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quarta-feira, julho 29, 2009

Regina Viana

Regina Viana, a Deus...


Luiz de Aquino


Naquele tempo de eu-menino, uma pessoa já era quase velha na casa dos trinta anos. Talvez tenha vindo de Balzac a primeira defesa da mulher madura, por exemplo. Nos meus quarenta e sete anos, Bernardo Elis chamou-me de jovem e, ato contínuo, questionou-me se eu era ainda um jovem. Foi a primeira vez que me dei conta de que o envelhecimento estava adiado.

Manhã de quinta-feira, 23 de julho, Sandra me telefona e, entre soluços, tenta contar que Regina se foi. Sim, esclareceu ela, Regina Viana. Entendi que a amiga chegou ao ápice da dor, justo ela que vencera tantos outros momentos. Nenhum novo fato se deu para precipitar o desfecho, apenas o somatório das angústias superara o nível de tolerância.

Conheci-a durante a campanha política de 1982. Era a primeira campanha com sabor (ou consciência) de liberdade desde aquele fatídico primeiro de abril de 1964. Não nos bastava derrotar o regime do arbítrio, mas demonstrar a intensidade da insatisfação popular, e isso se deu. Deu-se também aqui em Goiás.

Desde então, firmou-se entre nós uma bela amizade. E amizade nunca vem só, por isso tornamo-nos um grupo amplo e feliz, com os percalços naturais nas relações entre as pessoas. E Regina era um pólo, ou o centro da circunferência.

Algumas vezes, descobríamos amigos comuns, como Cláudio André, o poeta pintor. Em Pirenópolis, que Regina e a mana Stela escolheram, achamos mais pontos de ligação de nossos passados em comum. Stela radicou-se lá, Regina também construiu sua casa... Por tempos, editou o jornal O Pireneus, onde publiquei boa parte das minhas crônicas (por estes dias, cuido de selecionar textos sobre Pirenópolis, com vistas a um novo livro). Foi também em O Pireneus que Lucas, meu filho, ao lado de sua amiga Clara Luna (ele, então, ainda infante, e ela no começo da adolescência) exercitaram-se como jornalistas mirins, entrevistando José Mendonça Teles.

Pedro

Lucas, aos seis anos, encontrou em Pedro, então com doze, o primeiro “amigo grande”. Pedro, filho de Regina, mudou-se para o plano superior aos quinze anos. Desde então, a mãe se vestiu da tristeza da ausência, traje de alma de que mãe alguma se desfaz. As dores de mãe foram mais fortes que o advento do avonato: uma semana antes nasceu Lavínia, filha de Carol. As fotos estão no Orkut, em sua página que se mantém aberta e ativa, como Regina Viana. Ou seja, nem mesmo essa passagem precocemente forçada a afasta de nós.

Regina, Lavínia e Carol

Regina, você não esperou... Festejou a chegada de Lavínia, sim, fez belas fotos (copiei aquela das quatro gerações, entre outras) e partiu. Nem me permitiu levar o Gabriel para conhecer a futura namorada. Também não gostei da última visita, essa que lhe fiz naquele final de tarde, na capelinha onde você parecia dormir em paz (finalmente em paz), enquanto a dor se expandia em nós.

E você, recém chegada à casa dos cinquent’anos, tão jovem...

Enfim, Regina, ficamos todos com caras de patetas inúteis. Em mim ficaram muitas perguntas, muitas intenções de conversas inacabáveis, aquelas que desenvolvíamos em torno de bons goles de cerveja e boa verve. Espere por nós, então. Pouco a pouco, vamos nos reunindo outra vez, do lado daí.




Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, julho 26, 2009

Da escritora VÂNIA MOREIRA DINIZ

Escritor, Esse é o seu dia- 25 de julho




Vânia Moreira Diniz


Amanheci com uma sensação de carinho, lembrando-me dos dias remotos em que sentada à mesa de meu avô admirava sua atividade desejando seguir seus passos de escritor, obcecada pela ternura como pegava uma caneta esparzindo imaginação liderada pela alma, e derramando-a em verdades ou conclusões.

Nenhum dia melhor para estar aqui escrevendo para o nosso Portal do que aquele que se comemora o Dia do Escritor, onde muitos deles aqui estão ao nosso lado, colaborando e trazendo apoio e carinho.

