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sábado, outubro 30, 2010

Agora, falemos de Educação

Agora, falemos de Educação




Muito já se disse sobre isso: o Século XX foi o período de maior desenvolvimento tecnológico e científico de toda a Humanidade. Tudo por causa das guerras. As guerras provocam desenvolvimento tecnológico, porque é preciso desenvolver engenhos de guerra; é preciso desenvolver as técnicas das construções; o aprimoramento das armas (que devem ser de melhor manipulação e poderio mortal), dos veículos... A medicina e seus correlatos também precisam ser muito aprimorados. Surgem novos métodos, novos medicamentos, novos tudo o mais!


No primeiro conflito mundial (1914-18), surgem o avião e a motocicleta como veículos ágeis e importantes equipamentos mortíferos. Muitas novidades apareceram desde então, inclusive o despertar de uma nova disciplina militar, notável desde os prenúncios da II Guerra, na década de 1930, tanto na Alemanha quanto na União Soviética. Dirão alguns pacifistas que os regimes totalitários gostam muito de grandes exércitos, muito bem uniformizados, equipados e disciplinados. Hoje, sabemos que Estados Unidos, Reino Unido e França são os países com maior orçamento bélico (e nenhum deles é totalitário).



A II Guerra ensinou muito ao mundo sobrevivente. Principalmente para as nações diretamente envolvidas: os países da Europa; o Japão; a União Soviética... Nós, os chamados de Terceiro Mundo (para os mais novos e os não informados, bem como para os que se esqueceram: Primeiro Mundo são as nações ocidentais bem industrializadas e com economia sólida; os países ditos da “Cortina de Ferro”, ou seja, dominados pela União Soviética, equivaliam ao Segundo Mundo; e nós...), ainda não aprendemos. Ou aprendemos mal.


Nos últimos três meses brasileiros, quero dizer, no decorrer desta horrível campanha eleitoral para a Presidência da República, tenho ouvido besteiras que envergonham qualquer cidadão de bem. Cidadão de bem, para mim, são esses/estes de ficha limpa e com intenções maiores que a mera defesa de seus interesses pessoais ou familiares. A corrida ao poder com a sede que marcou a campanha de 2010 só se compara ao que se viu em 1989. E que vergonha, hem?

Fala-se muito em Educação. Até parece que o tema é novo, que há algo de criativo quando se diz “Educação”, pois a palavra soa como algo de sagrado – mas os falantes do tema parecem tê-lo descoberto agora, não atentam para o fato de que passaram por ela, ora como estudantes, ora até como professores!

Sim: no Brasil, chamamos de professores também esses mestres-de-ofício que, sem a menor noção de Educação, sem habilitação didática ou ainda conhecimentos pedagógicos, seguram um bastão de giz diante de uma turma de estudantes e rabisca besteiras num quadro-negro.

Um deles chega a empostar a voz para dizer que construirá escolas para a formação de mão-de-obra! Ora, porque não o fez enquanto era ministro poderosíssimo do Planejamento? Ou quando prefeito da maior cidade da América Latina? Ou como governador... Agora, diz que vai fazer.

A outra também prega pela Educação. Interferiu, sim, e bem, no fortalecimento do sistema de Educação do país. Mas... Será que vai mesmo valorizar o professorado, com salários dignos e condições de trabalho satisfatórias? Isso, no Brasil, já vi acontecer com o sistema de segurança pública, embora o processo tenha sofrido “solução de continuidade”, que é o apelido que se dá à falta de seguimento a programas, coisa comum no processo de substituição de governantes.

Vem aí a tal PEC 300, que se propõe a remunerar soldados (da PM e dos Bombeiros) com R$ 4.000 mensais, e tenentes com R$ 7.000.

