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sábado, julho 28, 2007

Aos pés imortais de Marta




Aos pés imortais de Marta

Loas e beijos aos pés imortais de Marta, a artilheira! Que bailarina! Que goleadora! Que atleta! E que time essa moça lidera!...

Imagino que um empresário, tendo nos quadros uma funcionária como a goleira Andréia, da Seleção Canarinho de Ouro deste PAN 2007, cuidaria logo de dispensá-la. “Ela não é necessária; veja só, neste campeonato, a moça nada fez!”. E eu, temeroso quanto ao aumento do índice de desemprego, tentaria lhe mostrar: “Mas nada fez porque não foi sequer acionada, ela sequer sofreu algum gol”. O possível patrão teria um argumento a mais: “Mas é o que lhe digo; não preciso dela. Se tenho zagueiras tão eficazes e atacantes que decidem tudo lá na frente, devidamente interligadas pelas do meio de campo”...


Pois é! Eu estaria em vias de perder a discussão. Mas o interessante é fazer, no futebol, metáfora com uma empresa; geralmente, fazem o contrário. Cansei de ouvir, nos meus vários empregos como professor, bancário e jornalista, as comparações triviais de “não se mexe em time que está vencendo”, ou “goleiro pega bola com a mão dentro da área e não comete pênalti”, dentre outras.


Nos dois primeiros jogos de futebol feminino, os locutores já brincavam: “Mandem a Marta para a Seleção do Dunga, que não tem um bom camisa-dez”. E aí, vieram os meninos da Seleção Subdezessete, masculina, com aquele vexame: deixaram que um time desconhecido e anônimo, como a Seleção do Equador, lhes tomasse a chance de participar do torneio Pan-Americano. É claro, eu não sofri por isso; e, parece-me, nenhum torcedor tradicional da camisa amarela sofreu: tínhamos as garotas de Marta, a melhor do mundo.


E que alegria que nos dá essa Marta! Ela se desloca, se desmarca, dribla com graciosidade (lembra Garrinha), desvencilha-se, rodopia, cria, chuta e... É gol! E faz jus ao beijo do famoso José Alves de Moura, o beijoqueiro que dribla qualquer segurança. Ao final de Brasil - Estados Unidos, nesta quinta, após aquela ventania da véspera a preceder em Goiânia a garoa paulistana, lamentei não estar no Maracanã. Não como torcedor lá longe, na arquibancada: queria ser um repórter, enviado pelo DM, só para traduzir a emoção de ver, pela primeira vez, uma mulher pôr no cimento a marca de seus pés de ouro PAN, ao lado dos de tantos homens que fizeram a história do esporte mais popular no Brasil. Agora, passou a primeira: outras mulheres virão a pôr seus pezinhos delicados e perigosos na Calçada da Fama.


Faz falta, pois, neste Brasil de bola e gramado, um solene campeonato brasileiro de futebol feminino. Desta vez, as mulheres deixaram lições: vencer é possível, sim; talento e valor não dependem, necessariamente, de alta remuneração (coisa que nós outros, profissionais de qualquer atividade, sabemos de sobra). Senti-me de volta às Copas de 1958, 62 e 70, quando os atletas da bola tinham outros valores em que se firmarem, em lugar do dinheiro: talento e vontade, juntos.


Os mais exigentes, ou os mais pessimistas, hão de me contestar, alegando que não houve adversários à altura desse grande time de mulheres campeãs. Será? Ora, elas cresceram e evoluíram por conta própria. Nos Estados Unidos, os pais levam as filhas às escolas de futebol, aqui, as meninas enfrentam o preconceito em família. E nas Olimpíadas de Atenas, nossas garotas perderam o ouro justamente para as norte-americanas.


Competência e lealdade: neste PAN do Rio, a partida de final, com duas das mais valorosas equipes do torneio, termina com uma goleada (o time vencedor ainda se deu ao luxo de perder um pênalti), mas sem baixas por expulsão ou contusão. E o árbitro sequer precisou esticar o tempo regulamentar.

Vendo isso, dá na gente uma vontade de mandar recado:

– Dunga, dispense a rapaziada! Convoque as meninas de ouro do PAN!


segunda-feira, julho 23, 2007

Crítica de Mário George Bechepeche


O material a seguir, de autoria do escritor, professor e médico Mário George Bechepeche, foi publicada no Jornal Opção, de Goiânia, edição do dia 15/07/07.




REELEITURA

Intimismo e misantropia


Luiz de Aquino mantém-se fiel aos modelos naturais, tradicionais e lineares de uma escrita que ele estiliza pela expressão vocabular e frásica, do que pelos acometimentos experimentalistas, estruturais de buscas e arrevezamentos na construção dos tropos.


MÁRIO JORGE BECHEPECHE - Especial para o Jornal Opção


Historicamente, faz parte de uma geração que cursou o último quartel do século XX, implantando as propostas estéticas que facetavam a literatura brasileira, como em Goiás, Miguel Jorge, Heleno Godoy, Carlos Fernando Magalhães, Maria Helena Cheim, Yeda Schmaltz, Antônio José de Moura, Luiz Araújo, José Mendonça Teles, Jesus de Aquino Jaime, Alaor Barbosa, Brasigóis Felício, Gabriel Nascente, os quais construíram suas obras com os caracteres advindos de nuances atípicas, imprevisíveis; às vezes até particularíssimas de alguns autores, estilistas personalíticos, invulgares e sensacionais, que por um fenômeno de dialética da arte, transformaram-se de imponderáveis e puras sensações de aferição de leitura em reais modelos de escrita, como a criptografia, o realismo fantástico, o kafkanismo, a intertextuação e intertextualidade; o arrefanhamento (o mesmo que colagem), atomização vocabular, etc., etc., etc., do pós modernismo que já começaram a transformar-se também em outra caracterização artística literária, como por exemplo, a intertextualidade que em Heleno Godoy se transmuda em símbolo de valor e referência históricas e embora seja da literatura é dialetizado como um patrimônio artístico, tal como sabemos serem o Corcovado, a Torre Eifel, o Big Ben, o Louvre, o Vaticano, (Veja o ensaio “As Dimensões Supra-estéticas de Heleno Godoy”). A tudo pode chegar a arte! Era de se esperar, portanto, que Luiz de Aquino também adotasse aquelas propostas estéticas hoje presentes em 100% dos autores atuais, mesmo porque também ele é de personalidade buliçosa e polemizante no cenário cultural de Goiás.

