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sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Carnaval com qualidade

Carnaval com qualidade


Luiz de Aquino

 

Enfim, o ano de 2009 começa no Brasil. Como sempre, as festas brasileiras inciam-se com o movimento das compras de Natal, embriagam-se sob os fogos do Ano-Novo e estendem as reverências a Baco até os festejos do Rei Momo. E então vem a Quarta-Feira de Cinzas

 (do calendário católico), dois dias e meio de trabalho preguiçoso nas áreas da burocracia e dos serviços e, na verdade, somente na segunda-feira a gente começa um novo ano.

Carnaval…

Em cidades de Minas,  proibiu-se qualquer música que não fosse samba e marcha, excluindo os adeptos de outros sons para a periferia. O propósito foi o de dar entretenimento agradável aos que realmente curtem carnaval e agregar os turistas que efetivamente gastam, porque os outros geram apenas trabalho e despesa para os cofres municipais. Esse exemplo Goiás precisa copiar, especialmente Caldas Novas, Pirenópolis e a antiga capital, Goiás.

A propósito, minha crônica de quarta-feira passada foi considerada nas duas cidades históricas goianas. De Pirenópolis, escreveu-me Daiane Lima, informando que colocaria meu texto no portal da cidade na Internet - www.pirenopolis.com.br -, o que prontamente autorizei. Isso indica que os que trabalham a ideia da melhoria da recepção ao turista na antiga Meia-Ponte pretendem, sim, proporcionar melhor ambiente na cidade. Atualmente, o “auê” no centro histórico de 

Pirenópolis decepciona o turista de verdade, tamanha é a invasão dos vândalos de Anápolis, Goiânia e Brasília (principalmente), o que afugenta o bom turista. Este ano, o brasiliense de gosto refinado prefere Cavalcante, no nordeste de Goiás; até Joãozinho Trinta (que costuma escrever Joãosinho) aconteceu nas margens de outro Rio das Almas (explico: Pirenópolis é banhada pelo Rio das Almas;

 Cavalcante, também – mas são dois rios com o mesmo nome).

De Vila Boa de Goiás, Ademir Hamu me trouxe o CD com as marchinhas classificadas no concurso de marchas que noticiei domingo passado. Em terceiro lugar, “Carnaval é em Goiás”, de Luci Espírito Santo B. L. Gomes; em segundo, “Jóia Rara”, de Idelmar Paiva Neto. A vencedora foi “Sonho de Carnaval”, de Orion Tadeu de Amorim. A letra é um tanto longa, à moda de marcha-enredo, e bonita:

”Eu quero teu confete e serpentina, Menina, se atina, se atina / Que a lua tá no céu e a vida empina / Se atina, se atina. (Refrão) //  A marcha imortal: “Veneno” Carnaval / Eu quero ver raiar o dia // Na Sota ou no Bacalhau, / Meu sonho é nunca igual / Eu rasgo a tua fantasia. // Saí de bem com a vida pra cidade / Teu beijo estricnina de verdade / Que bom morrer assim, na Praça do Jardim / Quem um dia se chamou Liberdade”.

Ademir e João Marcelo gravaram cento e cinquenta cedês e, obviamente, não conseguiram atender a todos os que queriam a gravação das marchas. Resultado: no dia seguinte, o pequeno disco já era vendido, legitimamente pirateado, no Mercado da cidade.

 

 

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.  E-mail: E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com. 

 

terça-feira, fevereiro 24, 2009


Dias de Momo

Luiz de Aquino

 

Fujo dos números dramáticos dos noticiários. Fujo também da mídia turística que força-nos a horas infindas diante da tevê a ver desfiles com sabor de “déjà-vu”, prefiro o som cativante do frevo, as fantasias de bom-gosto e os passos clássicos do frevo de Olinda e Recife. Nada conheço de Pernambuco senão o que se estuda em Geografia, mais as fotos e filmes e as lojas do aeroporto naquelas escalas longas o bastante para aborrecer, mas não tão demoradas  que permita um passeio pela cidade.