A minha homenagem é de amor por essa data em que nos sentimos prestigiados com o coração realmente emocionado, e acreditando nos sonhos que pairam em nossas almas, com essa busca de realização pelo menos parcialmente concretizada mesmo que não seja para o mundo inteiro, mas para nós mesmos.

O escritor é capaz de conscientemente sentir que está usando sua arte principalmente quando transmite à humanidade as palavras como um estandarte de luta, seja qual for a reação dos que nos lêem. E a usamos para liderar os movimentos os mais justos e deixar pelo menos uma semente vigorosa, que florescerá exuberante.

De rir ou chorar, ter esperanças ou descrever seu desespero, caminhar por estradas diversas sempre confiando no dom de sua palavra profícua mesmo que ignorada em certos momentos.

Estamos em guerra, guerra não é apenas destrição oficial de cidades, que machucam covardemente pessoas humanas, dilaceram criancinhas proporcionando a amargura e a dor em cada rosto descrente da vida.

Guerra também é isso que está acontecendo na humanidade, no Brasil, a indiferença marcando as atitudes de pessoas humanas assistindo em expectativa silenciosa, a destruição, a barbárie, pessoas lutando contra indefesos, matando pelas costas, incendiando ônibus, optando pela destruição, pelo pânico esquecendo que ali estão seus pares humanos e cruelmente continuando o extermínio e a maldade indefinidamente fascinados pela própria crueldade.

E nós outros que olhamos sem ver, completamente anestesiados, num marasmo intensificado pela incompreensão do que se passa a nossa volta.

Aqui está nosso papel, os escritores emitindo o grito de revolta quando a destruição e a luta por uma pseudo-causa é o pretexto cruel que se impõe.

Estamos aqui, escritores levando a palavra, sentindo na alma os sentimentos que geram e transmitindo aos que o lêem sufocado pelas dores ou fascinado por acontecimentos que são caros e nobres, vibrando por vitórias honrosas ou revoltadas por fatos incoerentes e injustos.

Escrevemos e lemos talvez com a mesma fascinação completamente envolvidos e entorpecidos pelo amor às letras, desejando que nossa palavra chegue voando por espaços diversos com intensidade e amor, sentindo os eflúvios de nossas próprias sensações, amando a literatura com um fascínio quase inconsciente.

Desejo agradecer aos nossos colaboradores que prestigiam o Portal Vânia Diniz e o Espaço ecos e reiterar a admiração pelo seu trabalho laborioso, persistente e talentoso.

Desejamos também recordar o dia em que inauguramos o Portal com esperança, entusiasmo, alento e alegria infinda esperando levar a palavra até os confins do mundo e divulgar com ternura os escritores que amam a palavra escrita e torcem, vibram e continuam a cada dia o aperfeiçoamento de sua transmissão. Esperamos que nossos ideais expressos em palavras possam se concretizar mesmo que lentamente e ser estendidos pelas gerações que nos sucederão com o mesmo amor.

A aprendizagem é justamente isso: O acúmulo de conhecimento passado de geração para geração por intermédio desse instrumento tão eficiente que á a palavra escrita. Por isso enfatizo o valor e o reconhecimento que se deva dar ao escritor.

É essa nossa missão de escritores e a palavra será sempre o grande elo que unirá escritores a leitores, ambos pressurosos de lutar por uma humanidade mais humana e menos perversa em todos os sentidos.

Impõe-se uma conclusão: Não fosse o escritor e essa capacidade especial da palavra escrita que se eterniza, não fosse o primeiro escrito e o primeiro escritor a humanidade estaria muito atrás, sabe Deus onde.

Não fosse essa transmissão maravilhosa e a sedução que se estabelece não estaríamos aqui, lutando por uma globalização justa, com a tecnologia maravilhosa unindo em um minuto os mais distantes lugares e a informação necessária e deslumbrante capaz de ultrapassar os mais difíceis obstáculos.

Conseguimos unir os povos na palavra, falta-nos apenas convencê-los que o amor universal é o sentimento mais profícuo que possa existir onde sempre estará marcada a paz e a compreensão. A palavra escrita que nós veneramos é a responsável pela evolução do mundo e por isso a comemoramos hoje.

