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sábado, junho 05, 2010

Números do aborto


Educação, aborto e economia



Dados de uma pesquisa da Universidade de Brasília, a UnB, e do Instituto de Bioética, Direitos Humanos  e Gênero, o Anis, revelam números novos e surpreendentes sobre a prática de aborto no Brasil. Claro, a pesquisa abrangeu também o aborto clandestino (se é que incluiu o aborto legal, nas condições preconizadas em lei).
Vamos ver: foram ouvidas duas mil e duas mulheres, entre 18 e 39 anos, todas alfabetizadas e 81% têm filhos. As pessoas ouvidas moram em capitais brasileiras e ficou claro, dentre outras coisas, que o Nordeste é líder na prática; no Sul, registra-se índice menor. Revelação: o aborto é praticado por mulheres de idades mais elevadas, embora se acreditasse que o hábito era dominante entre as mais jovens.  Outra surpresa é que não são as mulheres sozinhas as que mais abortam: 60% têm companheiros.
Dado impactante: entre cada 100 brasileiras, pelo menos 15 já fizeram aborto, na média. E o percentual passa para 20% na faixa entre 35 e 39 anos. Revelou ainda, a pesquisa, que 48% das mulheres consultadas usaram remédios para interromper a gravidez e, destas, 55% precisaram ser internadas em seguida.
Números de pesquisas são sempre interessantes. Não consigo entender a razão de se estabelecer um número “quebrado”, como 2.002. E isso não é “cabalístico” (aleatório), mas eleito dentre de critérios técnicos, disse-me um profissional de pesquisas. A revelação desses números desperta o imaginário quando acompanhada de informações sobre a escolaridade (quanto maior a escolaridade, menor a incidência da prática) e a faixa econômica (não localizei o percentual na mídia escrita, mas ouvi no rádio que a incidência diminui também quanto mais elevado seja o nível de instrução).
Uma profissional nitidamente simpatizante da liberação argumenta com trunfos de economista: melhor seria o Estado liberar e mesmo patrocinar o procedimento, em lugar de gastar recursos dos fundos de saúde, pois, no geral, todo aborto implica uma internação posterior. Outro argumento: “São cinco milhões de mulheres”, informou, como dado complementar, a profissional que detalhava a pesquisa, analisando-a. “Sendo o aborto um crime, segundo a Lei, o Brasil não dispõe de cadeia para tanta gente”. Em suma: se o Estado tem que gastar com quem pratica o aborto e também com presídios – desde a construção até a assistência total aos presos -, melhor mesmo é liberar, disse ela. Estranhamente, não a ouvi valer-se do referencial de que a escolaridade maior implica menor incidência de aborto.
Óbvio: mulher esclarecida sabe proteger-se. E proteger-se implica também evitar doenças transmitidas pelo sexo. Para mim, se a escolaridade significa menos abortos, vamos investir em educação e orientação sexual, tanto nas escolas como em família e na mídia (campanhas educativas e esclarecedoras).
Tem mais: os analistas não trouxeram aos veículos de imprensa uma apreciação que me pareceu muito importante: o fato de a maioria das que já interromperam intencionalmente a gravidez sejam mulheres casadas. Entendi que os motivos mais imediatos são as dificuldades materiais e financeiras, mas também não se pode ignorar que o emocional tenha uma influência direta: casais em desajustes (a mulher prefere estancar o tamanho da família) e ainda a tal de infidelidade (não concordo com essa definição, mas é a corriqueira): se o bebê não se parecer com o companheiro de convívio, um drama se anuncia no horizonte.
Diante disso, ocorre-me o que dizem inúmeras mulheres ante a ocorrência de gravidez em condições não previstas. Segundo elas, isso é muito raro, porque cabe à mulher prevenir. No geral, a mulher sabe de seus períodos e as que não os tem bem definidos aprendem a organizar-se, prevenir-se. Claro, a gente sabe, existem moças liberadas por aí que fazem do aborto uma prática de sobrevivência.  Por outro lado, o parceiro precisa, ele próprio, conversar com a parceira sobre os riscos imediatos. Nos casos de relações sem compromissos maiores, é importante ater-se às doenças sexualmente transmissíveis e é importantíssimo, também, que se fale sobre uma possível gravidez.
Ou o sujeito é menos sensível, como pai, que um cão de rua.




Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. 

9 comentários:

zinah disse...