Cambiamentos ou não, reconhecem-se caracteres inusitados na perspectiva abrangente de seus livros. O que primeiro chama a atenção, seja na prosa ou na poesia, podemos enumerar: uma permanente amostragem de erotismo; a expressão de porta-voz da rudeza machista — este é um mal antigo e generalizado do autor goiano, vejam: Antônio José de Moura, Geraldo Coelho Vaz, os irmãos José Mendonça Teles (na prosa) e Gilberto Mendonça Teles (na poesia), etc.—; o vocabulário sexista que, indo ao máximo às entranhas, chega até a descrição de propriedades organolépticas do sexo!, não se deixa levar por vanguardismo e experimentalismo radicais (roçaga-os de leve...); como conotação estética comum também à sua poesia, a leitura de suas páginas está induzida e é percebida pelo leitor de uma ambientação constelada, uma nívea e opalescente lunaridade reflexa, cambiante e láctea. Particularmente em Menina dos Olhos, há linguagem de intimismo confessional; em modulação de tom sereno, cujo subjetivismo lembra uma paisagem noturna refletida em espelho de águas tranqüilas, sobriedade nos contornos e imagens com que as sensações se esbatem num coloquialismo enternecido e amorável; depois de tematizar primeiro o cotidiano coletivo enriquece seu manancial poético com o cotidiado do seu universo pessoal e familiar (o que já demonstrava vir aprendendo em Cora Coralina, a suprema, no Brasil, nesta abordagem).

Em As Uvas, Teus Mamilos Tenros a conjugação de efeitos estetizantes obtida pelo acoplamento das ilustrações de Pollyanna Duarte realiza o ideal de William Blake que queria, pela fusão de diferentes artes (por exemplo, a literária, a musical, as plásticas, etc.), a cominação de um extrato
supra-estético único, resultando em uma nova dimensão densa de arte. As iluminuras de Pollyanna Duarte, estampadas nessa obra de Luiz de Aquino, fazem-na um dos livros de beleza plástica dos mais deslumbrantes de quantos já receberam tal dotação num inumerável universo de publicações. Suas plaquetas condensam efusões plásticas vivíssimas, mas de contenção simétrica do policromismo orientalista em medido êxtase de cores. Desse modo, pelos menos por um instante, Luiz de Aquino pode se despojar de obsidente erotismo inócuo e dizer:

“Sonhei desenhos animados,
tem Jerry, tem gato de animação,
frágil, cheio de dengos.
Faz-se a música
de fundo, música de orquestra e ágil,
feito a Primavera, Vivaldi...”.


Ainda cabem duas reparações ao conjunto da poesia de Luiz de Aquino. Devemos observar nele o mesmo que já fizemos com Brasigóis Felício no ensaio “O Código Estético da Iconoclastia”. Ambos podem preparar uma edição seletiva de poemas onde cada um disporia de uma boa recolta de poesias representativas, em torno de quarenta amostras. A outra é a confirmação de que não deixam de haver tímidas buscas de experimentalismo de expressão, pouquíssimas em um montante de sete livros, fato bem rastreado por Herondes Cezar ao observar que: “percebe-se uma evolução formal que acompanha a evolução temática”. Entretanto, é na prosa que Luiz de Aquino atinge dotação estética de dimensão invulgar e apogeu de brilhantismo estilístico-formal consagrador.

Em A Noite Dormiu mais Cedo, o conto “A Descoberta” pela meandria de sutilezas machadianas, deliciosas, merece ostentar-se em qualquer antologia nacional. Irresistível dizer: primoroso, puro deleite de leitura!

O livro iniciante O Cerco ainda se mostra uma coletânea que se constitui de contos que resvalam para a dimensão reduzida da crônica circunstancial (também o atilado Valdivino Braz assinalou isto). Às vezes, contudo, ascendem à formatação e densidade artesanal de excelente nível literário, tal como podemos encontrar nos contos “O Cerco” e “Dentes de Ouro”, ambos capazes de fazer vislumbrar o pulso magnífico de “A Descoberta” e os demais de A Noite Dormiu mais Cedo. Este livro, sem dúvida, é a referência de realização cabal, maior de Luiz de Aquino. Seguindo aquela linha dos contistas brasileiros, os quais geralmente se inclinam a seguir os modelos franceses e russos, em A Noite Dormiu mais Cedo temos aquela reluzente diafaneidade, brilho de luz ensolarada, sutis compassos estruturais dos tropos, vocabularmente lidos através de cristais polidos. Mesmo quando tematiza em cima de realismo fantástico, seja até na variante de realismo mágico sobrenatural, seus pincéis reluzem e fremem em clarinadas, esbanjando luzes... Borbotam nos contos, entre insinuações sardônicas, interessantíssimos caracteres freudianos, em que ele é magistral em delinear: a gama explosiva, mas sub-reptícia do frenesi sexual da adolescência.

Consoante o que já se observou, características idênticas correm paralelas, espraiadas tanto na sua prosa como na sua poesia: intimismo, misantropia, etc., e os contos “A Espera” e “A Noite Dormiu mais Cedo” são réplicas entre si, jogando com o lado feminino da expectativa e o outro a versão masculina da mesma.

O conto “Não precisa pedir licença” demonstra uma intertextualidade que se tem mostrado irresistível, até na prosa, aos escritores, depois que Erik Axel Karlfeldt (prêmio Nobel — 1931), com o poema “Ascensão de Elias”, (pode-se lê-lo, a pág. 125, no livro Poesias, tradução de Ivo Barroso Editora, Ópera Mundi — RJ—1973) havia legado desde 1910, descoberto por Manuel Bandeira, e por ele miraculosamente tematizado em “Irene no Céu” e, colocado pela crítica como ápice do poema-piada no Brasil. O Prêmio Nobel foi, naquele ano, o único a ser entregue pós-mortem (mas tinha sido atribuído com o autor ainda vivo). O poema de Karlfeldt tem 11 estrofes, porém bastam as duas últimas, para se ver a origem de todos, as intertextualizações posteriores:

“Fogo lhes brota nas narinas,
dança em seus cascos:
através dos espaços galopam tão ligeiras
que chegam por fim à via láctea,
essa aléia bordejada por árvores douradas
que conduz aos portais do Paraíso.