Obrigada pelo carinho e parabéns por esse dia especial, o seu, o nosso dia que comemoramos com a alma suspensa e a palavra pululando de ansiedade e certezas.

PS - Por favor levem a outras pessoas, outras cidades, outros países a nossa luta para um mundo mais harmonioso e menos cruel.



Vânia Moreira Diniz


Vânia e Luiz de Aquino (Sarau em Goiânia, 2008)


www.vaniadiniz.pro.br
www.vaniamoreiradiniz.blogspot.com
http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_america.asp?ID=3889

sábado, julho 25, 2009

Frase de camiseta

Frase de camiseta


Luiz de Aquino


Com esse título, o poeta Marcelo Ferrari cumprimentou-me na manhã. Marcelo é presença diária entre meus e-mails, em mensagens curtas e densas, com a profundidade que o bom poeta sabe medir. Vejam-no: http://ferrarinanet.blogspot.com.

Pois bem! Desta vez, ele resume tudo dessa forma:


“Eu não tinha este rosto de hoje, / assim calmo, assim triste, assim magro, / nem estes olhos tão vazios, / nem o lábio amargo / Eu não dei por esta mudança, / tão simples, tão certa, tão fácil: / — Em que espelho ficou perdida a minha face?” Quando leio estes versos da Cecília, vejo alguém derramar em poesia a dor de se ver envelhecendo. E foi num espelho que vi o rosto de Cecília pela primeira vez. Os olhos vazios estavam estampados numa camiseta, ao lado de muitas outras, numa vitrine. Despencando sobre o ombro da sofredora, feito mão amiga, estava a camiseta de Caetano, que dizia: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Comprei e vesti. Desde então fiz da frase um lema. Leme. Uso a camiseta toda vez que estou com pena de mim mesmo. Vesti-la é como pelar a dor. Faz lembrar que é minha delícia. Que só eu tenho o privilégio de vesti-la”.


O parágrafo acima, todo ele, é a mensagem de Marcelo Ferrari.

Lembrei-me: lá pelos idos de 1968, uns raros estudantes brasileiros, retornados de intercâmbio cultural, usavam camisetas com as letras UCLA, de Universidade da Califórnia. Torcíamos narizes: eram alienados, baba-ovos dos imperialistas do Norte, os que bancavam as ditaduras militares da América Latina. Nossas camisetas ostentavam frases em português do Brasil. Mas volto ao texto de Ferrari e recordo o que li, ouvi, aprendi e curti. Noel Rosa escreveu “Pra que mentir?” em 1937 (o ano de sua morte), em parceria com Vadico.


Pra que mentir se tu ainda não tens
/ Esse dom de saber iludir?
/ Pra quê?! / Pra que mentir
 / Se não há necessidade de me trair? / 
Pra que mentir, se tu ainda não tens
 / A malícia de toda mulher?
 / Pra que mentir 
se eu sei que gostas de outro 
/ Que te diz que não te quer? / 
Pra que mentir
 / Tanto assim 
/ Se tu sabes que eu já sei / 
Que tu não gostas de mim?!
 / Se tu sabes que eu te quero / 
Apesar de ser traído
 / Pelo teu ódio sincero / 
Ou por teu amor fingido?!”.

Em 1982, Caetano respondeu-lhe com “Dom de Iludir”:


Não me venha falar
/ Na malícia de toda mulher / Cada um sabe a dor
/ E a delícia
/ De ser o que é... 

/ Não me olhe
/ Como se a polícia
/ Andasse atrás de mim 
/ Cale a boca
/ E não cale na boca
/Notícia ruim... 

/ Você sabe explicar 
/ Você sabe
/ Entender tudo bem /
Você está 
/ Você é 
/ Você faz / 
Você quer /
Você tem... 

/ Você diz a verdade
/A verdade é o seu dom
/ De iludir 
/ Como pode querer
/ Que a mulher
/ Vá viver sem mentir”.


Em suma: temos à nossa disposição centenas de milhares de belos versos para enfeitar camisetas, mas o que se vê nas lojas são expressões na língua dos imperialistas. Se eu fosse usar alguma camiseta com inscrição no idioma deles, a frase só poderia ser uma, trazida dos meus verdes anos: “Yankees, go home”.



