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quarta-feira, fevereiro 04, 2009

O do Zé Estevão


O do Zé Estevão

Luiz de Aquino

 

Eu já escrevia coisas de hoje, como o que teria sido o nonagésimo quarto aniversário de José J. Veiga (2 de fevereiro de 1915), a festejada tentativa de inserir Goiânia entre as sedes da Copa do Mundo de futebol em 2014, a preocupação com o mosquito que transmite dengue (o diabo do bichim já se reproduz em água suja, imaginem!), o sargento da PM que matou a namorada e o rapaz que deu uma carona à moça, o desencontro do meu Vila Nova com a bola... Mas se os compositores e cantores vivem repetindo nos xous suas músicas de maior sucesso, acho que nós, escribas de prosa e verso, podemos bem repetir textos nossos também uai. Por isso, a crônica de hoje não é nova. Foi escrita e publicada há quase quatro anos (meus leitores mais antigos hão de se recordar). Mas ouso reproduzi-la não por falta de assunto, que os tempos atuais não deixam cronista algum sem assunto, mas porque o tema é pitoresco e o “argumento”, atualíssimo. Vamos a ela, pois.

 

Tenho momentos de vazio e saudade. Quem não os tem? Aí, saio como quem anda sem rumo, mas sei aonde ir e ver. Ver pessoas especiais. Ver amigos e surpreender amores secretos, e isso há que se ter arte para fazê-lo: porque amor, diziam os romanos, é como tosse, não há como disfarçar. 

Andei aí, sorri boas-noites e me sentei prosista de falar e rir. Ouvi Valdemar contar coisas de que confessei um não-saber comum: quem será Zé Estevo, de quem falei crônicas passadas, este ano mesmo? Ele me contou, justificando o bordão goiano, sul-goiano de longa data que repercute na memória do menino que eu era: “Tá no cu do zé-estevo!”.

Para os de longe  os do norte de Goiás e os de além-rios de Goiás Sul  explico que é um falar comum das gentes da minha terra: se alguém está mal, diz-se que “tá no cu do Zé Estevo”, e Valdemar me explica o causo, sucedido em Jataí, lá pelo começo da quadra de 50, quer dizer, há mais de cinqüent’anos. E eram dois os irmãos Estevão: um Jerônimo, outro José. Jerônimo, um dia, apareceu de médium, pregando coisas e prometendo 


curas, distribuindo bênçãos e raizadas, para a alegria e a felicidade de um sei-lá-quantos de tristes.

A vida corria bem e nada havia que se questionar, pois os que Jerônimo salvava nem precisavam, vai ver, se salvar de nada mesmo. Uma espinhela caída nem sempre é causa de dor; e um amor desfeito não mata ninguém, basta que um novo amor se anuncie e o mal de antes está curado. Foi então que Jerônimo entendeu de salvar o mano José  o que vem a ser esse mesmo, o Zé Estevo, no modo mais goiano de falar fácil, o que antecede o modo tacão de moços escribas nos baites da Internet.

Um punhado de ervas

 aromáticas cujos odores nem eram lá do agrado do possível doente, a infusão em água insuspeita, raizada curtida de véspera em álcool de fazenda (quase cachaça), e pronto! No dizer de Jerônimo, o mano Zé estava curado. Mas, há que se perguntar, curado de quê? Sabe-se lá! O Zé estava apenas magro, mas de nada se queixava. E como não era de contrariar o mano Jerônimo, deixou-se medicar.

Vai daí que, desde então, siô, a vida do Zé virou uma merda! Zé emagrecia ainda mais, apareceu com olheiras quase pretas, de tão roxas, e o corpo manchado de muitas pintas grandes. Fosse só isso, estava tudo quase bem: Zé Estevo se apanhou de uma caganeira que nada segurava. Por isso, então, e de imaginar o quanto sofria o anel terminal do tubo digestivo do pobre do Zé, o povo logo inventou de apelidar qualquer situação de aperto com a famosa frase: “No cu do Zé Estevo”.

Dei-me por feliz  não pelo suplício do esfíncter do diabo do Zé, mas pela explicação que me ofereceu o Valdemar. Pena que, ocupadíssimo com a missão de saborear aperitivos sofisticados, meu velho amigo Marcelinho Pão-e-Vinho, delegado de uma pequenina e pacata cidade do interior de Goiás, não tenha ouvido a história. Haverá ele, então, de saber dos fatos por estas linhas, que ele há de ler quando o correio entregar-lhe a cópia, já que Pão-e-Vinho, o delegado filósofo, não é de navegar nas ondas internáuticas.

Aproveitei um intervalo entre os estalares de língua do policial impoluto e lasquei a pergunta infalível: o que faria ele se em sua jurisdição acontecesse um prosaico mensalão ou um poético tráfico de recursos financeiros embalados em cuecas de assessores ou em malas de bispos?. Marcelinho, meditabundo, não divagou nem titubeou, respondendo-me com um misterioso bordão encontrado em crônica de Mestre Rubem Fonseca dos tempos em que, calculo eu, os irmãos Estevão protagonizavam curas em Jataí e a República estremecia sob os costumes:

 Ai de ti, Brasília!

 

 

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. 

E-mail: poetaluizdeaquino@gmail.com 

6 comentários:

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Boa noite ao escritor Luiz de Aquino, sempre leio seus artigos, e sempre respondo, contudo acho que o senhor não tem recebido.
Que bom então estarmos num mesmo espaço, onde poderemos ser seguidores de sua boa escrita, e assim poder divulgar ainda mais.
Ficarei feliz se o escritor Aquino, visitar meu primeiro espaço, e ser um seguidor do mesmo, pois acredito que a união faz um todo.
Com admiração,
Efigênia Coutinho
Presidente Fundadora
Academia Virtual sala de Poetas e Escritores.
AVPE www.avspe.eti.br/
http://poesiasefigeniacoutinho.blogspot.com/

Anônimo disse...

O danado é que esse legislativo só legisla em causa própria... Eleitores que se f....

Triste esse pais, muito triste!

Anônimo disse...

Amei a do zé estevão, hehe

muito show !!

Anônimo disse...

Poeta de Aquino, eu que sou um goiano "dativo", e fiz até trova na madrugada em plena Anhaguera, não conhecia não o Zé Estevão e muito menos o problema terminal que lhe deixou as garrafadas do mano.
Será que não sobrou "um tiquim di nada" para enviar lá pra cima, é fornecer a outros "Zés" que preferem mais é cutucar o terminal do povo?
Fica o meu abraço e a sempre admiração

Luiz Delfino

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Bom dia estimado poeta, aqui estou novamente, pois ler você, e começar o dia poeticamente em sintonia. Quero fazer-lhe um convite para visitar o meu segundo espaço aqui, e deixo o Link.
Com admiração,
Efigênia Coutinho
http://efigeniacoutinhoamigospoetas.blogspot.com/

Anônimo disse...

O domingo fica muito melhor lendo suas crônicas! beijos