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domingo, dezembro 27, 2009

Trânsito: arbítrio e tolerância

Trânsito: arbítrio e tolerância



Luiz de Aquino


Enquanto escrevo, lanço votos de Feliz Natal a toda a Terra, porque faltam horas, no nosso fuso, para se alcançar a Data Máxima da Cristandade. Enquanto escrevo, lembro aos leitores que estas linhas serão lidas quando muitos dos trabalhadores do mundo estarão, então, a contar números e montar a estatística dos fatos trágicos.

Muitos são os que, enquanto o mundo parece parar, trabalham pela manutenção da paz, pela contenção da violência e das ocorrências do infausto. São trabalhadores da segurança, da medicina e de incontáveis setores de serviço. Os demais mortais, param para as celebrações religiosas do mundo cristão. Festejam e cometem excessos. Ruídos, comidas e bebidas marcam bem os desatinos. Ah, e a velocidade nas rodovias.

Quinta-feira, dia 24 deste dezembro, em plena BR-153, no perímetro de Goiânia, passou por mim um pequeno carro preto, novo, com faixa amarela e a inscrição de autoescola (que, hoje, se chamam “centro de formação de condutores”, capricho eufemístico desnecessário, penso). O carro tinha apenas um jovem ao volante, nenhum passageiro. E tinha pressa. E corria muito e “costurava” na pista, ou seja, mudava de uma faixa a outra celeremente, sem os cuidados que, por certo, se recomendam.

Posso estar enganado, mas entendi que aquele condutor seria um instrutor de autoescola. E imagino que, pelo fato de o então presidente da República que sancionou o atual Código de Trânsito Brasileiro ostentar título de professor, a palavra “escola” tenha sido poupada do despreparo intelectual dos instrutores.

Ocorre-me, também, que algum dispositivo legal já foi aprovado no sentido de fazer com que as escolas regulares insiram a disciplina Trânsito na grade curricular do Ensino Médio. Mas a regulamentação não se fez (ou não chegou a Goiás). Ouço dizerem que o “lóbi” das autoescolas é fortíssimo e busca impedir que tal aconteça, porque o setor já elege parlamentares nos três níveis para defender sua “reserva de mercado”.

Que tristeza! Enquanto esta crônica chega aos olhos dos leitores, as estatísticas de trânsito contam-nos que dezenas de famílias engrossam o rol das que passam a relembrar tristezas nos Natais futuros.Pergunto-me: que razão existe para que as autoridades investidas de poder rejeitem regulamentar coisas simples, como elevar a qualidade da formação de condutores, envolvendo as escolas regulares? E, na mesma filosofia, indago: qual razão existe para permitir que um carro de instrução, nas horas vagas, seja usado como veículo de passeio? Não devia.

Também acho que as pessoas investidas de autoridade no trânsito deviam receber formação substancial no tocante aos procedimentos de rotina. O cidadão contribuinte, o pagador de impostos, torna-se novamente vítima da sanha arrecadadora. Como provar que, no momento em que se lavrou a multa por estacionamento irregular, o veículo multado estava na garagem do proprietário? Ou que o condutor usava, sim, como manda a lei, o cinto de segurança?

Abusos andam acontecendo, sim. Os agentes são poucos, mas abusam do dever que pensam ser direito, o de multar a bel prazer. Recorrer a quem? Os funcionários encarregados de analisar as defesas agem em solidariedade aos colegas fiscais. E ao poder público falta divulgar os números dessa arrecadação extraorçamentária.

Não perco a esperança. Li que o Ministério Público cobra da Prefeitura de Goiânia ações com vistas a normalizar as calçadas, e esta é uma queixa minha que se arrasta há mais de dez anos nestas crônicas. Espero, pois, que os promotores e procuradores de Justiça cobrem do poder municipal também uma prática fiscalizadora criteriosa e eficaz no setor de trânsito urbano.



Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

4 comentários:

Maria Luiza de Carvalho disse...

Trabalhei alguns anos no Hospital de Reabilitação São Lucas, na Vila São José Bento Cottolengo, em Trindade.
Já na primeira entrevista a que fui submetida para a vaga no hospital, me deparei com muitos casos de lesão medular em função de acidentes de trânsito ocasionados pela violência e pela falta de consciência a que você se refere na sua crônica de hoje.
Realizamos, naquela instituição, vários projetos inovadores no sentido de promover uma educação humanizadora para o trânsito. A "Caminhada e Cavalgada da Paz" nasceu com este propósito em Trindade. Íamos às portas das fábricas, às escolas de educação infantil e à universidade para falar de prevenção.
Precisamos, sim, romper o cerco e, cada um a seu modo, deve contribuir e pressionar para que as mudanças de fato aconteçam.
Esse tipo trabalho comunitário me fascina! Sou uma sonhadora no processo de construção da inclusão social, para o qual torna-se necessária uma reeducação emocional do controle dos impulsos dos cidadãos, o que deve ser somado a propostas pedagógicas voltadas para as escolas.
Tenho conhecimento de que os professores da UEG já realizaram projetos de alta qualidade para Goiás. Agora entendo o porquê de eles ainda estarem na gaveta.
Que a leitura de hoje nos desperte para novas ações de transformação.
Este tema, de fato, apresenta conceitos dialéticos e necessita ser uma das grandes preocupações da sociedade atual. Necessitamos de atitudes afirmativas pautadas por ações concretas e inovadoras.
Quebrar padrões é característica dos corajosos, daqueles que sempre têm algo a ensinar e, sem dúvida, muito para aprender.
Somos os mediadores deste processo de aprendizagem, que, com alguma ou muita ousadia e respeito precisa lapidar o que temos de mais precioso: O SER HUMANO.


Parabéns mais uma vez, caro amigo e poeta.
Afetivamente,

Malu

POETA ALMÁQUIO BASTOS disse...

Amigo poeta, como sempre você é pontual e não deixa escapar as chances de transformar em gritos as indignações. Essa luta é nossa, companheiro. Aproveito para felicitá-lo neste final de ano/década. Continue firme no ofício de proclamação da poesia. Abraços poéticos deste pequeno escrevinhador.

Jacqueline Santana disse...

Caro amigo poeta...
smepre atento e perspicaz ao tratar de asuntos que afetam tão violentamente a nossa sociedade e a nós no dia-a-dia e do vai e vem de nossas vidas! Tentamos sobreviver com essa realidade que so mudará quando todos nós, não só você com sua verve mais que poderosa e verdadeira, erquermos nossa voz.
Parabéns mais uma vez por dar forma aos nossos sentimento.

Bethânia Loureiro disse...

Indigno-me todos os dias ao ver cenas como essas descritas por vc no trânsito de nossa cidade e redondezas...
Estudo há alguns anos o sistema trânsito, e creio que trabalhar na area requer consciencia e uma responsabilidade muito maior que o "restos dos mortais", já que nos tornamos espelho e que não podemos "vestir a camisa" só em horário comercial...
É lamentável ver que pessoas que deveriam lutar 24 horas por um transitar mais harmonioso possam, entre um educando e outro, contibuir com o caos que vivemos...
Seu grito é oportuno e precisamos fazer com que ecoe mais alto.
Parabens! Conte comigo!