Luiz, desconhecia estes dados e fiquei admirada com o resultado da pesquisa, imagina-se que as praticantes do aborto são jovens aina adolescentes ou na sua maioria aquelas que não convivem com um companheiro, valeu pela informação, muito útil. Um gde bjoo, sua admiradora.... zinah

Mara Narciso disse...

É fácil ser contra o aborto e postar-se como arauto da vida. Quem poderia ser contra ela? No entanto é difícil ser contra os números. Resultados de pesquisas esfregam altas incidências na nossa cara. O custo emocional de ser obrigada a praticar um aborto é imensurável, e sendo isso um crime agrava ainda mais essa sensação. Seria bom aliviar a consciência dessas desesperadas pessoas, como também o bolso do Estado. Discutir a descriminalização é um caminho a ser revisto.

Anônimo disse...

Luiz de Aquino, você vai incomoDAR MUITA GENTE boa!!!!!! MAS VOCÊ DISSE TODA A VERDADE! Questionar o quê? Tá ai....... É só vê.!!!!!!!!

Luiz de Aquino disse...

Ei, "Anônimo"... Assine sempre, por favor!

Será? Acho que não incomoda, não. A solução para o problema do aborto está mesmo na prevenção. No fundo, e por saber que todos somos um tanto canalhas, acredito que grande parte das mulheres engravidam-se propositalmente, bem como boa parte dos homens não se incomodam em sair por aí engravidando. Logo, há que se educar as crianças e adolescentes, comeando o processo em casa e continuando nas escolas e na comunidade.

Maria Helena Chein disse...

Lu,
hoje você analisou um tema importantíssimo, com dados contundentes. A prática do aborto gera sempre discussões e as opiniões se divergem. De um lado, os totalmente contra, de outro, os totalmente a favor e há os que não se radicalizam.
Os motivos em todos os casos são os mais diversos. Lembrei-me daquele da menina de 12 anos, grávida por estupro e o idiota do bispo excomungando os envolvidos no aborto. Bahhhh!
Gostei da crônica.

Bjs.
Maria Helena

Unknown disse...

Perfeito! Assim é que as coisas devem ser ditas! Parabéns pela maneira como focou algo tão ´cheio de controvérsias.
Um abraço, Marília

Unknown disse...

Luiz,

O texto sobre o aborto foi bastante oportuno e norteou o leitor para reflexões sobre um tema que ainda é tabu para muitas pessoas. Além disso, o fato do autor ter feito a discussão à luz dos dados tornou-o mais contundente. No que tange aos "dados" empíricos posso afirmar que as mulheres estão sofrendo traumas físicos e emocionais por conta de práticas abortivas do período jurássico. Parabéns por você ter escrito sobre este tema que precisaria ser debatido diariamente, porque os resultados oficiais demonstram que a mulher está cada vez mais "livre", mais presa, e mais despreparada para cuidar do seu próprio corpo.
Sílvia Neves

Silvia Neves disse...

Luiz,
O aborto é uma temática que precisa ser falada, escrita e debatida, cotidianamente. Para tanto é preciso mobilizar a população juntamente com profissionais da saúde, da área educacional, escritores, enfim, organizações governamentais e não governamentais, por causa dos inúmeros casos existentes. E você, Luiz, usou os dados com muita propriedade para elucidar a gravidade do aborto no Brasil e dar mais credibilidade ainda aos leitores diante de um tema tão complexo. As mulheres estão cada vez mais livres e ao mesmo tempo presas, pois muitas delas utilizam práticas abortivas pré-históricas culminando em resultados sofríveis. Parabéns por ter tratado de um tema tão polêmico e tão útil a nós, "leigos" no assunto.

Leida disse...

Luiz, adorei a crônica.Você abordou um assunto polêmico e atual, mas, os dados mostram com clareza que as soluções não passam nem pela legalização do aborto e nem por construções de mais presídios, e sim por boas e intensivas informçãoes sobre a prevenção da gravidez não desejada, por construções de escolas ,melhoras no nível de ensino e educação.Luiz, muita das vezes me pego a pensar:"Brigamos" e lutamos pela vida dos animais irracionais-o que é mais do que justo- mas, me parece que há aí um paradoxo, ja que a vida humana anda bem banalizada.
Parabéns Luiz! Ahhh, menino, que bommmmmmm,minha mãe não me abortou, e pelo amor,dedicação e algum sacrifício dela hoje estou aqui dando o meu pitaco no Blog.Sou a favor do aborto não como método contraceptivo, e sim quando a mãe corre risco de morte,estupro, e em alguns outros casos onde ele é terapêutico.
Beijo,
Leida Gomes