É carnaval, é carnaval! Em Goiânia acontece o Goiás Festival. Ainda que na ordem inversa, prefiro a pronúncia de bom português, em lugar do antipático modo imposto pelos organizadores: Goyas Festíval (notem que pus um acento agudo na silaba do meio, porque é assim que os locutores de rádio noticiam o evento; na mídia escrita, como se viu, escreveram Goyas, em lugar de Goiás. Prefiro me calar). Trata-se de três noites de boa música instrumental que, este ano, trouxe Paulo Moura, virtuose do saxofone, mais Cristovão Bastos, mago do teclado (meu colega na Escola Evangelina Duarte Batista, em Marechal Hermes, no Rio, nos anos de 1956 e 57; era ele quem tocava acordeão em todas as festas da escola).

Na antiga capital de Goiás, a antiga Vila Boa, que, após Goiânia, é por nós chamada carinhosamente de Goiás Velho, um festival de marchinhas marcou feito um passo de ouro, a nova gestão municipal, com Mara Públio liderando e dois amantes da cidade (o poeta Ademir Hamu e o cantor e compositor João Marcelo) cuidando de tudo o mais.

Em Pirenópolis, o turismo da farofa compromete a qualidade da própria cidade. Carros de som, abusivamente, invadem o bom gosto. Na casa de Helena e José Reis, na Rua do Rosário, os bons sons de sambas e marchas vindos da rua foram expulsos pela potência de um carro brasiliense na casa em frente, com um bate-estacas suportável apenas (dizem os próprios moços) com “ecstasy”, a droga das festas “rave”(palavras que escrevo entre aspas por absoluta falta de confiança na ortografia). Carros com a parafernália eletrônica invasiva espalham-se pela cidade, em total desrespeito aos que, efetivamente, vão lá com vontade de conhecer, curtir e... gastar bem. Por isso, os brasilienses mais exigentes preferem, agora, Cavalcante a Pirenópolis e a Alto Paraíso, deixando essas opções para os vândalos viajantes.

João Marcelo e Ademir Hamu ficaram me devendo o resultado do concurso. Não faz mal, minha alegria já se faz completa por saber que tudo correu bem. Pena que eu não possa contar, aqui, o título e os versos da marcha vencedora. Na falta, transcrevo aqui a que compuseram esses dois meus amigos, especialmente para o Bloco do Rosário. A marcha é “O Bloco do Rosário vem aí” e homenageia, com justiça e competência, a artista vila-boense Maria Veiga. Vejam a letra de Ademir para o compasso e as notas de João Marcelo:

“O Bloco do Rosário vem aí / equilibrando nas pedras pra não cair / Não caio, não caio, não caio não / To amarrado no seu coração // Nessa festa, nessa folia / tem muita paz e também muita alegria / A gente canta / A gente apronta / Em Vila Boa tudo é bom demais da conta”.

Valeu, Vila Boa de Goiás!

 

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. Blog:http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Marchinhas em Vila Boa de Goiás


Marchinhas em Vila Boa de Goiás

Luiz de Aquino

 

Em um tempo em que a indústria fonográfica (nome antigo que dávamos ao processo industrial da música em discos e outros recursos de gravação de sons) ainda não dominava todos os rincões, a nossa vetusta Cidade de Goiás, então ainda capital do Estado, cantava nos carnavais:

 "Veneno... Veneno! É o nome de você / Por quê? Ora, porque pequeno / é todo frasco de veneno". A marchinha (de João Ribeiro e Yaneru) marcou o

 tempo e virou história na vida das pessoas e da cidade. Penso que, alguns anos mais tarde, foi a vez de "(...) E o batom que você traz na boca tem estricnina", que ouvi dos lábios sonoros e maviosos de Eli Camargo... Acho que esta era uma marchinha de seu pai, o maestro Joaquim Edson Camargo. Corrijam-me, por favor!

Gostei de saber que, na antiga capital de Goiás, Patrimônio Cultural da Humanidade, a efervescência cultural aumenta ainda mais, com um belíssimo festival de marchinhas. Para ser mais exato, trata-se do Primeiro Concurso de Marchinhas Carnavalescas da Cidade de Goiás. Capitaneados pela Secretária Municipal de Cultura, Mara Públio,  o músico João Marcelo e o poeta Ademir Hamu coordenam o evento, que alistou dezenas de marchas inéditas.