Tenentes são militares formados em nível superior. Professores são civis formados em nível superior. Porque não pagar o mesmo para professores? Sim: R$ 7.000 por mês! Claro, para jornadas iguais, sem direito de greve, com escolas bem equipadas e bem mantidas. Não entendo a razão por quê, em Goiás, os colégios da Polícia Militar têm bom equipamento (e eficiência), enquanto os da Secretaria da Educação vivem na penúria.



E, no geral, há, sim, que se formar mão-de-obra. Mas, antes, que se formem cidadãos! Ou repetirão, no futuro, os maus candidatos que pululam nas campanhas de hoje.






L.deA. por Jorge Braga, 1991


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Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sexta-feira, outubro 22, 2010

A estátua na pr..., isto é, no quintal!



Carta ao Ontem
ou 
A estátua na pr..., isto é, 
no quintal!



Goiânia, outubro outra vez, dois mil e dez… Setenta e sete anos de festejo da Pedra Fundamental, intencionalmente plantada no dia seguinte ao aniversário do interventor Pedro Ludovico; não pelo natalício do homem, mas pelo dia em que, três anos atrás, Getúlio Vargas amarrou seu cavalo no obelisco da Avenida Rio Branco, na capital da República.


Pedro em foto rara: a cavalo

Também a cavalo, mas no alto da Serrinha (onde hoje existe um complexo de antenas de comunicação), Pedro Ludovico contemplava a campina, entremeada de bosques; mais ao longe, a importante, mas minúscula, Campininha das Flores. Minúscula? Ah, sim! Mas qual era, também o tamanho da Capital, a Cidade de Goiás? Neste sertão do Planalto Central, grandes mesmo eram as distâncias, apenas.


Fez-se a cidade! 
Afinal, Minas Gerais já construíra, quase quarenta anos antes, a sua Belo Horizonte, planejada e bela. Escolhido o sítio, plantou-se a pedra. Estranho? Ora, ora, isso é uma metáfora! A Pedra Fundamental da nova cidade, a que seria a capital do Estado, com o propósito de atrair atenções e fazer crescer o Estado. Não havia dinheiro, mas havia o poder, pleno e forte. Somente a História nos contaria, depois, que Pedro seria o único dos interventores a permanecer no poder local por tanto tempo quanto Getúlio ficaria à frente das decisões nacionais.



A Praça Cívica, nos primórdios, vista do alto 
do Palácio das Esmeraldas.

Injusta, penso eu, foi a decisão de incorporar a tradicional Campininha das Flores ao município da nova Capital. Ela, a velha cidade, que festeja atualmente seu bicentenário, não merecia tornar-se um bairro, apenas. Mas a História não é uma instituição abstrata, ela é ciência e trata  o passado para construir futuros. Por décadas, Campinas não era um bairro, mas um pólo, tão superior ao Centro (a parte efetivamente planejada da nova cidade) que deu continuidade à sua vida bucólica, progredindo e se modernizando sem comprometer sua identidade.



Carro de boi, indispensável na construção de 
Goiânia (ao fundo, o Palácio das Esmeraldas).










Aos olhos de um jovem dos anos de 1960, fotos como os rolos compressores para a compactação do solo para aplicação de asfalto, tendo por pano de fundo o Palácio das Esmeraldas, traziam o mesmo peso da imagem do interventor-idealizador-fundador de Goiânia, montado a cavalo, trajando culote, botas, camisa militar e chapéu de escoteiro, contemplando a planura das campinas do alto da Serrinha.





Neuza Morais também gostava daquela foto. Decidiu-se por ela ao escolher esculpir Pedro Ludovico em tamanho gigante para ser entronizado na sua cidade. A primeira discussão não andou muito, ficou apenas numa sugestão que se viu vencida – partiu do escritor Bermardo Elis, que preferia uma estátua sedestre (sentado, em trabalho executivo; a terceira opção seria a estátua pedestre, isto é, de pé). Neuza elegeu, pois, a estátua eqüestre, ou seja,  a cavalo.