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço.

terça-feira, julho 21, 2009

Uma canção Belkiss

Uma canção Belkiss


Luiz de Aquino


Três jovens jornalistas, recém saídas das salas de aula e cheias de imaginação, criatividade e vontade de render. Três mulheres decididas, dispostas a viver e deixar marcas – assim são Dalcione Gomes, Fernanda Ramos e Paula Sampaio. No decorrer de 2008, elegeram o tema de seu trabalho de conclusão de curso, o famoso TCC que fecha a grade curricular da formação acadêmica, ou seja, o projeto que se tem como o décimo quarto verso do soneto... Seu título: “Eu Kiss para sempre uma canção”.

Fernanda, Dalcione e Paula


Foi Dalcione quem me provocou. Contou que a musicista, pesquisadora, professora, escritora e multiacadêmica Belkiss Spenziere Carneiro de Mendonça seria o tema de sua monografia. Empolguei-me! Há décadas confessei, de público, o meu amor por Belkiss, e tratei logo de publicar em vários textos essa confissão. A cada nova notícia que eu punha no jornal, meu telefone tocava e, do outro lado, a voz jovial e firme da mais importante mulher goiana em todos os tempos me repreendia docemente:

- Seu exagerado... Muito obrigada, eu não mereço.

Não? Quem merece, então? Belkiss é um símbolo quase perfeito, exemplo de mulher a ser seguido por todas, principalmente as que ainda pensam que feminismo é queimar sutiã. Para ela, a ocupação do espaço e a assunção aos direitos implicava tão-somente o aprendizado, a criatividade e o trabalho, no que sempre foi ímpar, quase única.

É sabido que a avaliação de um TCC não se dá apenas na apreciação dos textos, na forma impressa adequada às normas da ABNT, às exigências de professores. A escolha do tema e a ótica com que se conduz a pesquisa, a linguagem (criativa às vezes, às vezes inovadora), a seleção de fontes de pesquisa e informação, de entrevistados, a edição de texto e imagens, tudo isso é o conjunto de critérios escolhido pelos autores, de modo a contemplar algo de novo ante os olhos dos mestres que, por sua vez, orientam e cobram para, ao final, consagrar a vitória dos novos profissionais.

Foi assim, imagino eu, que Dal, Paulinha e Fernanda atuaram. E listaram-me entre os entrevistados, com base em crônicas por mim publicadas sobre a Diva da música e das artes em nossa terra, aquela que transpôs fronteiras desde a verde adolescência, com realce justo durante seus estudos no Conservatório Nacional de Música, no Rio de Janeiro.

Nas três jornalistas egressas da Faculdade Araguaia, achei mais um detalhe que merece ser citado: o cuidado em retribuir gentilmente, com gestos de fina educação, aos que contribuíram com sua missão. Dalcione e Paula vieram à minha casa entregar-me cópia do DVD, tal como o conceberam para mostrar à banca de professores que lhes deram o grau acadêmico. O gesto é nobre, diferente do costumeiro entre estudantes de má índole (desses que, se os conhecemos estudantes, tememos quando os vimos profissionais). Essas moças têm educação formal e social, sem perder a jovialidade. São profissionais que, certamente, sempre terão boa recomendação, mas independem de terceiros porque talento e dedicação lhes dão a base justa.

Confetes? Flores? Jogo, sim. Elas merecem. Lamento que um trabalho como esse acabe condenado às gavetas e estantes, numa época desta sociedade em que só escândalos, violência e falta e caráter ocupam a mídia. Se formarmos 20% de jornalistas com a visão dessas jovens, certamente os jornais, tevês e rádios terão outras faces e o nosso tempo será ocupado com coisas de valor maior do que os trambiques de congressistas, executivos, maus empresários etc.

Já contei aqui de leitores que tentam me censurar por censurar autores de tramoias contra o erário e o povo pagador de impostos. Há também os que não gostam quando cito maus profissionais, pessoas que se empenham em ludibriar a clientela. Continuarei fazendo tudo isso, mas reservo-me para a água-benta também. Hoje, esparjo-a nesse trio de novas colegas no ofício da notícia, pois que elas sabem fazê-lo com arte e dignidade.

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, julho 17, 2009

Armazém de valores


Armazém de valores


Luiz de Aquino


Um saco de cimento de vinte reais tem melhor tratamento, em qualquer lugar, do que um ser humano, ainda que numa UTI de hospital – diz-me Ulisses Aesse.