Converso com Ademir Hamu e João Marcelo, ouço gravações e me contagio com o ritmo alegre e brejeiro, brasileiríssimo, das marchas carnavalescas (ou marchinhas; é tão nosso isso de acarinhar com o diminutivo as coisas de que gostamos!). Convidam-me para a finalíssima, na noite de sexta-feira, véspera de carnaval.

Infelizmente, o cronista contradiz o gênero e se faz anacrônico, escrevendo antes dos fatos. Mas nada se perde, porque os jornais e a mídia eletrônica certamente trarão até nós os resultados finais. Sei apenas, nestas horas de véspera, os nomes das finalistas, com seus autores. Vejam aqui, em ordem aleatória: A mais bela (de Carlos Alberto Mendes Bluesman); Carnaval é em Goiás (de Luci Espírito Santo B. Gomes); Jóia Rara (de Idelmar de Paiva Neto); Vamos pra Goiás (de Fernando Cupertino); e Sonho de Carnaval (de Orion Tadeu de Amorim.

Seja qual for o resultado, a vitória já se mostra. Não a vitória desse ou daquele compositor, de uma ou outra marchinha, mas a da realização. Vitória do trio de organizadores, dos inúmeros compositores e de toda a Cidade que, em quase trezentos anos, consolida-se, meritoriamente, como nosso berço cultural.

Imagino que um CD se fará, documentando a história. E aguardo o meu exemplar.

   

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Trotes e sentimento

Luiz de Aquino

 

O texto abaixo, recortei-o de uma crônica da jornalista e fotografa, de talentos indiscutíveis, Neusinha Gedoz , da cidade de Carlos Barbosa, RS (a crônica de Neusinha, “Respeitar é não fazer ao outro o que não gostaríamos que fizessem conosco”, está em http://neusinhagedoz.blogspot.com):

“Pessoas e pessoas. Penso que existem dois tipos: as boas e as más. Conheço uma pessoa boa que me ensinou sobre “respeito à vida do outro”, não importa quem é o outro. Se é gente, bicho ou vegetal.

 Meu sobrinho de onze anos matou, sem querer, um pássaro no sítio da família. Ao pegar o corpinho da ave sem vida nas mãos começou a chorar um choro tão emocionado que seu peito arfava, quase não dando conta de respirar. Beijou sua cabecinha, conversava com ele, cavou um buraco em terra macia, numa sombra, colocou o Canário bem colocadinho, tapou, fez uma montanhazinha de terra, cruzou dois pedacinhos de paus, fez uma cruz com uma borrachinha improvisada. Terminou a cerimônia colocando algumas flores minúsculas perto da cruz e disse a seu pai: “pai, você me ajuda a cuidar da esposa e dos filhinhos dele?” Assisti a cena com lágrimas nos olhos e imaginei a dor que ele estava sentindo, já que chorava sem parar.

O que tem a ver a história do pássaro com o trote universitário? Nada. E tudo ao mesmo tempo”.

Fico triste em contar que esse trecho, por mim selecionado, vem após as considerações da autora em torno dos trotes acadêmicos que vêm causando mortes e lesões graves, corporais e psicológicas. Não preciso discorrer sobre o quanto isso nos causa indignação (alguns locutores andam falando “indiguina”... nada demais, já que alguns, ou os mesmos, quando querem dizer “opta”, pronunciam “opita”; e, pelo tom, dão-me a impressão de pôr acento agudo na silaba distorcida).

Ao ver que em Embu os veteranos de Veterinária obrigaram calouros a ingerir bebidas alcoólicas em níveis superiores ao suportável e os fizeram rolar numa lona cheia de fezes de animais e aves em decomposição; e que em Leme (ambas as cidades no Estado de São Paulo, o nosso “primeiro-mundo”) uma estudante de Pedagogia jogou creolina com gasolina no corpo de uma jovem caloura (que, por sinal, está grávida), lembrei-me que, em 1971 (sim, há 38 anos), os veteranos da Universidade Católica de Goiás escolheram por trote servir bebidas e refrigerantes aos calouros como que numa festa comum. Mas anunciou-se, com antecedência, que lhes seriam tomadas as roupas para doar a pessoas carentes.