E Nosso Senhor se adianta no patamar:
Vamos entrando, meu Santo Profeta!
E com um gesto convoca um anjo servidor
que corre diligente e leva para o pasto
os cavalos marejados de suor”.


MÁRIO JORGE BECHEPECHE é professor e médico

O amor ante a morte

O amor ante a morte

O amor ante a morte

A semana foi de amores e mortes. Considere-se a semana desde a noitinha da sexta-feira, 13 de julho, e termino-a algumas horas antes de se fecharem as 168 horas dos sete dias, até porque não preciso de todas essas horas (no intervalo, muitas foram as horas gastas com ocupações menores ou não-afins). Nas primeiras horas, o belo de cores e arte, de história e alegorias, de música e de movimento ora calculado, ora espontâneo; em meio a tudo, a vaia.

E vieram os jogos do PAN do Rio, uma festa de Brasil e Américas. Mas vieram as cores terríveis do choque e do fogo: a expectativa da chegada feliz deu lugar ao espanto e vez ao susto, à dor e ao desespero: não havia como morrer. A tragédia vaiava a vida.

O senador Antônio Carlos Magalhães, satélite de todos os poderes nos últimos 50 anos da vida política brasileira, não estava naquele avião; mas também deixara a vida a poucas horas do fim da semana. Alguém me fala em “fecho de um ciclo”; discordo, porque esse ciclo já começava a se fechar desde quando ele teve de renunciar para não ser cassado. De novo evoco o belo e a poesia... Sem texto, não há poesia; e a beleza, não existiria se o homem não a concebesse, não tentasse sempre recriá-la.

A morte do homem público diz respeito à história; as mortes de centenas de passageiros do avião da TAM causam comoção nacional, ainda mais quando vemos as chamas do querosene espalhado a expandir-se por papéis e outros inflamáveis. A dor é única, é brasileira, ecoa em cada família e em cada grupo de trabalho ou de passeio, de esporte e de ócio. É uma dor que cala fundo no peito da gente, mas é social.

Dor individual fica por conta dos parentes e amigos dos que se foram. Como a dor que se espargiu entre filhos e netos de Dona Valeriana, a octogenária mãe dos meus amigos Aidenor e Hildenor Aires. A mulher simples que, nos anos 50 do século passado, deixou o sertão oeste da Bahia e chegou à emergente capital nova de Goiás, onde trabalhou como pôde para educar seis filhos.

Daquela prole emergiram filhos dignos. E bem definiu o poeta Aidenor, à beira do sepulcro, ao evocar a vida de lutas árduas de que resultaram os filhos vitoriosos: “Ela foi como as mães e avós de muitos de nós aqui”, disse o poeta, “mulheres que não precisaram de cesta básica nem das esmolas dos governos para criar seus filhos com dignidade e honra”.

Dona Valeriana é daquela geração da década de 20, frutos de um severo após-guerra; a mesma leva que se viu buxa-de-canhão da II Guerra Mundial, os homens conduzidos aos “fronts”, as mulheres obrigadas aos sacrifícios inerentes aos estúpidos conflitos bélicos.

Bélico... de “bello”, guerra em latim; o mesmo latim que nos deu belo, de “belle” (adjetivo “lindamente”). Não há morte bela, ela sempre nos traz o trágico, a dor e um inarredável sentimento de solidão. E saudar a morte é ofício dos vivos. Dizem que a morte só dói entre os que ficam. Mas os que ficam, quando têm os conceitos que Aidenor conhece bem, entendem que a vida tem seu tempo, e o tempo de Dona Valeriana fechou-se na noite de quinta-feira, 19 de julho, 2007. Teve tempo de ver a cidade que escolheu para viver e criar os filhos render-se aos méritos de Aidenor.

E ela, agora, se apresenta ao criador com a simplicidade de Irene, preta e boa, de Bandeira. Pela vida que viveu, certamente ouvirá de Deus: “Você não precisa pedir licença”.


O PAN e o Maia; a TAM e a vaia


O PAN e o Maia; a TAM e a vaia



Consta que morrem nas ruas e rodovias brasileiras, todos os dias, 219 pessoas, na média da estatística. Mas um desastre de avião, com a morte súbita e simultânea de cerca de 180 pessoas nos chocam, escandalizam-nos e nos comove. Aqueles 219 de todos os dias, não os vemos, um a um; não há mídia capaz de registrar cada um desses desastres fatais, mas a aviação é tema incessante. Inevitável, pois essa dor é contagiante.

Do outro lado da vida, o PAN do Rio, com ingressos a R$ 250 reais para a abertura dos jogos. Preço proibitivo para isso a que chamamos "classe média". Ou seja: a "classe média" que lotou o Maracanã e vaiou o presidente da República (a vaia não foi para o Presidente Lula; teria sido para o Presidente FHC, para o Presidente Itamar, para o Presidente Collor...), essa é mais alta. É a “classe média” dos meninos que saem de carro à noite, com gordas mesadas, prontos para o consumo de alucinógenos vários e, por fim, espancar indefesas mulheres humildes.

As vaias a Lula, pelo que se viu, tinham a intenção "incensar" César Maia, numa tática bem ao modo do baiano ACM. A classe média que lá esteve deve ser a que anda em carros importados. Não é a classe média da Tijuca ou do Meyer, mas a da Barra da Tijuca, de São Conrado, do Leblon, de Ipanema... Porque povo brasileiro, gente carioca, trabalhadores como nós e que depende do salário para a sobrevivência e as delícias da vida, essa gente não estava nas arquibancadas e, sim, nas pessoas do menino Kainã, que liderou aquela maravilha de percussão que antecedeu o canto à capela do nosso Hino Nacional, pela divina Elza Soares (outra brasileira como nós).

Dói fundo, na alma, a cena: um avião em altíssima velocidade não consegue parar; tenta uma arremetida, mas acaba se chocando contra um prédio, coincidentemente da mesma empresa cujo logotipo está na cauda da máquina voadora. Ninguém se engana: centenas de mortes serão contadas nas próximas horas.

Povo brasileiro, ou o que pode ser chamado assim, no Maracanã naquele dia 13, não eram os da platéia: o povo brasileiro no maracanã estava muito ocupado, desde a carnavalesca Rosa Magalhães até o gari que colheu o último resíduo da festa, passando por bailarinos, voluntários, pessoal da logística... Aquela platéia, não.

