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segunda-feira, maio 31, 2010

Cinco poemas de Lêda Selma





     MÃE NÃO MORRE...




Mãe não morre, diviniza-se.
Transmuta-se em estrela,
e se faz sol na escuridão.
Mãe não morre, poetifica-se.
E, no vaivém das lembranças,
se torna saudade e silencia o vazio.
Mãe não morre, apenas,
repousa no sonho
e acorda beija-flor.




AS MÃES


Mães são manhãs
a colher lembranças
deixadas nas frestas
de tantos silêncios.
São fios de noites
a cerzir saudades
nos beirais do vento.





MÃE


Nas pegadas de sol 
 escondidas nas teias
onde doem silêncios,
fecundam lembranças
e sorriem sonhos
          de tantas marias:
Maria das graças,
Maria das dores,
marias tão santas,
marias sem mantos,
da vida, mundana,
do perdão, dos amores.

Mãe das saudades,
das sinas, caminhos,
onde brincam estrelas,
sossegam temores,
dormem silêncios,
          despertam manhãs.







POEMA  DO  AMOR   MAIOR


Lêda Selma

Teu peito tão cheio

de maternos recheios
acalenta teu filho
guloso de amor.
E ele se aninha
em teu colo de nácar,
te suga o carinho
e divide contigo
tão silente prazer.

Teu peito tão cheio
de sonhos e alentos
te faz tão gigante
na mística do encontro
em  que inteira te dás.

E mesmo se a pressa
do tempo arredio
rondar-te os passos,
cercar-te os olhos
e com tortos desenhos
  disformes, esgarços –
riscar rudes traços
em teu rosto de Vênus,
serás sempre a fada
dos condões de carinho.

E mesmo se as dores
murcharem teu peito
e nesgarem teu riso,
serás sempre a trilha
de  sonhos infantes,
o canto da estrela 
a encantar os caminhos.

        






DOURADAS  PÉTALAS


Lêda Selma

Altiva, a haste,
nem as dores vergaram.

Na face, silêncios,

outrora, balbúrdia;
nos olhos, saudades,
outrora, folia.
Na voz, fios de seda;
nos passos, sono de brisa;
no riso maduro,
lembranças traquinas.

Na devoção a Maria,
a fé timoneira.

Dos sonhos, sementes;
das lutas, vitórias;
da vida, floradas
de  amor e de dores.
E em teu rosto inda fulge
um sol encantado
de douradas pétalas.
          

 * * *




Eis que é esta a vez primeira em que lhe concedo o circunflexo, tal como lhe grafou o nome o escrivão de Urandi, Bahia. Lêda Selma,  poetisa e contista, contadadora de causos em linguagem de crônica e de conto, amiga querida, ativista cultural de estirpe e de garra. Mãe e filha, é também dona das dores em ambos os ofícios, com a indelével e incontrolável dor da perda. 
À Leda, o meu carinho.
L.deA.

sexta-feira, maio 28, 2010

Festa do Divino e mais...





Festa do Divino e mais...


Matriz de Pirenópolis, 
em tempo de Festas


Congadas, Folias, Pastorinhas, Cavalhadas, Novenas... É plural, sim a Festa e as Festas em torno do Divino Espírito Santo, em Pirenópolis, desde os tempos de Meia-Ponte. Coisas das gentes de lá, parentes sanguíneos de mim, amigos de olhares e falas, parceiros de serenatas eternizadas em memórias e escritos tantos...





Bom! Bão! Bão dimais da conta! Melhor ainda no tempo em que a cerveja não amargava tão cedo, e se bebida bem cedo, na manhã, quando a pimenta no caldo de mocotó ajudava a expurgar o sabor da ressaca. Éramos muitos, entre primos e amigos, nativos e “de fora” (estes, levados por nós e nossos amigos, só para vê-los encantados com as cores e os sons de Pirenópolis).






Numa dessas aí, levei lá um amigo novo, muito magro... Agora, é amigo velho e rabugento, mas continua magro... Mais magro, até! Encharcou-se de encantos pelas ruas tortas, pelos pisos de pedras mal niveladas, pela lua que enfeitiça, as serenatas mágicas e pelas festas. As festas na Festa do Divino. Ano passado, ele e eu ganhamos títulos honoríficos. Agora, somos cidadãos pirenopolinos!


Falo de Jorge Braga, palhaço inato, parceiro de alguns ofícios (ele no traço, eu na escrita) e irmão de copo e confidências saudáveis. Em pouco, de provável e curioso turista tornou-se apaixonado pela terra e suas cores. E desde as festas de 1979, fez-se mascarado. Destoa da prática por ligeiros pecados – o primeiro deles foi quando amarrou o cavalo à porta de uma venda, aproximou-se do balcão, tirou a máscara e pediu cerveja. Onde já se viu? Mascarado não tira a máscara! Ou melhor, não tirava.