Assim se fez, no primeiro trote coletivo em Goiás. Sem excessos, sem violência, sem desrespeito. Quanto a Neusinha, que conheci nas afinidades registradas em perfis da Internet, recebo-a com esses versos de bem-esperar:

Bendita a que chega 
/ Em Nome da Rosa,  / 
traz palavras de peso 
/ e medidas infindas, / solenes e sólidas. 



Bem-vinda a que chega 
/ trazendo um sorriso 
/ de doce domínio, / um olhar 
de envolver e palavras / 
de nunca esquecer. 



Bem-vinda, Neusinha, 
/ bonita e gaúcha, / amante de causos 
/ e papos.

Feito eu. 



 

E ainda sobre trotes... Bem, os veteranos adultos têm muito o que aprender com o sobrinho da Neusinha, não?

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. Email: poetaluizdeaquino@gmail.com. Blog: http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com. 

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Dia de chorinho. E lágrimas!

Luiz de Aquino

 

Perdi a conta das vezes em que louvei as sextas-feiras, enfocando as noitadas de chorinho na calçada do Grande Hotel. Boa música, excelentes instrumentistas e a chance de encontrarmos velhos amigos dos tempos em que o Grande Hotel era, realmente, um hotel. O ambiente era tão bom e saudável que, aos poucos, os universitários e, depois, os adolescentes elegeram o lugar como ponto de encontro.

Certa vez, já ao final da função, uma agente da SMT liberou a pista para os ônibus quando ainda havia muita gente por ali, expondo-os ao risco de atropelamento. Reclamei, e a moça fardada acenou para um sargento da PM; felizmente, o militar percebeu que eu não a desacatava, ou eu poderia ter levado um murro na cara e ser algemado, como aconteceu com o estudante que festejava aprovação no vestibular, terça-feira última, no Parque Vaca Brava.

Pois bem. Há meses que não vou ao chorinho do Grande Hotel. É que, da última vez, senti por lá o peso da infiltração de agentes policiais, pois o consumo de maconha era notório. Como eu, muitos companheiros de mais idade (alguns com a idade de meu pai, ou pouco mais) passaram a evitar aquela festa. Na minha primeira ausência, ou seja, dia 8 de agosto de 2008, um moço de vinte anos, estudante de Direito, foi assassinado no trajeto entre o Grande Hotel e o Goiânia Ouro, onde ocorria um xou com o fantástico Luiz Melodia.

Eric, carioca, viera para Goiás com a mãe, Dona Regina, em busca de qualidade de vida, isto é, fugiam das balas perdidas na Cidade Maravilhosa. Aqui, ao ver um amigo sendo assaltado, tentou interferir e foi golpeado à faca por um dos assaltantes. Ato contínuo, enquanto Eric perdia a vida no asfalto da Rua 3, seus algozes refugiavam-se na casa da namorada de um deles (um apartamento no Edifício Sofia).

A PM chegou a tempo de ouvir a informação dos amigos de Eric: os bandidos estavam naquele (indicavam) apartamento. Mas um dos militares alegou não poder prosseguir, pois não tinham mandado judicial. Poxa, gente! Um homicídio acabara de acontecer, os dois bandidos envolvidos estavam ali, ao alcance, era flagrante! Mas...

Um sujeito foi preso estes dias, em Goiânia. Ele é o tal que enfiou a faca em Eric. Seu advogado, logicamente, tenta um hábeas corpus para o facínora. A mãe de Eric clama por justiça. Hoje, no começo da noite, ela vai ao Grande Hotel, onde sequer acontece o chorinho. Vai levar suas lágrimas de mãe que perdeu o único filho varão, um moço feliz, estudante e trabalhador. Do Grande Hotel, seguirá até o Goiânia Ouro, cumprindo o mesmo trajeto do filho. Vai ver os jovens freqüentadores da noite no centro histórico.

Esperemos que o assassino de Eric não tenha conseguido a liberdade. E que outros marginais não interrompam sua caminhada. E que nenhum tenente da PM, sem o esperado preparo emocional para a função, obstaculize sua marcha em busca de Justiça.