Romário, que fez fama com os pés e suas tiradas interessantes nas entrevistas pelos gramados de todo o mundo, vai para a cadeia porque atrasou a pensão dos filhos adolescentes.


Didi, pai de Welliton Carlos e Ulisses Aesse, morreu. Morrer é natural, triste é morrer antes dos setenta anos, com todos os cuidados possíveis nestes tempos.

Antigamente, e falo de um “antigamente” bastante recente, antes que os satélites artificiais e a Internet “aldeiassem” o mundo (ou globalizassem a aldeia), como preconizava Marshall McLuhan... Antigamente, a gente morria sem saber do resto do mundo. Hoje, sabemos de quase tudo, até mesmo do que pouco interessa. Lamentável é que umas poucas pessoas escolhem o que devemos saber e como a informação deve chegar até nós. Muito parecido com o critério de escolha dos líderes pelos partidos políticos: ano que vem, teremos de escolher entre Dilma e Serra. Triste isso, também.


Uma carreta transporta vinte e dois bois, não mais. Os animais não podem estressar. Mas um ônibus transporta centenas de seres humanos em condições condenáveis. Um saco de cimento, Ulisses e Welliton, é transportado com os cuidados para não rasgar e armazenado fora de umidade, a gente sabe. O ser humano que se dane (sei disso, já estive internado numa UTI).

Por uns poucos meses de não pagamento aos dois adolescentes, Romário acumulou perto de noventa mil reais de dívidas. Muitos milhões de famílias brasileiras resolveriam todos os seus problemas da existência inteira com noventa mil reais. Mas a viúva de marido vivo Mônica Santoro, representando os filhos, apelou pela prisão para obter pagamento.

As notícias dizem que ele está descapitalizado. Mas possui bens. Esses bens irão, certamente, formar o patrimônio de Moniquinha e Romarinho, bem como de qualquer outro filho do desportista. Ele já deu demonstrações públicas de ser bom pai, ninguém acredita que, ao atrasar o pagamento, tenha agido com o propósito de prejudicar os filhos.


Mas a viúva Santoro precisa de holofotes, certamente. Bem como advogados e autoridades constituídas. Romário não abaixou a cabeça, nem a cobriu com a camiseta, como fazem bandidos, policiais criminosos ou políticos corruptos. A carência, no caso, não será dos filhos a quem Romário deve parcelas atrasadas (estes, com a pensão que têm, certamente dispõem de boas poupanças ou mesmo de bens patrimoniais). A viúva, sim, deve estar carente de luzes sobre si.

E meus amigos Ulisses e Welliton, jornalistas e artistas de música e poesia, amargam a ausência do pai, prematuramente (já que, nestes tempos, temos medicina que assegura vida longeva). Tudo porque o Sr. Didi não era um saco de cimento. Ou um garrote no caminhão.

Fico triste. Os valores da vida e das relações precisam ser revistos e redisciplinados. Talvez não seja o caso de novas leis, mas de caráter, de ética e respeito.

Será que Moniquinha e Romarinho têm pelo pai um sentimento de rancor tão grave, a ponto de apoiarem sua prisão?

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

quarta-feira, julho 15, 2009

Falar do Beijo Sonhado



Falar do Beijo Sonhado

Luiz de Aquino

“Falava de sonhar com um beijo, / um beijo para se sonhar levitando / e saber-me num campo, / sobre o campo verde, / pairando sobre o verdor da relva e de árvores / onde me sentir protegido / porque ao natural saberei sempre amar mais, / amar demais / e demais me entorpecer dos teus lábios” / (...).

Era eu a poetizar um sonho, não me lembro se onírico ou da materialização de alguma Musa. Escrevia ao teclado, no exercício da mais nova ferramenta de escrita e comunicação que jamais sonhava estar sob meus dedos. Uma amiga, leitora especial, afeita a versos e sentimentos, interrompe-me ao perguntar o que fazia. Lacônico respondi “um poema”. Debalde, não obtive a licença para concluir o texto, mas um pedido: “Posso acompanhar? Passe-me cada verso... Ou cada estrofe”. Optei pelas estrofes.

