nossas almas estão, sim, juntas. E até há quem julgue, sem muitos enganos, que somos felizes.

Intuitivo

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Como ave que espera estações,

sei do frio e dos ventos,
do sol e das chuvas,
dos frutos,
das flores
e das primaveras.

Tudo é tempo,
é espera, é certeza.

E eu te quero.

sábado, setembro 02, 2006

“Foguinho” caiu na brasa...

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Eis aí a vida imitando a arte, de novo! É que as coisas reais superam qualquer imaginação. Ou melhor: somos muito mais exigentes, como leitores, do que como consumidores desse artigo maior que Deus nos dá de graça: a vida.


Se João Emanuel Carneiro pusesse na telinha uma trama como a que se viu no DM desta quinta-feira, 1º/09, tendo Ernani de Paula como “autor” e Osvaldo Pereira como protagonista, a gente daria boas risadas ou passaria alguma raiva (como a que não consigo evitar quando Lília Cabral incorpora Marta, em Páginas da Vida, de Manuel Carlos). Mas, meus queridos, não: essa pantomima política foi arquitetada por um ex-marido sequioso de reconquistar sua Dulcinéia; e escolheu ninguém menos que “Foguinho” para seu Sancho Pança.

Bem, Goiás não é “la Mancha” e Ernani sequer ostenta a “triste figura”. Osvaldo, coitado, ouviu o canto da sereia, que parece ter o corpo inverso: pernas ágeis para boas rasteiras e a parte superior de peixe não escamado: pois a trama é digna de um cabeça-de-bagre. Imaginem a lucubração do ex-prefeito de Anápolis: “Denuncio o Osvaldo no Fantástico, jogo Maguito e Cidinho em desgraça e Demóstenes se elege; com isso, Sandra se torna senadora e volta pra mim”. Osvaldo, em vez de Sancho Pança, tornou-se o Foguinho de Cobras & Lagartos.

O moderno Don Quixote, porém, não contava com ligeiras adversidades dos tempos de agora. Câmeras ocultas não são para qualquer um; edição de imagens é para peritos (e olhe lá! “Tem sempre um que é mais esperto”, cantou Vinícius de Morais há mais de trinta anos).

Pois bem: os que agridem Lula, perdem votos; os que agridem Maguito, perdem votos; os que agridem Cidinho, perdem votos. O eleitor não quer mais baixaria − até porque já não confia mais em políticos e o Congresso Nacional, feito de duas casas fazedoras de leis, não se dá ao respeito. O eleitor entende, sim, que o que tenta mostrar a desonestidade do concorrente está, mesmo, é escamoteando a sua própria. Sei que não se deve − nem pode − generalizar, mas é essa, infelizmente, a “leitura” que faz o (e)leitor. E ele, o povão, não chegou a tal conclusão sozinho...

Espírito das cidades

“Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima
não vos seria revelado por mim se não julgasse,
e razões não tivesse para julgar, que este
amor assim absoluto e assim exagerado
é partilhado por todos vós”.

Paulo Barreto, o João do Rio, in A Rua.
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Abro o “blogue” do meu amigo Osair Manassan e leio lá uma crônica excelente sobre o próprio autor, por si mesmo qualificado como um boêmio abstêmio e me delicio com a análise que faz dos boêmios bebuns e de si próprio. Concluo a leitura e permaneço sob o efeito dela, apreciando o efeito retardado tal como alguns animais de peçonha que, ainda que lhes arranquemos a cabeça, continuam se mexendo.


Isso se dá nos momentos especiais do amor de alcova com a pessoa mais querida, quando o prazer do colóquio se estende para além dos contatos. Fica na alma, mais que na mente, a nos lembrar que a alegria não se faz só de momentos, mas de sua continuidade. É assim a arte, a música, a poesia. Aliás, não me canso de chamar “poesia” a alma das artes: não basta saber dançar, há que se ter poesia; não basta escrever, há que se ter poesia; não basta pintar nem esculpir, muito menos tocar um instrumento, sempre há que se ter poesia.

Encontro-me com o velho amigo Paulo Bittencourt e ele, comentando nossos escritos (os meus, os dele e os de tantos que fazemos registros de fatos quotidianos das cidades), resume: “Penso, às vezes, que constituímos a alma das cidades”. Vejam que ele usou o singular: a alma das cidades. Sim, também acho que as cidades têm uma só alma. O que muda é a cor, ou o humor, de cada uma delas. Ou de cada esquina numa mesma cidade, ou de cada momento...

O fato é que vivemos essa alma urbana, tal como a alma dos campos desde que neles haja o homem (o homem, não o macho, mas o homem espécie). Engalanam nossos sentidos a cor das flores (ah, que é tempo de ipês floridos!), os tons de verde nas relvas e nas frondes, nas plantações dos grãos e do azul matizado de nuvens ralas ou mesclado de branco único, estampado de cinza-chumbo que prenuncia as chuvas.