 

Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

Quero o fim dos carimbos

Quero o fim dos carimbos

Luiz de Aquino

 

Qualquer brasileiro no patamar dos 60 anos ou mais, premiado com tal longevidade apesar do trânsito, das rodovias ruins, da violência das ruas, da ocasional medicina ruim, da ditadura militar, dos abusos policiais (sob qualquer regime) e dos grupos de extermínio (desgraçadamente defendidos por uma minoria descarada e cínica) e de tantos outros obstáculos (como as epidemias e as endemias, os suicídios e os crimes passionais) há de lembrar-se do tempo em que uma família tinha muito poucas contas a pagar nos finais dos meses.


A água era de cisterna, filtrada e (ou) fervida, conforme a necessidade e a conveniência; a energia elétrica mantinha as lâmpadas (poucas), o rádio e, em algumas casas, uma geladeira; telefone era artigo de luxo nas grandes cidades e inexistente nas pequenas; eram poucos os impostos e quase não se comprova a prestação. Havia a saudosa caderneta do armazém e a da padaria.

Vida simples, se comparada com a de hoje. Uma casa ou apartamento de dez anos atrás não dispõe de tomadas suficientes para os aparelhos de tevê e devedê, som e computador (com os indispensáveis periféricos). Na cozinha, alem da geladeira, temos o frízer, o forno elétrico, o de micro-ondas, a batedeira, o liquidificador e outros mais, e temos ainda a máquina de lavar louças, a de lavar roupas, a secadora etc. e tal.

Com isso tudo, multiplicam-se as contas a pagar: cartões de crédito, cheque especial, carnê do carro e de móveis, carnê da escola regular e da academia de ginástica, do curso de línguas, do preparatório para concurso, as contas dos telefones (o fixo e os celulares), o condomínio, os impostos parcelados e tanta coisa mais!

Triste é pensar que a cada conta, ao final do ano, temos nada menos que doze recibos a serem guardados por pelo menos cinco anos. Ou seja, cada item nos exige um arquivo de sessenta comprovantes. Isso sem falar no volume de papéis que temos de mostrar em qualquer lugar, seja escola ou banco, empresa do seguro de saúde e mais etc. e tal.

E as cópias autenticadas? E as tais de firmas reconhecidas?

Houve um temo, há cerca de 25 anos, isto é, no tempo de João Figueiredo, o general presidente, em que a imprensa divulgou uma palavra talvez nova: desburocratização. 

E tinha um sinônimo Hélio Beltrão, nomeado ministro para desburocratizar.

Ele sugeriu o fim do reconhecimento de firma para um mundaréu de papéis, bem como das caras e nunca confiáveis autenticações de fotocópias. Bastou entrar Sarney para que o “lóbi” dos cartórios fizesse recrudescer a burocracia a plano vapor, e só agora, no segundo mandato de Lula Inácio se tem um aceno pela simplificação das coisas.

Tomara!

 

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Meus valores intocáveis





Meus valores intocáveis

Luiz de Aquino

Como a maioria dos mortais, sou dado a analogias.

Ouvi no rádio um juiz eleitoral em entrevista, revelando o que o populacho já sabe: existem dificuldades para se eleger bons representantes porque os partidos escolhem, antes, os candidatos. Para o Executivo, impõem-nos uns poucos nomes e ficamos sem opções. Guardadas as proporções, dá-se o mesmo para o Legislativo, e atualmente é moda a Justiça cassar mandatos de alguns eleitos por enquadrá-los entre os que a gente chama de “fichas sujas”.

Cuido muito do meu voto, seja para os cargos de Executivo ou os de Legislativo. Vereadores, deputados (estaduais e federais) e senadores, escolho-os com critério, levando em conta as qualidades pessoais e de cidadão. O mesmo faço quanto às associações e entidades a que sou filiado. Ao votar, é importante que nos vejamos na pessoa alvo da nossa seleção. Pequenos detalhes podem, pois, vir a ser referências graves.