Interrompo esta história para contar... Foi numa comunidade do Orkut (Pirenópolis é bom demais!), uma moça de Niterói, Luciana Danielli, pedia informações: tinha reserva numa pousada da Rua Aurora... Como sou dado a puxar assunto ou esticar conversa, respondi-lhe:




Rua Aurora... Minúscula calçada junto aos casarões, faixas de relva entre as calçadas e a pista central, pavimentada de pedras de quartzito das pedreiras que circundam a cidade. Rua inclinada, que a direção do trânsito estabeleceu declive, liga o Alto do Bonfim ao Largo do Rosário, rua de confortáveis pousadas e restaurantes que desafiam a força de vontade dos que lutam com a balança. Rua de antigas serenatas, ouço do tempo acordes de cordas e clarividências de metais maviosamente soprados em harmonia, ritmo e berço de poemas inesquecíveis. Ah, Rua Aurora! Poderia dizer dela Rua da Saudade, mas seria injusto com tantas outras velhas ruas da tricentenária Meia-Ponte do Rosário, a Pirenópolis dos últimos 120 anos, cenário e ambiente de boas lembranças. 
A Rua Aurora é um aconchego indefinível. É vivê-la e entendê-la!”.

Mas, manhã de domingo, tendo eu perdido a festa de lançamento de novo livro de Adriano Curado (foi mais uma festa), cheguei um tanto jururu a Pirenópolis. E ali, como sempre, meu primeiro encontro é com o primo Luiz Antônio, que me confidencia (e eu não guardo o segredo):

– Jorge Braga sai de mascarado.

Não estranho: nestas últimas 32 festas, se ele faltou foi pouco. Não é bom mascarado, porém. Já disse que ele tira a máscara, mas é preciso vê-lo. Um Dom Quixote na magreza, mas inábil com as rédeas. Consegue perder as orelhas e até os chifres da máscara de boi e tem sorte por não ter atropelado alguém.

Jorge lamenta:

– Curucucu (é como chamamos, em Pirenópolis, os mascarados da festa) tá com a bunda toda esfolada.

Apenas ri, só comigo. Assim que me encontrar com Jorge Braga, dar-lhe-ei um conselho inestimável:

– Ano que vem, siô, você se cuide. Proteja aí os ossos com uma ou duas fraldas geriátricas.


* * *



Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia
Goiana de Letras.

segunda-feira, maio 24, 2010

Rosaly Senra, jornalista e gourmet das Minas Gerais, é uma mulher bonita, talentosa, competente... Ah, é mineira!
É dela o belíssimo livro Quitandas de Minas, ricamente conceituado e finalizado, com fotos daquelas de despertar qualquer apetite!
Incansável, porém, a Rosaly! Ela acaba de publicar no Buzz essa receita que me deixou com toda a vontade de quebrar todas as dietas!
L.deA.


Rosca de moranga (ou abóbora)




Dessa vez foi a Tia Áurea que inventou de fazer uma coisinha qualquer do Quitandas de Minas.


Ainda não contei aqui, mas todas as fotos do livro foram feitas na casa dela, que ficou dois fins de semana só por nossa conta.


E era um entra e sai daqueles, imagina você, cada hora uma tia chegava com um prato, um pacote. Corre pra colocar os pães de queijo no forno. Ai, ai ai, deixa mais um pouquinho porque está muito branco... Fora os curiosos, que queriam saber como estava indo a coisa, beliscar um pouquinho. Sei que foi uma festa que já deixou saudade.


Quando a gente dava por encerrado os trabalhos do dia, ela preparava um lanche, botava a mesa e ai, íamos conversar sossegados: O Pacelli Ribeiro, autor das fotos do livro, a Tia Áurea; o Gil, seu marido; o Ramom e a Bruninha.


Mas isso já faz um tempo. Num desses sábados a Tia Áurea resolveu de fazer uma rosca que não tinha sido fotografada. Abriu o Quitandas, conferiu a lista de ingredientes para saber se tinha todos os ingredientes em casa e resolvemos fazer a rosca de moranga, que está á página 47.


Deixo aqui a receita, com as devidas explicações:




250 g de moranga cozida
2 ovos inteiros
50 g de fermento biológico
1 colher (sopa) de margarina
½ copo de óleo
1 copo de açúcar
½ copo de leite
1 kg de farinha de trigo
½ colher (sopa) de sal




Separamos cada ingrediente e batemos no liquidificador os ovos, o leite, o óleo, o açúcar, a margarina, a moranga, o fermento. Despejamos numa vasilha e fomos acrescentando a farinha aos poucos. Usamos farinha integral, por isso fomos peneirando para que fosse arrejada.


Fomos misturando até que a massa ficar em boa consistência para ser enrolada. O ponto ideal é a massa um pouco "pegajosa". Sovamos bem e deixamos a massa descansar por duas horas. Como estava um pouco frio, Tia Áurea ligou o forno e deixou a porta aberta para aquecer um pouco o ambiente. Marcamos também o tempo do crescimento do fermento com uma bolinha no copo d'água. Dica da Ana Rita, que na família é a doutora em roscas!