Também não era o povo brasileiro que ocupava o PR-MBK da TAM no começo da noite de 17 de julho, 2007, enquanto o PAN rendia medalhas para os atletas brasileiros. Naquele avião, uma ínfima partícula deste povo que somos nós, os de todas as cores, estaturas, vontades e raças. O que houve? Controladores em greve? Água na pista? Faltou fazer o groover, o piloto cochilou, o avião não tem freios?

Penso que o presidente Lula foi tolerante. Devia ter mandado prender o Nuzman por falta de decoro e usurpação, por ofensa direta ao Presidente da República. Com isso, ficamos com o mico: em 15 Jogos Pan-Americanos, somente aqui um executivo, esperto o bastante para ter levantadas contra si inúmeras suspeitas na gestão dos recursos dos Jogos, afrontou o Presidente da Nação daquela forma. Aquele, sim, seria um excelente alvo de vaias.

Mas o presidente Lula está tolerante também com o caos na aviação. Inocentes são humilhados nos aeroportos, inocentes morrem em acidentes vários e o presidente da República é vaiado. Mas os malversadores da gestão pública, os maus administradores e os omissos continuam “incensados”.

Por que isso, hem?

domingo, julho 15, 2007

Saudade? Sal da vida...

Saudade? Sal da vida...

Fleuri Viegas, amigo e parente afim, comenta em tom que não defini se de crítica, de queixa ou de simples observação quanto ao momento do que tenho feito: “Prima, o que há com o Luiz? Anda saudosista...”, perguntou ele a Mary Anne. Fleuri é dessas pessoas que me dão prazer por existir, pois que a cada encontro tenho certeza de momentos aprazíveis, com boa prosa e tiradas espirituosas. Ao lado de Cesinha Canedo, é dos melhores programadores de rádio, com amplo conhecimento musical. Não o conhecesse bem, ficaria preocupado. Escrevo ora sobre a mocidade (minha e dele, que somos de safras muito próximas), ora a propósito de Goiânia bucólica, aquela pequenina capital de prosa e poesia e de boêmios admiráveis, ora dos meus tempos colegiais e ainda infantes...

Mas Fleuri tem razão. É que fico mais feliz falando dos tempos d’antes. Ultimamente, tantos e grandes são os escândalos nos noticiários eletrônicos e impressos que qualquer denúncia de cunho moral ganha o tamanho de repreensão a criança que conversou em voz alta na missa. Não me leva a nada escrever denúncias acerca da má conduta de alguns “austeros” notáveis; e ainda corro o risco de despertar a ira de antigos patrulheiros cercados de dogmas.

Ora, eu já pulei a cerca dos sessent’anos (gostei do apóstrofo; acho-o melhor assim do que no genitivo inglês aplicado de modo obtuso em português comercial duvidoso). Por isso, estou saudosista. Mas, Fleuri, prender a atenção de leitores especiais, como você e Jerônimo Rodrigues, só mesmo tratando de coisas que nos são comuns (e, de preferência, felizes). As mazelas da administração pública, as operações especiais da Polícia Federal, os desmandos da rica juventude vândala das metrópoles, os assassínios de mulheres por machistas chifrudos... Nada disso nos interessa em linhas de sentimentos. Desses fatos, pois, tratemos à luz do discernimento cristão.

Em suma, os anos vividos induzem-nos ao saudosismo.

Minha sogra, Haydée, desfruta atualmente do convívio de único irmão, Livorno; são eles os mais novos de uma grande irmandade (os pais, ao se casarem, eram, já, viúvos com filhos). E Livorno, desde sempre, coleciona fotografias de parentes vários: avós, tios, pais, irmãos... Mas cuidou, sempre de separá-los em duas paredes: numa, as fotos dos parentes vivos; noutra, as dos mortos. Assim, a cada morte de parente, cumpre ele um ritual: transferir a fotografia para “a outra parede”.

Sei de minha sogra, que observa no irmão o cuidado com aquelas fotografias. “A minha, você não muda. Eu é que vou transferir a sua”, diz-lhe ela, em tom de autoridade e sobriedade, mas a musicalidade da fala induz, sem maiores pretensões, à ironia comum à família.

E assim, saudáveis e resistentes ao tempo, o casal de irmãos estende a vida à casa além da sétima década, contabilizando a prole, a “subprole” e uma além... Gostam de viajar e descobrir novidades de cenários e costumes; quando o tempo é curto, inventam viagens igualmente curtas, como um feriado prolongado em Pirenópolis, em Rio Verde (terra natal dos dois) ou na fazenda dele, em Fazenda Nova.

Nessas viagens, a disputa pelo direito de mudar a foto de lugar é esquecida. A alegria da amizade da infância espalha-se, pois, às gerações futuras de ambos: dezenas de seres infantes, adolescentes, jovens, adultos e maduros, distribuídos em tipos vários, vontades inconfundíveis, profissões diversas...

Pois é, Fleuri: o saudosismo tem também esse lado, que é o de manter vivo o passado, mas com a consciência de que o futuro já chegou.


Haydée entre os netos...

quarta-feira, julho 11, 2007

Um poema de Chico Perna

ABOIO (*)



Francisco Perna Filho



Oh, Jerusalém!

A Palestina sangra na menina dos teus olhos.

E pálida fica a tarde aturdida pelos canhões

amortecidos nos corpos espalhados pelo rio dos meus sentimentos.



Sentir o arranque do carro,

a distância da bala consumida pelo peito inocente da menina que

[vende flores em Copacabana.


Praga se faz aqui,

E em toda primavera nos sentimos invadidos

pelos soldados da incompreensão,

que marcham enraivecidos como os canhões na Praça Vermelha;

como os pássaros nas torres gêmeas;

quando as suas caras pálidas transbordam incertezas,

soldados que estão na própria máquina que conduzem.

Deuses do próprio umbigo,

amaldiçoados em rastros de ferro e fogo.




Famintos,

Os governantes desconhecem as águas na quais se banham.

Infelizes, não se comovem com o aboio da terra maltratada,

estriada, ressequida.


Infames, são a pura erva que mata o gado que somos.

Muitas outras dores passam a largo,

E não há remédio que possa acalmá-las.

Muitos outros gritos repercutem,

Como a mulher que grita desesperada

Pelas ruas de Bagdá.



Cavalos marcham em disparada.

Fora os ídolos!