Recentemente, importante figura na vida social de  Goiânia pediu-me voto. Senti-me ofendido: a pessoa quis me agradar, falou-me dos meus escritos e identificou-me com uma inexistente campanha 


pela “goianidade”. Não entendi... Ou 

melhor, entendi: a pessoa nunca leu o que já escrevi. Vai ver, recordou-se de quando, no decorrer dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, manifestei-me contrário à divisão de Goiás em dois,

 dando origem ao Estado de Tocantins. Eu defendi, sempre, ampla redivisão territorial do Brasil, mas não concordei com a partilha pura e simples de Goiás. Por que, indaguei à época, não dividiam também Minas Gerais e a Bahia? Ainda hoje são extensões enormes em que os governos atuam pouco. O candidato, no caso, já se dizia tocantinense desde criancinha, mas continuou vivendo e atuando em Goiânia. Agora, pretende alistar-se em instituição de cunho eminentemente goiano.


Não, não, Leda Selma, não sou xenófobo! Você, por exemplo, é baiana de nascimento, orgulha-se de sua origem e curte ao menos uma semana de todos os janeiros em sua pequenina e amada Urandi. Mas vive Goiás, vive Goiânia, cresceu e se formou aqui, forjou-se excelente comedora de pequi e torcedora 

do Goiás Esporte Clube. Não te vi propalando nada contra Goiás e goianos, como aconteceu nos empenhos dos nossos nortenses quando da criação de Tocantins. Pouco depois de instalado o novo Estado, três ou quatro

 deputados goianos transferiram seus títulos eleitorais para Tocantins e tentaram eleger-se lá; não o conseguindo, voltaram à Assembléia Legislativa de Goiás e um deles chegou a presidir o Poder por um período-tampão.

Desculpem-me por não transigir, mas sou assim e não pretendo mudar. Outro exemplo: pelos idos de 1992, nos primeiros meses, um colega de trabalho no BEG mostrou-me um encarte da Revista Exame, na qual o jornalista Paulo Francis, que lançava um romance cujo nome não me lembro, era entrevistado. O famoso profissional, morador de Nova Iorque (não dou conta de escrever esse nome em duas línguas) queria que o Brasil vendesse a Amazônia, o Nordeste e o Centro-Oeste. Dizia ele que “Por muito menos, a Rússia vendeu o Alasca”. Para ser detalhista, em dado momento ele disse que, como era da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, nada conhecia de Brasil e que “Ceará, Nordeste e Goiás” não lhe interessavam.

Que triste, né?

Sou pela unidade territorial brasileira. Sou pela defesa intransigente das nossas riquezas e dos nosso valores (a isto, chamo de riqueza sem pecúnia). E evoco Fernando Pessoa, autor dessa frase linda: “Minha pátria é a Língua Portuguesa”. Estendo-a aos meus sentimentos e apego-me aos valores que trago quando penso, quando falo e quando escrevo. Presidi a União Brasileira de Escritores, de cujos quadros me afastei por razão pessoal, mas defendo-a com vigor, porque é a minha instituição de referência, antes de tornar-me membro efetivo da Academia Goiana de Letras. E defendo a AGL com a mesma energia, preferindo-a para os literatos do que para notáveis sem lastro qualitativo no ofício das letras.

Digo isso para dar uma faceta do meu perfil de pessoa, de animal da espécie. Corruptível? Posso ser, desde que a moeda não seja pecúnia nem item da lista de bens tributáveis. Meus valores são outros. Meu voto é consciente. Debalde encomendar injunções ou usar de confrarias calcadas em mistérios... conheço-as bem, também.

 

 

Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com  

 

sábado, fevereiro 07, 2009

Inaugural



Inaugural

Luiz de Aquino

 

O bairro é  ainda incipiente. Qualquer um que por ali passeie, por ruas de terra batida orladas de capim de pasto plantado sobre o chão do cerrado removido pelo sonho da fortuna, há de sentir-se pioneiro e pensar: “Daqui a alguns anos, tudo isso serão casas e jardins, asfalto e veículos, e vou me lembrar de tal como é hoje”.