“Um beijo para estrear-me aos teus olhos, / ao teu calor, / ébrio da tua pele / e sujeito a me queimar ante teu olhar. / Beijo de expectativa plena, / beijo de excitar sempre, /provocar o não-medo do cotidiano, das convenções. / Despertar a inconseqüência, / o non-sense, a coragem maior
de te absorver de todo, / te desejar para a eternidade do instante, / para a ternura do sempre.”

Iara retornava sem comentário crítico. Preferia duas ou uma palavra com interjeição. E assim, passei-lhe, uma a uma, e sem revisão, cada estrofe concluída.

Ilustração oferecida gentil e carinhosamente 

por Leida Gomes França


“Pouco importa se estamos de peles nuas, / pouco importa se meus pés buscam os teus, / que beijarei como se lábios fossem. /... / Pouco importa se nossos sexos se atraem / e se buscam e se completam. / Pouco importa os orgasmos simultâneos, / os que em ti me antecedem.
Pouco importa / se o desejo satisfeito exige amanhãs. / Importa, sim, que te beijo de lábios, / te tenho em contato, / te sorvo em salivas e licores
os mais íntimos, agridoces e inesquecíveis. / (...) / Importa sim que te beijo. / Eros eu era, como quero ser. / E me és Afrodite. / Os veios / do amor assim liberto / alimentam desejos e anseios / para todos os dias advindos. // Importa, sim, que,
al primo incontro, / havemos de nos beijar”.

Esse poema publiquei-o no livro “Sarau”, em 2003. Aqui, substituí alguns trechos por reticências entre parênteses. O importante, hoje, não é o poema em si, mas o fato de construí-lo, ainda que interrompido por uma amiga muito querida que jamais conheci pessoalmente. Discorríamos sobre coisas de Goiás (ela era vila-boense, de família tradicional). As chances que nos demos para o encontro sempre fracassado ainda estão na minha memória, e a esperança me diz que a encontrarei, sim, do lado de lá, e sem dúvida declamaremos em dueto o poema que, ao dar por findo, foi selado com uma expressiva frase de duas palavras (dela): “É meu!”.

Concordei... Meus eram o sonho e o poema em letras, palavras e estrofes. Dela, o momento. E fundimos nossas posses, porque o sonho sugeriu o texto, o momento o possibilitou.

É nosso, sim, Iara! Sonhemos mais.

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor.






sábado, julho 11, 2009

A professora e o erótico

A professora e o erótico

Luiz de Aquino

 

Quem não se lembra? Guimarães Rosa, o neologista João, publicou um livro chamado Primeiras estórias; foi o bastante para acender o estopim da vaidade modista e (ou) futurista de uns tantos escribas nacionais desavisados. Houve até quem dicionarizasse o termo – no que o lexicógrafo estava certo; o problema aí é que os aurélios e assemelhados registram, e os falsos intelectuais saem propalando como se o verbete fosse de uso corriqueiro do populacho nacional.

Histórias de cronópios e de famas, de Júlio Cortázar, é um livro peculiar – até porque cronópio nada tem a ver com o modus vivendi brasileiro, mas sim com o folclore argentino. Seria alguém traduzir Monteiro Lobato para o castelhano e o mundo hispânico entender que, “doravante, isso é coisa da nossa cultura”. Já vi muita gente boa falar, escrever e até pôr em títulos a palavra “estória”, buscando uma justificativa na lexicográfica do Inglês, que tem story e history.

Muito bem: “estórias” à parte, vamos à minha história de hoje. Já que falei nos cronópios de Cortázar, isso me ocorre que minha amiga Fátima Cerqueira, poeta e professora, comprou num sebo um exemplar desse tal livro do grande contista – versão Argentina do nosso José J. Veiga. Nas primeiras páginas, uma dedicatória datada de 8/5/83: Um homem assina “Do teu Irany”, para alguém muito especial: ele conta que desde 1970 procurava esse livro para presentear a Sônia e dizia estar duplamente feliz, pois que finalmente o encontrara e justo no Dia das Mães.