Crescida a massa, polvilhamos farinha numa bancada. Dividimos a massa em duas partes e com cada uma fizemos três rolos, para depois fazer a trança. Um pouco mais de descanso. Colocamos as roscas em tabuleiros untados e levamos para assar, em forno médio por aproximadamente 30 minutos.


Ficou uma delícia: leve e soltinha. Mais morena por causa da farinha integral, mas por isso, mais saudável.


Ah, o sal colocamos somente no final, para não entrar em atrito com o fermento.

sábado, maio 22, 2010

Entrevista a Alda Inácio

No dia 20 de maio de 2010, durante um café no xópin Bougainville, em Goiânia, minha amiga Alda Inácio resolveu gravar um pedacinho da nossa conversa. Rendeu este vídeo.

sexta-feira, maio 21, 2010

Estágio de Adeus

Estágio de Adeus




A importância da poesia está na razão direta do valor da palavra. A elegância no vestir é tão imediata quanto a necessidade de se vestir. São proporções da mesma razão. Os tolos abominam tais cuidados, dizem-nos futilidades femininas (como se as coisas femininas nada valessem, quando são elas as determinantes na vida humana); mas traem-se nos torcicolos adquiridos e na inveja aos que os suplantam em boa-aparência (no item indumentária) e em inteligência (no outro).

Os que trabalham “por objetivos” não gastam comprando livros, sejam de ficção ou poesia, mas empenham-se no corte dos ternos e na harmonia das cores (das cuecas às gravatas). Teriam, estes, melhores resultados se empregassem poetas como assessores que lhe dessem boas qualidades em textos finais e, inevitavelmente, ideias de como investir, aplicar, agir e colher.


Academia Goiana de Letras


Em curto intervalo, a Academia Goiana de Letras registrou a passagem de dois poetas para outra dimensão: Helvécio Goulart, mineiro ao nascer e goiano de vivência, advogado e poeta, acadêmico desde 1997; e A. G. Ramos Jubé, vilaboense, procurador de Justiça e professor (licenciado em Letras Neolatinas). Poetas de refinado talento, cultores de uma indisfarçável idolatria à Língua e ao ofício do verso.

De ambos pincei versos a esmo. Recordar um poeta, para mim, é visitar seus escritos como quem lança os olhos ao horizonte, ao céu e ao fundo do vale próximo, inspirando o ar renovado e enchendo-se das cores da vida. Nunca, em momentos assim, vou especificamente a um poema; abraço-lhes os livros como quem afaga o amigo, e vejo poemas como quem, num microscópio panorâmico (seria possível isso?), vislumbrasse poros de toda a pele...


Helvécio (que nos deixou no dia 19 de novembro), escreveu como quem prenunciasse:


Peço perdão porque eu não podia morrer naquela hora,
eu tinha que correr
eu tinha
que andar
correndo pela noite
.


Parei diante dessa estrofe de “Os cavalos” como quem estanca em face da luz ao fim da madrugada. O poeta, parece, justificava ter vivido um pouco mais, porém fica em mim a sensação de que deveria, ele, aguardar duas décadas mais, ao menos. Tinha, ainda muita poesia a cometer.

De Jubé, o homem que, para mim, melhor simboliza a humildade entre os goianos, guardo a espontaneidade da saudação de sempre, uma vociferante alegria de encontro, um cumprimentar como quem nos descobre. A cidade (sempre a cidade) não tem consciência deste vazio. Para a Academia, está vaga a Cadeira 40, por breve tempo. Para a cidade, a partida de Jubé equivale a um breve corte em sua alma perceptível, porque os anos a vir dirão aos pósteros o valor do poeta Jubé.

Dele, delicio-me agora com um poema em especial: “Bairro Botafogo”. É preciso contar aos mais jovens, os que não sabem dizer onde existe um Bairro Botafogo em Goiânia, que o nome precede ao que hoje conhecemos como Setor Universitário:


Bairro Botafogo

De tardezinha o bairro fica melancólico.
Tem uma poesia doída.
A rua larga descamba pra lá como um rio rubro,
e nuvem de poeira espirala-se no ar...

As casinhas, brancas, espiam humildemente
as casa do lado de cá,
numa admiração solene e discreta.

Nada agita a paisagem parada,
nem mesmo operários que regressam.

Uma lavadeira sobe a encosta com a trouxa de roupa.

Ah, os ignorados dramas da pobreza!...

Os buritis estão pálidos,
com preguiça de se mexer.
O rego, desbarrancado, desce importante,
dividindo dois mundos.


Fecho os livros como quem agradece. E até parece que agradecer me satisfaz! Que eles viajem aos páramos da Eternidade, deixando-nos seus imortais poemas. Talvez os desenhemos em bronze num jardim público, talvez escrevamos seus nomes na fachadas de escolas ou museus, talvez...

Talvez a gente morra logo após. Certo é que suas obras alicerçam-se nos discursos dos anjos. Amém!




Luiz de Aquino
, escritor de prosa e poesia, é membro efetivo da Academia Goiana de Letras, ocupante da Cadeira nº 10). Texto produzido em 16/jan/2010, especialmente para o suplemento literário da AGL.