Somente a idéia dos reis em marcha,

Os santos quebrados a cada um que se desfaz.


As aldeias estão às escuras,

A estrela não brilha mais,

E os homens gravitam no velho ábaco.


Olvidados o grito da terra,

Os sons metálicos das dores milenares,

e a menina órfã é rasgada como brinquedo de exploradores,

tão sedentos como os senhores da guerra.

Cravam-nas, as lanças, fardo de suas misérias capitalistas,

no corpo ingênuo da menina

de pernas finas,

bracinhos frágeis,

ventre deformado,

gestando o martírio de cana e etanol.


Oh, malditos!

Cearão a lama que produzem,

Nadarão nos tanques dos seus martírios.

Depois, embriagados chorarão a fome

A miséria da alma,

Os sons da fúria de uma cegueira ensaiada.


Oh, infames!

Visionários da própria destruição.

Acestarão os seus olhos para além do que podem entender,

E não enxergarão nada mais do que terra degradada,

Silêncio em decomposição,

Saudade e desmantelo

Na dor profunda do cerrado que se desintegra.


Ei boi! Ei boi! Ei boi!


(*) 3º lugar no Festival SESI de Artes - 2007

terça-feira, julho 10, 2007

Recortes: Mineiros-UAI :: NOTÍCIAS: Terças Poéticas: BH, dezembro, 2005

Terças Poéticas recebe Bruno Cattoni e Luiz de Aquino e homenageia Ascânio Lopes
5/12/2005 21:12:42

Projeto Terças Poéticas

com Bruno Cattoni e Luiz de Aquino

homenagem a Ascânio Lopes

José Aloise Bahia *

O projeto de leitura, vivência e memória da poesia Terças Poéticas, parceria Suplemento Literário de Minas Gerais e Fundação Clóvis Salgado, apoios culturais da Rádio Inconfidência e Rede Minas de Televisão, no dia seis de dezembro de 2005, às 18h30, nos jardins internos do Palácio das Artes, Belo Horizonte, MG, entrada franca, apresenta os poetas Bruno Cattoni, do Rio de Janeiro, e Luiz de Aquino, de Goiânia, e homenageia Ascânio Lopes, o verde de Cataguases, MG, em performance com a atriz Thaís Inácio.


Bruno Cattoni nasceu no Rio de Janeiro em 1957. É filho de mineiros. Estudou em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, onde mora e trabalha como editor de textos da Central Globo de Jornalismo. Foi curador do projeto Poesia Voa no Circo Voador, Rio de Janeiro, em novembro de 2005. Publicou os livros de poemas Figuras (Civilização Brasileira, RJ, 1983), Conspirações e Inconfidências de um Caçador de Meninas Gerais (Massao Ohno Editor, SP, 1992), AH! (CC&P, RJ, 1998), Kalusha (7 Letras, RJ, 2002). E OSSO: na cabeceira das avalanches (7 Letras, RJ, 2005), que será lançado na livraria Café do Palácio, após a sua participação no projeto Terças Poéticas.



Luiz de Aquino é natural de Caldas Novas, GO. É membro da Academia Goiana de Letras, Goiânia, GO, onde mora e participa ativamente de movimentos culturais, literários e jornalísticos. Publicou, entre outros, O Cerco (Editora Líder, Goiânia, 1978), Sinais da Madrugada (Editora Centauro, Goiânia, 1983), Isso de Nós (Edições Conssorciadas UBE/Kelps, 1990), A Noite Dormiu Mais Cedo (Prêmio Cora Coralina, Agepel, 2002), Sarau (Editora Talento, Goiânia, 2003). E As Uvas, Teus Mamilos Tenros (Editora Talento, Goiânia, 2005), que também será lançado na livraria Café do Palácio, após a sua participação no projeto Terças Poéticas.


O Terças Poéticas faz homenagem a Ascânio Lopes – com Thaís Inácio em O Poeta da Noivinha Imaginária. Ascânio Lopes liderou a revista Verde que lançou o Modernismo Mineiro em Cataguases, ao lado de Guilhermino César, Rosário Fusco, Francisco Inácio Peixoto, Enrique de Resende, Oswaldo Abritta. Como movimento, marca a história e a estética literária em Minas Gerais. Ascânio Lopes nasceu em Ubá, MG, em 11 de maio de 1906, e morreu prematuro aos 23 anos de idade, no dia 10 de janeiro de 1929, depois “de uma temporada de tosse e sangue no inferno de um sanatório de subúrbio em Belo Horizonte, onde fora estudar Direito e acabou tuberculoso”, lembra Ronaldo Werneck. Publicou Poemas Cronológicos (1928).

A última Terça Poética de 2005, dia 13 de dezembro, terá a presença de Ronaldo Zenha no lançamento do livro Amor Absinto, e homenagem a Rainer Maria Rilke.


OSSO



BRUNO CATTONI


Aquele homem escrevia com os ossos

Amarrados com chumaços de cabelo

Para se equilibrar no tranco dos temas

Desencravados da síntese das pedras

Tragédia descarnando os lábios

Gargalhada levitando no escuro

Extermínio de delírio e sabores




Pés. Pele. Cor


LUIZ DE AQUINO


Sensíveis os pés. Cores, não:

há beleza no que se diz branco,

há beleza no que se tem por negro.

Pés são estrutura, e pele, e

unhas.

e sentidos,

harmonia e reação.


Pés: tato e tesão.






O POETA DA NOIVINHA IMAGINÁRIA



ASCÂNIO LOPES


O poeta começou a escrever um poema para a sua noivinha imaginária:

“Minha pobre noivinha que morreu doente do peito...

Que saudades das tuas mãos enfermas

que acariciavam de leve, de leve, minha face,

numa carícia imponderável quase.

Que vontade de descansar minha cabeça cansada

no teu peito amoroso e ficar chorando baixinho.

E de ouvir, com que infinita amargura,

a tua queixa suave e dolorida:

“Estou cansada da vida como ninguém”.

E na sua exaltação sentimental

ele ficou com os olhos cheios de lágrimas

e pôs-se a soluçar baixinho, baixinho,

como uma criança desprezada.