O que me parece uma esquina é cobertura de

 braquiária, o capim africano que resiste melhor à seca e assegura alimento ao gado vacum. Retirado o rebanho, a poucas estações brotam do chão folhas novas de velhos caules subterrâneos: o cerrado

 ressurge, de volta ao chão e à luz do sol, moldurado por céu de azul ou de nuvens. Pouco além, um retângulo cercado de arame e trepadeiras ostenta flores, muitas flores variadas em

 plantas desiguais, dando cor ao verde de folhas e vermelho de chão, contrastando com o azul das  alturas. Sei que são de Deuza, a deusa da minha rua.

Além da cerca maior, limite do arrabalde, um rádio ligado a todo volume enche o silêncio com a cantiga de agudos e falsetes de uma dupla sertaneja. Preferiria caipira, mas estes fazem parceria  com preguiças, emas, antas e lobos, quero dizer, despedem-se deste mundo, para nossa saudade.

Do lado de lá, o outro lado da estrada roceira, postes de concreto sustentam fios grossos para assegurar luz no campo. Triste é notar que, para manter a linha reta, um pequizeiro perdeu a metade de si. Mais triste foi ver o jatobá, tão vetusto quanto eu (ou ainda mais), todo lançado ao chão. Minha amiga Bárbara, arquiteta, vê o que aponto e faz blague: “Se os arquitetos projetassem essas linhas, as árvores seriam preservadas, mas engenheiros só desenham retas”. Claro, é uma brincadeira cruel apenas para provocar  Luiz Ungarelli, ao nosso lado. Mas os da Agência Ambiental bem podiam multar a empresa que fez a linha de transmissão.

Numa rua que se pretende larga, bem ao meio, um pé de araticum sugere duas pistas. Por estes dias, mostra-se carregado de frutas, anseio vê-las maduras a espalhar seu cheiro doce. Sem mais nem menos, algumas corujas emergem da relva densa e postam-se, como que ensaiadas, em cada moirão da cerca, enquanto três pares de araras azuis atravessam, barulhentas, o espaço vesperal. Hora de

 buscar os ninhos, é certo.

A este tempo, não muito distante, a cidade regurgita pessoas dos prédios, entopem-se as calçadas e as ruas. Automóveis, nervosos, disputam espaço e disparam buzinas. Vermelho longo, amarelo rápido, verde insuficiente. O guarda, o menino, a velhinha, a bicicleta; a moça bonita, o estudante apressado, o velho distraído e sem pressa. O caminho de casa, o calor, a fome, o banho, o lanche às pressas, o telefone, o telefonema, o horário marcado...

A noite sugere relaxamento. Um bar, um samba, o mambo, o tango, o riperrope... guitarra, percussão e contrabaixo, bossa-nova, axé, dor-de-corno, a saudade, a vindoura já chegando, esfuziante na roupa colada. Outro chope, um petisco, os risos, as falas, o cheiro, a pele, o calor de novo, a vontade...

É sair daqui. Vidros baixos no carro, o ar quente agitado, amenizando o calor, esvoaçando cabelos e estimulando este fogo, este aconchego, a vontade emergente, urgente. É buscar os rumos do bairro novo, a nova casa e a esperança do amanhã.

Só falta luar.


 

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com. Blog:  http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com

 

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

O do Zé Estevão


O do Zé Estevão

Luiz de Aquino

 

Eu já escrevia coisas de hoje, como o que teria sido o nonagésimo quarto aniversário de José J. Veiga (2 de fevereiro de 1915), a festejada tentativa de inserir Goiânia entre as sedes da Copa do Mundo de futebol em 2014, a preocupação com o mosquito que transmite dengue (o diabo do bichim já se reproduz em água suja, imaginem!), o sargento da PM que matou a namorada e o rapaz que deu uma carona à moça, o desencontro do meu Vila Nova com a bola... Mas se os compositores e cantores vivem repetindo nos xous suas músicas de maior sucesso, acho que nós, escribas de prosa e verso, podemos bem repetir textos nossos também uai. Por isso, a crônica de hoje não é nova. Foi escrita e publicada há quase quatro anos (meus leitores mais antigos hão de se recordar). Mas ouso reproduzi-la não por falta de assunto, que os tempos atuais não deixam cronista algum sem assunto, mas porque o tema é pitoresco e o “argumento”, atualíssimo. Vamos a ela, pois.