Linguagem simples de alguém que tem a Sônia como altamente especial. Mas Sônia, a ingrata, talvez não tenha sequer lido o livro, pois que foi parar no sebo. Claro que esse é um julgamento precipitado: ela pode ter perdido o livro; alguém o tomou por empréstimo e lhe deu esse destino. Ou Sônia é dessas pessoas magnânimas que, após lê-lo, pôs o livro na roda, ou seja, no sebo. Isso, porém é de somenos importância. Isto aqui não é nada além de uma historinha de gente que gosta de textos – e gostar de textos vai além de apenas gostar de livros.

Leda Selma – sem circunflexo porque não devo obediência a escrivães sem preparo – andou mostrando livros meus a professoras suas amigas. Uma dessas professoras censurou “Sarau”, um livro de poemas. Não me surpreende porque uma comissão de três acadêmicos mestres e doutores, na Bolsa Cora Coralina, também o refugou. A comissão achou o livro “desprovido de unicidade” e não sei o que isso quer dizer no jargão dos peagadeuses; a professora de segundo grau (Ensino Médio) entendeu que o livro “é pesado”, porque há poemas com forte apelo erótico.

O julgamento da comissão eu não discuto: os regulamentos de concursos costumam dizer que a comissão é soberana e quem entra em concurso sabe disso. Se vencemos, sentimo-nos belos, ricos felizes e cheios de razão; se perdemos, xingamos a comissão. Mas comissão julgadora está lá é para julgar e quem concorre tem de calar a boca. Eu me calo.

Já a professorinha não-doutora, coitada! Preciso conhecê-la. Numa conversa – que tanto pode ser numa alegre e descompromissada mesa de cafeteira ou nos bancos mais próximos a uma sacristia, eu lhe falaria de revistas abertas em bancas de revistas, em adolescentes namorados a passeio nos xópins ou em tevê – deixando de lado o cinema, que é... digamos: mais privativo. A tevê, puxa vida, desde a novela “Malhação” até as minisséries, vêm carregadas de um apelo além do erótico: beira a pornografia – coisa que, certamente, meu livro não tem.

E olhem que não citei as coberturas jornalísticas dos desfiles de carnaval, nem o especialíssimo biguibróder – este, além das cenas de total liberdade que dispensam comentários, têm ainda o poder de tornar famosas pessoas dotadas da antítese de todo e qualquer talento. Ou seja, tudo o que educador nenhum quer para seus alunos e filhos. Mas a professorinha vê impropriedades no meu livro, e não no quotidiano que a atinge, a seus filhos e a seus alunos.

 

 

 

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras e escreve aos domingos neste espaço. 

 

 

quarta-feira, julho 08, 2009

Mão na cabeça

Mão na cabeça


Luiz de Aquino



O neto em flagrante. A filha que repete os passos do papai, mas que traz na biografia a efetivação em cargo de alta graça pecuniária, sem concurso (ou seja, por “ato secreto”), a Internet recheada de informações facilmente comprováveis, como a nomenclatura de vias , palácios, hospitais, escolas e um sem-número de bens com o mesmo sobrenome inconfundível, exclusivo...

Sarnei, presidente da Arena, com Médice

O presidente passou a “mão na cabeça” do ex-presidente e novamente presidente. Sim, os muito jovens talvez não saibam, mas ele já foi deputado estadual e federal, foi senador e governador, foi presidente da República e esta é a terceira vez que preside o Senado.

Mão na cabeça é palavra-de-ordem que os bandidos ouvem da polícia.Ou dizem às suas vítimas. Mas é também a referência de nossos pais e vovós sobre perdoar uma traquinagem de menino malino. Aliás, acho uma sacanagem dizer “menino malino”. Malino, corruptela de maligno, é malvado, não é? Mas a gente diz, ou

dizia, malino para um menino travesso, levado, ladino, esperto, sagaz... Só que Lula, o presidente de tantas vitórias, capaz de angariar a confiança do povão mais humilde e a admiração de rainhas, reis e presidentes e primeiros-ministros das maiores potências mundiais, desta vez errou. Errou de novo. Não tinha nada que

passar a mão na cabeça do imperador do Maranhão, do Amapá e de outros feudos por aí afora, onde mantém prepostos.


Por essas e outras defendo a graduação de jornalistas. Graduação específica, é claro.