*
José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista, escritor, ensaíst
e pesquisador. Estudou economia (UFMG). Pós-graduado em Jornalista Contemporâneo (UNI-BH). Autor de Pavios Curtos (anomelivros, 2004) e Em Linha Direta (no prelo).

josealoise@aol.com

(fonte: email de 05.12.05)

quinta-feira, julho 05, 2007

Nariz de madame

Nariz de madame

Tempo, tempo!... Quantas vezes, num só dia, pronunciamos a palavra, seja para expressar o tempo climático que interfere e modifica nossas rotinas, seja para deixar bem claro que o minuto passado não se recupera. É o tempo que faz a história ou que nos destrói a pele e apavora os que rejeitam a velhice ou temem a morte: tempo que transforma a sedosa pele do bebê em áspera carcaça de menino moleque peralta.

Peralta, travesso, levado, traquinas... Palavras que o tempo levou. Tempo que faz da pele resistente na infância um fino veludo de juventude sadia, apelo de Eros! Mas o tempo atuará outra vez sobre a pele... Vai manchá-la de crostas em tom de ferrugem, denunciando os anos de vida que me alegram, mas que se tornam desespero na vaidade dos que nada têm a oferecer além da aparência.

Vejo na tevê que as senhoras na casa dos cinqüenta anos, faixa a que chamados de “meia-idade” (até parece que conhecemos muitas pessoas com cem anos!), ostentam elegantes “écharpes” para ocultar os pescoços enrugados. Nada de mais: mais um argumento em defesa da elegância!

Meia idade... Terceira idade... Eufemismos desnecessários: velhice é prêmio, sim; e não conheço quem oculte troféus. Mas conheço quem esconda a idade, como se fosse possível... As pessoas têm memória e corrigem, à boca miúda, declarações falseadas. Conheci senhores de alta patente política e administrativa (claro, do poder público) que falseavam idade para conservarem-se em cargos importantes após a marca fatídica dos setenta anos, quando se é obrigado a deixar a cadeira. Mas conheço pessoas que falseiam a idade a ponto tal de inserir-se em dicionários enciclopédicos com cinco ou mais anos a menos (mas não conseguem mudar o registro de nascimento em cartório ou as anotações no órgão de identificação; ou seja, a carteira de identidade continua verdadeira, cruel).

Rejeitar o tempo é fugir de si mesmo. É expor-se a atitudes de desrespeito e “descarinho”. Quantos, dentre nós, não nos orgulhamos dos avançados anos dos pais e dos avós? É preciso entender que, aos poucos, somos nós que ocupamos esses lugares: nossos filhos crescem e se tornam pais; regozijamo-nos nos netos, vemo-los crescerem e surpreenderem-nos. Mas se não lhes damos o devido exemplo de dignidade e cidadania, corremos o risco de, por exemplo, torná-los falsários também, não no que parece ingênuo (isso de ocultar a idade), mas de agirem em confronto com os preceitos que estabelecem as relações de harmonia e equilíbrio com os demais.

Penso que alguma coisa parecida aconteceu nas famílias daqueles rapazes que saem na madrugada da sofisticada Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, a espancar pessoas. Um dos pais chamou-os de “crianças”; uma senhora os entendeu “adolescentes”; mas eles têm entre 18 e 25 anos, ou seja, perante a Lei e a Constituição, estão perfeitamente enquadrados como adultos, sim. Bandidos, porém adultos.

E lá se vai o espaço desta crônica, que o jornal tem medidas e o leitor, também. Então, preciso resumir: admito que ninguém vive sem mentir (Noel Rosa, jovem e gênio, já discorreu sobre isso numa canção, há quase oitenta anos). Mentiras são necessárias para proteger o amor (seja amor romântico, seja amor de amigo ou de família); são também indispensáveis na política e nos negócios, bem como nas estratégias militares; mentiras são peça primordial, pois, na diplomacia, na conquista amorosa (“Você é única!”; ou “Você é lindo e inteligente...”); mas a mentira, se tem pernas curtas, pode ter efeito desastroso.

Triste mesmo são as mentiras em entrevistas. O mentiroso expõe-se ao ridículo.

segunda-feira, julho 02, 2007

O JORNAL DE GOIÁS – 24/06/07


Perfil:

LUIZ DE AQUINO

Por Henrique César


A minha condição de jornalista me faz curioso e analítico. Aqui nessa coluna, em tudo que ouço, ainda que minha ética me leve a publicar na íntegra as respostas, sempre encontro discordâncias entre as opiniões dos entrevistados e as minhas. Outra propriedade que, às vezes (poucas), tenho é a de assimilar experiências e conhecimentos alheios. Assim, mesmo essas opiniões contrárias acabam transformando as minhas de alguma forma.

Quando do início dessa coluna, já imaginava que seria assim. Tenho recebido lições de viver em todas as pessoas que emprestam seus pensamentos e idéias às nossas páginas e, sem medo de errar, ninguém tem ganhado mais que eu nessa história, muito além do salário, do qual não tenho nada a reclamar.

A entrevista dessa semana com o poeta, escritor e jornalista Luiz de Aquino foi um presente que recebi. Não é a primeira vez que o entrevisto. Nos tempos de faculdade, tive esse privilégio. Como sempre, as palavras são, ao mesmo tempo, cheias de razão e emoção. Convencem pelo óbvio impercebido e pelo discurso agradável. Os diálogos em que ele se envolve são estimulantes. Luiz fala do primeiro livro, “O Cerco” (1978), como se estivesse debruçado numa folha escrevendo um dos contos da obra. Vejo-o como a mente mais jovem de todos os homens de cultura que conheço. Intenso e ousado. Luiz de Aquino é alguém a ser ouvido e escutado.

Nasceu em Caldas Novas, Goiás, no dia 15 de setembro de 1945, num sábado, às oito horas da manhã. Ali viveu até os dez anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro. O início do trabalho como escritor foi no parto, como ele mesmo diz: “acho que comecei quando nasci. Ou pouco depois, quando comecei a descobrir o mundo, continente e conteúdo, suas formas e cores.

Nesta entrevista exclusiva a O Jornal de Goiás, é possível perceber que suas visões acerca do ofício de escrever dão uma coerência enorme a essa afirmativa.

Sobre os fatos interessantes em sua vida? “Ah, muitos! Se não considerarmos o dinheiro, sempre tive uma vida rica, com encontros e coincidências fabulosos! Tive o prazer de conhecer de perto o Marechal Rondon, os presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart; de ser aluno de professores notáveis... Um fato curioso: devo ter sido o único brasileiro a cursar o ginásio do Colégio Pedro II, o mais antigo do Brasil, e o Clássico, no segundo mais antigo, que é o Liceu”, responde sorrindo.