Acho que entendo... Qual o escultor que não gostaria? O cavalo é tido como a mais perfeita das formas vivas! E é inegável a sua importância no caminho da humanidade. Acompanhei parte das dores de Neuza Morais enquanto as autoridades se faziam moucas ante o seu sonho de ver a estátua fundida em bronze e instalada na cidade. Sempre opinei por dois pontos fundamentais – a Praça Cívica, por ser sede do poder do qual Pedro Ludovico é um dos fortes símbolos em Goiás, e a Serrinha, de onde o homenageado continuaria a olhar a (e pela) cidade.

Como disse, a Pedra Fundamental é uma metáfora, e tão fundamental quando Pedro Ludovico na nossa História. Afinal, o nome Goiânia, sugerido pelo professor Alfredo de Castro, fora concebido por Manuel de Carvalho Ramos (pai de Hugo de Carvalho Ramos, o primeiro dentre os regionalistas brasileiros). Goiânia, pois, nasceu sob o espírito da Poesia.

Neusa Morais 

Agora, vejo a estátua ser instalada, tal como tanto sonhou Neuza Morais, que morreu triste por não ser atendida. Ao tempo daquelas lutas (alguém, recentemente, lembrou, com justiça, o empenho de Helinho de Brito no sentido de ver realizado esse sonho de Neuza; debalde...). Imaginei, porém, e sempre, que Pedro a Cavalo estaria em lugar de honra, no mesmo alinhamento do Monumento as Três Raças – outra importante obra de Neuza Morais –, no centro da Praça Cívica. Mas (e aí, o que fazer?) as autoridades preferiram colocá-lo no quintal da Secretaria do Planejamento, junto à Rua 82, que algum desavisado vereador apelidou de Robert Kennedy.

Resumo, para finalizar: nas andanças para que Neuza visse sua estátua de Pedro pronta e instalada, ouvi de autoridades locais a seguinte frase: “Esse tema é chato... Pedro já foi homenageado muito mais do que devia”.

Não comento, leitor. Conclua você!










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Luiz de Aquino é da Academia Goiana de Letras




quinta-feira, outubro 14, 2010

Após o aborto...


Após o aborto...


Na primeira quinzena de junho deste 2010, escrevi neste espaço sob o título “Educação, aborto e economia” (no meu blog, essa crônica está em http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com/search?q=aborto; no Diário da Manhã, é da edição de 6 de junho de 2010, página 6 do DMRevista).

São temas bastante complexos, atraem opiniões conflitantes; mas é neste tempo, neste mundo e especialmente neste país que eu vivo. “Quem foge da luta nem da morte é digno”, escreveram na parede do Grêmio Literário Félix de Bulhões, no velho Liceu, naquele remoto 1963.  O verso de Castro Alves certamente ecoa na alma de sexagenários liceanos; não de todos, porque, mesmo no tradicional e eficaz Liceu dos meus tempos, havia os que liam mas não entendiam.

Não posso ser favorável ao aborto – afinal, eu estou aqui, não é? E sobre aqueles que, parece-me, só fazem o mal, quem adivinharia que se tornariam pessoas abjetas? Além do mais, até mesmo Átila, o huno, e Hitler, o ariano, eram peças do jogo de xadrez de Deus.

Existe, no Brasil, uma defesa aloucada do aborto sob o pretexto de que o corpo é da mulher, logo ela tem o direito de fazer o que bem entende. Respondo que pode, sim, desde que arque, ela própria, com os custos de seu livre arbítrio; quando essa “liberdade” compromete dinheiro e aparelho públicos,  passa a ser uma questão política.

O mesmo vale para os atrevidos do volante: se acham que podem dar às suas máquinas o embalo que bem entendem, cuidem de fazer isso sem causar prejuízos nem riscos físicos e emocionais a terceiros, e que também não usem recursos públicos, seja a rede de saúde, sejam as verbas que acabam mal gastas, quando aplicadas para socorrê-los.

