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segunda-feira, maio 11, 2009

Uma crônica de Leda(ê) Selma

Lêda Selma

Ave, Marias!

 

09/05/2009

 

 

Parênteses: com esta crônica reverenciei, ano passado, todas as mães e, em especial, a minha. Há três dias, um leitor brasileiro, residente em Rovigo, Itália, enviou-me um e-mail com o pedido: “Por favor, Lêda, republique aquela crônica em homenagem às mães, porque quero presentear as que me ‘adotaram’ aqui com o seu texto no qual está inserido um poema que muito me emocionou. Por uma pane no computador, lamentavelmente, perdi tudo. Atenda-me. Obrigado”. Então, à crônica, Samuel:

 

Nome-símbolo, Maria. Assim como o segundo domingo de maio. Clichês que criaram raízes e se consolidaram na tradição. Para alguns, puro apelo comercial, esperteza de empresário; para tantos, não mais que simples simbologia; para outros, simbologia que pode se converter em reflexão, em descobertas e redescobertas, em encontros e reencontros, em manifestações de carinho. Sim, e por que não?

 

Clichês, apelo comercial... certo, mas e daí? Mãe é mãe, não importa se domingo, segunda... de janeiro a dezembro, oitenta e seis mil e quatrocentos segundos por dia. Portanto, para ela, tudo é válido. Até um presente em forma de carinho ou um carinho com cara de presente. Lembrança e presente são fundamentais. Se revestidos de carinho, claro!

 

Também, hoje, escolho Maria, nome-símbolo para mãe. E para todas as marias, santas ou não. Maria parideira, Maria das dores, Maria descalça, Maria da vida, Maria das ruas, Maria do mundo, Maria da noite, Maria dos tanques e dos fogões, Maria da mendicância, Maria da fila do SUS, Maria das cadeias, Maria das enfermarias. Maria sem rumo, sedenta, repleta de fomes. Maria de filhos sem sonhos, feitos em série, de pais sem nomes. Maria cheia de raça, mas nem sempre cheia de graça. Maria da maternidade violentada pela perda de um filho e, irreversivelmente, sentenciada à dor eterna. Maria das noites insones, dos pedregulhos na alma e de tantas vias-crúcis. Maria de sonhos espoliados, mas de fé inabalável. Maria das lutas, dos lutos, dos tombos, das buscas intermináveis. Maria rainha, sem coroa e cetro, Maria menina, Maria marias...

 

A você, mãe, que teve o infortúnio de ver um filho preso; a você que gerou um filho deficiente ou fruto do estrupro; a você que acolheu com amor o filho alcoólico ou drogado; a você esquecida pelo filho distante ou magoada pela ausência do filho tão próximo (quem disse que “Ser mãe é padecer no paraíso?); a você que escolheu ser mãe do filho abandonado, da cria alheia, curvo-me: é em seu peito que reside a dimensão maior da maternidade.

 

A você, mãe, mais uma Maria estigmatizada pelo destino ou pela vida; a você que divide com seu filho esperanças débeis e sonhos murchos; a você que faz da coragem trincheira na luta contra a violência e a impunidade, minha homenagem.

 

A você que foi escolhida para colocar a dignidade, o amor e o desvelo acima de qualquer fraqueza, de qualquer medo, de qualquer recuo, eu me penitencio. E o faço com a humildade da mãe que não conseguiu superar suas fragilidades e, por isso mesmo, ainda se encasula na própria dor, como se a sua fosse a maior de todas.

 

Maria, marias, autênticas mulheres, genuínas mães, legítimas santas. Heroínas sem medalhas. Invólucros da própria vida. A elas empresto, neste dia, um poema dedicado à minha mãe, uma jovem de oitenta e oito anos bem-vividos e bem-sofridos, mulher aguerrida, devota de Nossa Senhora de Fátima, frequentadora assídua da Capela Santa Mônica, paróquia Nossa Senhora de Fátima, mãe dedicada, baiana corajosa e arretada. Sua bênção, minha mãe!

 

Mães são manhãs

a colher lembranças

pousadas nas frestas

de tantos silêncios.

São fios de noites

a cerzir saudades

nos beirais do vento.


No rosto, travessuras do tempo

que esconderam dores

e acolheram folias.

E na fundura do peito,

apesar do cansaço,

inda pulsa e reluz,

feito sonho indomado,

um enorme sol

de infinitas pétalas.

 

 

 

 

 

Lêda Selma é escritora e membro da Academia Goiana de Letras. 

Um comentário:

Marluci Costa disse...

Parabéns, Lêda Selma, pela maravilhosa crônica.
Seu texto alcança de uma forma tão infinita , todas as mães provedoras de vida, não importando em qual circustância vivam, que muito nos sensibiliza.
E em seu poema sentimos a sua essência materna transbordando e se transformando em uma bela homenagem a sua mãe.

Obrigada, Luiz, por nos trazer autores tão singulares ao seu espaço.