Luiz de Aquino tem 21 livros pessoais publicados e duas reedições; a junção em uma só obra dos seis primeiros livros de poesia e a reedição do seu primeiro livro na passagem dos 25 anos de seu lançamento. Além disso, Luiz faz parte de dezenas de antologias por todo o país e até algumas internacionais. Para ele, porém, os números são diferentes. Aqui também a ótica de Luiz de Aquino é bem interessante. “Escrevi algumas dezenas de livros. Porque a maior parte (e bota maior nisso...) do que escrevi não se tornou livro”, diz ele. De fato, os textos de Luiz de Aquino publicados em periódicos, blogs e sites por todo o mundo editariam dezenas de livros.

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Como foi a criança Luiz de Aquino, gostava de escrever, de ler, era curioso…?

Muito curioso. Queria ouvir e ver tudo, entender tudo. Não gostava de levar bronca nem de me sentir incapaz. Por não ser bom de bola, escapava dos amigos nas tardes quentes e preguiçosas de Caldas Novas, trocava o futebol no meio da rua por leitura de gibis, escondido atrás ou debaixo da cama. Na infância, não escrevia, não; era leitor compulsivo, sonhava ser grande para ler livros grandes, especialmente aqueles que as mulheres encapavam com papéis de embrulho ou de jornal e os comentavam em voz baixa, com sorrisos que me aguçavam a curiosidade. Eu não tinha dez anos quando descobri os romances.


Como nasceu o escritor Luiz de Aquino?
De parto normal, em casa. Acredito que nenhum trabalho artístico surja no meio da vida de alguém. Toda obra de arte e grande parte do trabalho intelectual não artístico têm uma fortíssima carga de referências ou mesmo fatos autobiográficos. Tenho amigos escritores que tiveram o processo de alfabetização em idade já um tanto avançada, mas trazem consigo toda a própria história de vida reproduzida em versos ou períodos de boa prosa, construindo peças admiráveis! Diríamos que, nessas pessoas, o escritor chegou tarde? Não mesmo: o que escrevemos aos 40 ou 70 anos quase sempre é memória de toda a vida.


Quem ou que foi seu maior incentivador e motivador?
Ah, isso é difícil... Minha mãe foi a maior motivadora. Mas tive, no decorrer da vida, pessoas que contribuíram de modo decisivo para o meu desempenho de escrevinhador de prosa e poesia, mas que só vieram a saber disso quando eu já publicava meus escritos em jornais e livros. Um deles, meu tio Ângelo Borgese, irmão de minha mãe. Minha avó materna, que espalhou o gosto de ler pelos filhos e netos... Depois, pessoas de fora do ambiente de casa: professora Maria Helena Silveira, de Português; professora Maria da Glória, de História; professor J. G. de Araújo Jorge, de História, todos estes no Pedro II. Depois, veio a força dos leitores e dos companheiros de letras, especialmente Anatole Ramos, Carmo Bernardes, Bernardo Elis e José J. Veiga.


Em quais circunstâncias surgiram os primeiros textos?
Cartas aos pais. Como eu disse, aos 10 anos fui “transferido” da casa paterna para a casa da avó materna, no Rio de Janeiro. Devia escrever periodicamente para meus pais, não me lembro se isso se dava todas as semanas... Parece-me que sim, mas depois estiquei o prazo para uma quinzena. E, para mostrar que estava evoluindo, eu mesmo me envaidecia e me exigia: toda carta tinha de ser mais bem escrita que a anterior. Depois, já adolescente, motivado pelas leituras em salas de aula, com a citada professora Maria Helena Silveira, e mais o fato de o professor de História do Brasil na quarta séria ginasial ser um poeta, atrevi-me a escrever versos.


O Luiz de Aquino que escreve hoje é um produto de todas as experiências vividas ao longo do tempo ou, vez ou outra, as circunstâncias revelam um novo espectador da vida, ora mais ríspido ora mais lírico, que até te surpreende?
Sob esse aspecto, atrevo-me a dizer que não mudei. Sou o mesmo curioso e observador, analítico, de pessoas e fatos. Gosto de observar pessoas anônimas e imaginar sobre elas... Imagino nomes (erro sempre) e circunstâncias, hábitos e outras particularidades de cada um (erro menos, aí). Se tenho alguém com quem conversar sobre essas pessoas, e se é alguém da minha confiança, atrevo-me a construir verbalmente histórias sobre essas pessoas, fazendo delas personagens minhas, devidamente roubadas, e as transfiguro ao meu modo. E, de tanto observar e tentar saber, costumo não me surpreender com praticamente nada: um maluco que entra atirando numa escola e mata dezenas; outro que planeja e executa atentados para uma mortandade incontável... Nada disso me surpreende. Mas deixa-me, muitas vezes, indignado.


O que o Luiz de Aquino de hoje diria ao menino Luiz de Aquino de anos atrás, se houvesse um encontro entre os dois?
Dir-lhe-ia (ou dir-me-ia) para deixar de ser besta. Menos precipitado. Já sofri ressacas morais, já me senti menor por alguns micos e cresci quando pude me desculpar. Se pudesse me aconselhar, teria dito a mim para estudar mais, porém não mudaria o hábito de pesquisar o quotidiano. Muitas vezes, algumas horas sentado numa praça ou praia, vendo passarem pessoas, vale mais que muitas leituras de letras. Claro! O que está nos livros são coisas processadas por outro escritor. Então, ver e deduzir, tal como inventar e escrever, são tarefas minhas, também. Mas não se engane: esse encontro que você sugere, eu o faço todos os dias.


Qual a visão do cidadão Luiz de Aquino acerca do quadro político brasileiro, de Deivison Costa a Lula, passando por Iris Rezende, Marconi e companhia?
Eu gostaria muito que as opções para o voto me levassem a dúvidas diferentes das que temos hoje. O político brasileiro precisa ser melhor informado, embasar-se melhor do que a média atual. Imaginemos que, numa eleição para presidente da República, tivéssemos de escolher entre Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Eduardo Gomes; ou entre Henrique Santillo, Castro Costa e José Fleury... Mas não podemos exigir demais dos políticos se, hoje, trocamos correspondências com doutores acadêmicos que não sabem o básico de ortografia (e ainda argumentam que “não sou de Português”). Do ponto de vista político, ressente-se a falta, no geral, de substâncias filosóficas. Mas sou otimista: ainda que tenhamos essas falhas de formação intelectual, a sociedade brasileira caminha, sim, para o aperfeiçoamento. Mas precisamos erradicar totalmente o analfabetismo. É um absurdo colherem-se votos de analfabetos.