Dirão que sou incoerente, logo eu, que me formei noutra área, que fugi do curso de jornalismo. Fugi naquela época e fugiria de novo. Quando me matriculei na UFG, já exercia o jornalismo; queria aprender mais. Chegando lá, encontrei sociologia sob vários títulos, quero dizer, várias máscaras. E eu vinha do curso de Geografia. Deparei-me com “professores” de jornalismo que traziam, alguns, diplomas específicos, obtidos no Rio de Janeiro etc., mas que jamais trabalharam em veículos de notícias. E não tinham formação de professores. Logo, eram profissionais sem experiência e instrutores sem preparo. Fugi, sim. A Universidade devia exigir conhecimento didático, além de conteúdo. E permitir que os professores de jornalismo exerçam a profissão de jornalista, como acontece com os professores de medicina, de direito, de engenharia e de todas as demais áreas.


Liberar a exigência do diploma pode parecer dispensar o mesmo. Ledo engano. Um advogado em jornal poderá até ser um repórter razoável, mas se escrever em juridiquês parecerá ridículo até mesmo para seus pares. O mesmo se dará com os formados em outras áreas. Jornalismo tem sua gíria, seus jargões, seu “modus operandi”, e isso não se aprende plenamente na escola nem se adquire apenas por osmose – é preciso convívio, capacidade de aprender, vontade de assimilar. É preciso muita leitura, muita informação e a intransferível capacidade de processar as informações, transformando-as em notícias, tal como um professor (de verdade) processa o que sabe e, com a têmpera da didática, aplica isso na transmissão do conhecimento e na formação do indivíduo.


Ou isso, ou se busca o caminho do voto, das urnas e da “mão na cabeça”. No primeiro ou no segundo conceito.

Fui claro?



Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


sexta-feira, julho 03, 2009

Representantes de quem?

Representantes de quem?


Luiz de Aquino


Ouvia maravilhas sobre Fernando Henrique, o (s)ociólogo; queria votar nele, mas o homem era político paulista. Quando se candidatou à Presidência da República, fiquei feliz. Mudei meu voto quando FHC assinou com ACM. É que, naquele ato, ACM era coerente (cuidava de estar no poder), mas FH, não.


A eleição de Luiz Inácio foi um marco: sertanejo de origem, operário e pobre... Como esperávamos, ele pôs em prática ações sociais e preservou o que parece indispensável na economia. Mas manteve a sangria tributária, onerando sobremaneira a classe média, tributando salários. Os mais ricos do sistema, os banqueiros, continuam com os privilégios instituídos por FHC, o acemista.


Com excelente jogo de cintura (ou, como dizíamos antigamente, “savoir faire”), Lula driblou os escândalos e elevou-se na preferência popular. Mas, sem se preocupar com a própria biografia, opina sobre o escândalo do Senado em defesa do “companheiro” Sarney, que não consegue explicar seus feitos corporativos e familiares contra o contribuinte. Tudo porque Luiz Inácio não quer que Marconi Perillo, seu desafeto, assuma a presidência do Senado e o PT não quer perder o apoio do PMDB para continuar na cumeeira.


Enquanto isso, na torre ao lado, o Conselho de Ética da Câmara livra o deputado do castelo brega da cassação. Vão lhe dar uma pena leve, como não se candidatar a presidências de comissões. Não precisa: a comissão de seu gosto não é aquele grupo de deputados que analisa projetos, mas a parcela remuneratória ilícita que, no Congresso, é algo sem importância no quadro ético.

No Rio de Janeiro, quatro estudantes morrem e seis ficam feridos em acidente com um veículo escolar ilegal. As autoridades locais não contêm o tráfico de drogas, o contrabando de armas, remédios e cigarros, como também não dominam as milícias.

E a gente brasileira continua “falando de lado e olhando pro chão, viu?” (como cantou Chico Buarque há quarenta anos). Os povos de Portugal e das demais nações lusófonas ignoram solenemente o “acordo ortográfico”, mas o Brasil cuida de cumpri-lo, apesar da arrasadora maioria contrária.


Se analisarmos bem, somente um segmento foi beneficiado com isso: os fabricantes e comerciantes de livros. E a nação, sacrificada com dois quintos (dos infernos!) de impostos, continua gastando, porque as autoridades agem na defesa do “bem maior”(conceito de Roseana Sarney sobre seu pai presidente eterno). No caso, o “bem maior” é a continuidade do enriquecimento sem limite dos que já são ricos o bastante.

Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.