Na manhã de quinta-feira, 14, quando o mundo ainda delirava com o excelente êxito do resgate dos trinta e três mineiros do Chile, vi o final de uma entrevista por Alexandre Garcia com a pediatra Luciana Fhebo,  coordenadora da Unicef  para os Estados de Rio de Janeiro e Espírito Santo, e com o promotor Luciano Medina, com larga atuação na área de proteção à infância e à juventude. Gostei, particularmente, de quando o jovem promotor disse ser contrário à redução da maioridade penal: ele resumiu razões e me convenceu. Quero destacar que os defensores dessa medida jamais imaginam seus meninos envolvidos em crimes, como aquele caso recente de Santa Catarina, lembram? Foi este ano...

A médica, por sua vez, rejeitou a definição “gravidez indesejada”. Ela demonstrou que não é por gravidez indesejada que os abortos acontecem, e destacou que os adolescentes (alvo maior de tais discussões) sabem muito bem como não engravidar e como proteger-se de doenças sexuais. Eles desejam a gravidez, e por vários motivos: buscar uma razão para viver, constituir uma família, prender-se ao parceiro etc. e mais etc. O aborto, quando provocado, se dá por razões não consideradas antes – medo da reação da família, carência material, abandono pelo parceiro e outros etc.

Tudo bem, ainda não chegamos ao ponto. E a esse ponto, quem me traz é o Lucas, meu filho de 15 anos, estudante do segundo ano do ensino médio (eu teimo em repetir colegial!).:

- O problema, pai – lá vem ele, meio didático – não é o aborto em si, mas o pós.

Está certo! Vejamos: suicídio é crime? Parece que não. Não sei de alguém, no Brasil, punido por tentar o suicídio, e essa prática é, a rigor, tentativa de homicídio. No caso de sobreviver, o sujeito é conduzido por viatura pública para hospital público e tratado com recursos públicos, pois a pessoa que atenta contra a própria vida já está, por si só, punida (há países que salvam o quase-suicida e depois, condenam-no).

Entendo que o mesmo se dá quanto ao aborto. Quem escolhe abortar, sujeita-se, quase sempre, a riscos da própria vida e tem medo, depois, de buscar socorro e ser incriminada. Em qualquer hipótese, e antes de ter a vida em risco, a menina ou mulher há de ser tratada em estabelecimento apropriado. É o mínimo que se pode fazer, em termos de políticas públicas,  por quem entrou em tal estado de desespero.

No mais, aos que defendem o aborto como iniciativa da liberdade pessoal, deixo só uma pergunta: não seria muito mais fácil usar um preservativo? Ah, é ruim? Mas existem outros meios, sem perda do prazer. Por que não experimentam?


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Luiz de Aquino é 
membro da Academia Goiana de Letras
(poetaluizdeaquino@gmail.com) .



Luiz de Aquino (poetaluizdeaquino@gmail.com) é escritor, membro da Academia Goiana de Letras. Escreve aos domingos neste espaço.

segunda-feira, outubro 11, 2010

Antropofagia à minha moda

Meu poema "Cálidas Mineiras em Termas Goiás", aqui publicado, tal como foi enfocado no portal Germina / A genética da coisa (como idealizaram Rodrigo Sousa Leão e José Aloise Bahia e como possibilitou a poetisa Silvana Guimarães) - http://www.germinaliteratura.com.br/2010/ageneticadacoisa_luizdeaquino_set10.htm -  mereceu, da professora (e poetisa) Jô Sampaio, da Universidade Estadual de Goiás, a seguinte análise:



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Antropofagia goiana



Jô Sampaio (1)










As mineiras são quentes pelo contato com as águas ou as águas são quentes pelo contato com as mineiras? O título  nos leva a um quiasmo, esquecida  figura de linguagem resgatada na propaganda de "Tostine"

Nas duas primeiras estrofes há predominância  de frases nominais. Essa total   ausência de verbos determina o estado contemplativo do emissor. Sereias, expressão que metaforiza as morenas mineiras, torna-se expressão catalisadora, cujas palavras secundárias (louras, morenas, faceiras,etc.) compõem com ela (sereias) toda a atmosfera poética do texto. Além de forte conteúdo expressivo, sereia, no poema, tem significação ampliada, chegando ao campo semântico de elemento universalizante do encantamento do poeta em estado de devaneio, que o aproxima de Ulisses, ao se deixar levar pelo canto da sereia.
            