Leio Ulisses Aesse e Vânia Lourenço, Leda Selma e Luiz Fernando Veríssimo, Ursulino Leão e Zé Mendonça, João Ubaldo e José Luiz Bittencourt (coincidentemente, pai do Paulo, que citei linhas acima) e viajo no tempo até Nelson Rodrigues, Adalgisa Néri e Sérgio Porto, José J. Veiga e Bernardo Élis. O que seria dos nossos jornais e das nossas almas urbanas sem as crônicas de cada dia?

E repito para mim o que deixei registrado num discurso (recepção a Leda Selma) na Academia Goiana de Letras: a boa crônica implica poesia. Porque é poética a alma das cidades, a alma dos dias, a alma dos nossos sentidos a perceber um tema. E, daí, posso afirmar: não se é, jamais, bom cronista sem que a poesia seja essência do escriba. Uma crônica sem a têmpera poética perde-se na alvura do papel, tal como um som de louça quebrada não é música.

Eis porque, paciente leitor, corro para aprender a cada dia, em cada leitura e em cada conversa, em cada encontro com amigos: quero, um dia, me sentir cronista, e não um mero escrevinhador de coisas avulsas. Enquanto não o consigo, por favor, continue paciente comigo. Prometo aprender.

Poesia, fogos e saudade

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Eis aqui uma tentativa de citar muita gente com a certeza de esquecer muita gente e, no chavão de sempre, admitir que cometo injustiça. Mas, pelamordideus, os injustiçados que me perdoem: vou me expor, sim. Era pouco após as duas da tarde, sábado 26 de agosto, quando cheguei ao Rio Comprido, um pedaço da Tijuca, no Rio de Janeiro. Laurita e Paulo Fernando, amigos meus desde a infância, já me esperavam. Andamos duas quadras e chegamos ao bar para uma série de fartos copos de chope preto e muita conversa de lembranças, com intervalos de bolinhos de bacalhau. Só paramos porque já se aproximava das cinco horas e esse era o horário do “meu” sarau, no Grajaú, não muito longe dali.

O sarau foi uma invenção da Beth Luz. Ela, que traz na essência as lembranças do tradicional Colégio Pedro II, arregimentou a “pedrocada”, com diz a Sílvia Lanfredi. Em pouco tempo, éramos já um grande grupo de ex-alunos. E, também, de poetas e afins como Edir Meireles (goiano, ex-presidente do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro), Lílian Maial (médica, poetisa e prosadora de primeiríssima linha) e a professora Maria Celeste (todos com suas caras-metades “à coté”... Puxa, estou parecendo colunista social, hem!). E de Três Pontas, Adélia Maria Batista, a que me provocou a escrever “As uvas, teus mamilos tenros”, que levou consigo um professor francês Alain Giami.

Miguel, o engenheiro musical, revezou com Rudson ao violão, trazendo-nos músicas dos anos de 1960 (vozes também de Sílvia e Maris Stela). Falei, em dois blocos, pouco mais de trinta poemas, desde lampejos de autobiografia, divagando em textos telúricos e de amor a dois para concluir com o tom tropical da poesia erótica. Entre um poema e outro, alguma história para mesclar o ar e os sons (Rudson, impecável, fazia fundo musical).

Ah, nem tanto “egotrip”! Mas isso, leitores, é inevitável: a emoção foi densa, forte, marcante. A madrugada emendou-se à noite que se estendeu do dia e pouco tempo nos deu de sono até o churrasco na cobertura da Helena Coutinho, em Botafogo, tendo por paisagens o Cristo Redentor de um lado e o Pão de Açúcar do outro (Luzia e Helena: suas fotos ficaram excelentes!). Pena que os três que, comigo, fecham o grupo “os quatro cavalheiros do após calipso” não compareceram: Fernando (que se deslocou de Roraima para estar com a gente), Bambino (esse viajou pouco: de Belo Horizonte ao Rio) e o já citado Miguel, que teve o domingo ocupado. Um domingo fechado na noite carioca sob o pipocar de fogos de artifício. “Luiz, você merece essa homenagem”, gritou para mim a anfitriã Helena. Puxa... Depois dessa, reservo-me, sim, o direito de ser cabotino.
Não era tudo: houve ainda, na segunda-feira, o pacto com alguns colegas: a visita ao vetusto edifício número 80 da Rua Marechal Floriano: a sede do externato do Colégio Pedro II, com sua arquitetura solene e soberana, suas salas de aulas históricas, com nomes e esfinges de antigos catedráticos e muitos, muitos quadros com fotos e nomes de formandos. O mais antigo que vi era dos bacharelandos de 1905. Isso mesmo: há 101 anos!


Nós: Miguel, Stela e Sílvia, mais eu e um saudoso colega de ginásio: Paulo Roberto Tostes, percorremos aqueles velhos corredores e salas guiados por um antigo funcionário − o Núbio, cujo pai foi também funcionário do Colégio. Fizemos setenta e cinco fotos e tivemos também o carinho de alguns alunos, especialmente de Amanda Félix, do primeiro ano do ensino médio.

O espaço se acaba, mas esta história não. Tenho plena consciência de que foi este o melhor final de semana dentre todos os que já vivi, nestas vésperas dos meus sessenta e um anos.