 

Tenho momentos de vazio e saudade. Quem não os tem? Aí, saio como quem anda sem rumo, mas sei aonde ir e ver. Ver pessoas especiais. Ver amigos e surpreender amores secretos, e isso há que se ter arte para fazê-lo: porque amor, diziam os romanos, é como tosse, não há como disfarçar. 

Andei aí, sorri boas-noites e me sentei prosista de falar e rir. Ouvi Valdemar contar coisas de que confessei um não-saber comum: quem será Zé Estevo, de quem falei crônicas passadas, este ano mesmo? Ele me contou, justificando o bordão goiano, sul-goiano de longa data que repercute na memória do menino que eu era: “Tá no cu do zé-estevo!”.

Para os de longe  os do norte de Goiás e os de além-rios de Goiás Sul  explico que é um falar comum das gentes da minha terra: se alguém está mal, diz-se que “tá no cu do Zé Estevo”, e Valdemar me explica o causo, sucedido em Jataí, lá pelo começo da quadra de 50, quer dizer, há mais de cinqüent’anos. E eram dois os irmãos Estevão: um Jerônimo, outro José. Jerônimo, um dia, apareceu de médium, pregando coisas e prometendo 


curas, distribuindo bênçãos e raizadas, para a alegria e a felicidade de um sei-lá-quantos de tristes.

A vida corria bem e nada havia que se questionar, pois os que Jerônimo salvava nem precisavam, vai ver, se salvar de nada mesmo. Uma espinhela caída nem sempre é causa de dor; e um amor desfeito não mata ninguém, basta que um novo amor se anuncie e o mal de antes está curado. Foi então que Jerônimo entendeu de salvar o mano José  o que vem a ser esse mesmo, o Zé Estevo, no modo mais goiano de falar fácil, o que antecede o modo tacão de moços escribas nos baites da Internet.

Um punhado de ervas

 aromáticas cujos odores nem eram lá do agrado do possível doente, a infusão em água insuspeita, raizada curtida de véspera em álcool de fazenda (quase cachaça), e pronto! No dizer de Jerônimo, o mano Zé estava curado. Mas, há que se perguntar, curado de quê? Sabe-se lá! O Zé estava apenas magro, mas de nada se queixava. E como não era de contrariar o mano Jerônimo, deixou-se medicar.

Vai daí que, desde então, siô, a vida do Zé virou uma merda! Zé emagrecia ainda mais, apareceu com olheiras quase pretas, de tão roxas, e o corpo manchado de muitas pintas grandes. Fosse só isso, estava tudo quase bem: Zé Estevo se apanhou de uma caganeira que nada segurava. Por isso, então, e de imaginar o quanto sofria o anel terminal do tubo digestivo do pobre do Zé, o povo logo inventou de apelidar qualquer situação de aperto com a famosa frase: “No cu do Zé Estevo”.

Dei-me por feliz  não pelo suplício do esfíncter do diabo do Zé, mas pela explicação que me ofereceu o Valdemar. Pena que, ocupadíssimo com a missão de saborear aperitivos sofisticados, meu velho amigo Marcelinho Pão-e-Vinho, delegado de uma pequenina e pacata cidade do interior de Goiás, não tenha ouvido a história. Haverá ele, então, de saber dos fatos por estas linhas, que ele há de ler quando o correio entregar-lhe a cópia, já que Pão-e-Vinho, o delegado filósofo, não é de navegar nas ondas internáuticas.

Aproveitei um intervalo entre os estalares de língua do policial impoluto e lasquei a pergunta infalível: o que faria ele se em sua jurisdição acontecesse um prosaico mensalão ou um poético tráfico de recursos financeiros embalados em cuecas de assessores ou em malas de bispos?. Marcelinho, meditabundo, não divagou nem titubeou, respondendo-me com um misterioso bordão encontrado em crônica de Mestre Rubem Fonseca dos tempos em que, calculo eu, os irmãos Estevão protagonizavam curas em Jataí e a República estremecia sob os costumes:

 Ai de ti, Brasília!

 

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. 

E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com