E o poeta como descreve o Brasil de hoje?

O poeta em mim vê o Brasil de sempre com os mesmos olhos do menino, do professor, do trabalhador bancário e jornalista, do cronista otimista e do articulista enérgico. Vejo um País de possibilidades imensuráveis e um povo que, como massa, peca muito; mas é vitorioso nas suas individualidades. Falta-nos, neste momento, um espírito maior de coletividade e, infelizmente, alguns intelectuais, a serviço de não sei que causa, recriminam sem muito bem definir o que chamam de corporativismo. E repudiam o patriotismo. Diria que o brasileiro é um cidadão que se supera; e que, estudando, sabe que consegue ir além. Infelizmente, uns muitos não conseguiram, nem conseguirão, aproveitar melhor o que se pode tirar das escolas.


Quais são os melhores personagens para um jornalista literário?
Não direi que são melhores, mas são fortes: O velho de “O Velho e o Mar”, de E. Heminguay; Dom Quixote e Sancho Pança, de Cervantes; Gabriela e Vadinho, de Jorge Amado; Madame Bovary, de Flaubert; Capitu e Quincas Borba, de Machado; Piano, de Bernardo Elis; o menino de “Meu pé da laranja-lima”, de José Mauro de Vasconcelos... Olha, isso é missão quase impossível! Todo personagem é importante no jornalismo literário porque, no jornalismo, personagens são seres reais, enquanto a literatura apenas os veste de roupagem especial para fazê-los mágicos. E o jornalismo literário é, para mim, a forma boa do jornalismo. Sua marca não é a fantasia, mas o texto de alta qualidade, nivelado com a Literatura.


Ainda que seus textos auxiliem a muitos na compreensão de certos fatos, o que não deixa de ser ensino, porque o professor ficou de lado, aquele das salas de aula?
Já ouviu falar na faixa salarial dos professores? Deixei o ensino por duas razões: uma delas, a falseta que foi a reforma do ensino de 1972, com a Lei 5.692 (ceifava todo o ideal de ensino); a outra, a necessidade de sobreviver. Então, troquei as salas de aulas por duas horas mais, por dia, de trabalho no banco. Desde então, minha presença em sala de aula não se dava como um professor de Geografia e, sim, como um escritor a levar informações de boa escrita aos estudantes. Hoje, delicio-me cada vez mais com esses encontros, em palestras ou oficinas literárias. E, eventualmente, atuo como voluntário, com aulas de conteúdo para estudantes carentes.


No meu tempo de Faculdade fiz um trabalho no qual deveria analisar as mensagens intrínsecas de alguma foto e escolhi uma sua do caminhão de lixo sobre a ponte do Botafogo na Rua 10. E o fotógrafo, continua atuando?

Não mais como antes... Naquela época, há quase 30 anos, eu gostava de ser, sozinho, uma equipe: dirigia o carro do jornal, fazia fotos, entrevistava, levantava matérias, escrevia, copidescava, editava... Gostava muito de documentar, em imagem, cenas de rua. Desencantei-me quando, a 31 de dezembro de 1981, a poucas horas do fechamento total da edição, fui chamado à margem do Rio Meia-Ponte, próximo ao Bairro Feliz. Ali, fotografei um cadáver. Era um moço, fora morto com duas penetrações a faca sob a axila, ao modo de se matar porco na roça. Editei a foto, com uma nota de cinco ou dez linhas, dando-o como desconhecido. Quando vi o jornal na banca, senti-me mal. Continuei fotografando, mas com a condição de escolher o que fotografar.


Qual é a grande poesia da sua vida? (Não falando das escritas, mas das vividas)

A própria vida! Sou um sujeito vitorioso. Nasci nu, não fiz fortuna de dinheiro, mas fiz a minha história ao escolher construir minha vida de fatos e pessoas. Sou rico de gente boa! Sou rico de gente inteligente e talentosa! Sou rico de gente especial, que tem coração de bondade e caridade, que não se verga por covardia nem omissão. Sou rico de bons filhos e um neto que me fazem feliz. E sou rico por ter chegado a este estágio, o de sexagenário, sem relações de indiferença à minha volta: amam-me. Ou me odeiam. A única coisa que me deixa menos feliz é o fato de alguns dos que amam ficarem constrangidos e não dizerem; e os que me odeiam, por não dizer (sejam lá quais forem suas razões). Em suma: a grande poesia é esta fé no próximo. Acredito, sim, na grandeza do bicho sapiens.


Há um livro ou poesia predileto (a)? Se sim, por quê? (agora sim, falamos das escritas).

Não. Ou, para não parecer piegas, há sim; e é sempre o mais recente. No caso, “As uvas, teus mamilos tenros”, um livro de poemas eróticos que há de perder o lugar para o próximo: “Poemas de amor e Terra”.


Quais os próximos trabalhos?
Em livro, acabo de lhe dizer. Mas o que mais produzo, nos últimos anos, são crônicas de jornal. Escrevo para o Diário da Manhã de todos os domingos; escrevo para alguns sites, publico quase tudo no meu blog (http://penapoesiaporluizdeaquino.blobspot.com) e ainda colaboro com o jornal eletrônico “O Liberal”, de Cabo Verde (http://www.liberal-caboverde.com/) e com o Tropical- USA News, que é um tablóide editado por e para brasileiros, com sede em Dambury, Conecticut, EUA. Também sou publicado com freqüência no site Vânia Moreira Diniz (http://www.vaniadiniz.pro.br/) e no Jornal Ecos da Literatura (http://www.jornalecos.net/) , dentre outros. E, recentemente, um dos maiores divulgadores de Literatura Brasileira na Internet, o poeta Selmo Vasconcelos (carioca, radicado em Rondônia) selecionou-me entre os 100 de seus quase 2.500 colaboradores numa antologia eletrônica: http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com. Tenho, sim outros planos, muitos. Farei os que forem viáveis. É preciso não esquecer que já estou descendo a rampa. Afinal, já bati a marca dos 60 anos, ou seja, estou na quarta adolescência.