    O poema é bem pictórico. Os adjetivos lhe dão variados matizes, podendo ser comparado a uma aquarela, cuja paisagem retratada inspirou o artista no passado, dando-lhe voz colorida que ainda hoje soa aos ouvidos e olhos dos que a ouvem e leem,oferecendo  sempre ao receptor o sabor do novo, com os mesmos viço e vigor que teve o texto, à época de sua Gênese.









    As Águas Termais de Caldas Novas e suas banhistas, realidades do cenário goiano, foram o "Faça-se a luz" do criador(o poeta), no momento de sua criação (o poema). Alguém já disse que "no túnel do tempo, as palavras da poesia têm a velocidade da luz, iluminando o passado". Certamente foi essa "remota iluminação" que brotou do coração do poeta, quando este se viu diante daquela a(bunda)nte passarela de louras, morenas, sóbrias, faceiras mineiras.



Percebe-se, em todas as palavras, que foram essas "cálidas sereias das águas termais" que brilharam no passado romântico do eu-lírico, refletindo-lhe a luz que provocou a epifania do poeta.

As sensações e emoções do poeta vão mudando  segundo a cadência das a(bunda)ncias anatômicas das sereias (de tetas pequenas e nádegas plenas). De repente (não mais que de repente), dessa paisagem, de início estática pelo excesso de frases nominais, surge uma ação: a carne (tetas e nádegas) se fez verbo e o verbo se fez ação  e a domin(ação) (Comê-las cruas). Daí a angústia do "comprometedor livre arbítrio" (são suas? são minhas?), dúvida esta que figurativiza também a dimensão erótica que se instaurou no poema.
              






    Da incerteza da posse (são suas? são minhas?) nasce também a inquietante angústia sobre o local em que se serviria a ceia (quem sabe a última), expressa pelos versos: "nos clubes, nas ruas, nas piscinas, nos lençóis, à lua". A quinta estrofe estabelece a serenidade do apetite saciado, do clima "pós-sesta" (Em termas piscinas /as vejo meninas... louras vindouras).









    Segundo Camões "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança / Todo mundo é composto de mudanças / Tomando sempre novas qualidades". Estes versos camonianos reportam à contraditória mudança que o tempo opera sobre tudo e sobre todos, ficando sugerida a ideia de desconcerto do mundo. O desconcerto operado no interior do poeta nos é transmitido pelas últimas palavras de cada estrofe, todas grafadas entre parênteses, sugerindo algo que deveria ficar apenas subentendido, ou seja, sentimentos e  sensações inconfessáveis, talvez por apresentarem certos laivos de sensualidade que  a civilização judaico cristã nos deixou como fruto proibido, embora saibamos que "crescer implica em multiplicar”.



A mesma musa que inspirou o poeta, investiu-lhe toda a energia mental e emocional na elaboração da seiva libidinal do poema, cujas palavras, ao entrarem na engrenagem do fazer poético, dão ao leitor a impressão de que se consumou a união de Eros com a Lira, pois, na “engenharia” social  da alma  e ciência das relações humanas está a necessária catexe libidinal” (Marcuse, Herbert, pg.13,8ª ed.).






    Abundantes, expressão última da primeira estrofe, revela sensação visual captada pela exposição de fartas e plenas nádegas. Contudo, a expressão espácio-temporal "além-horizonte" trouxe ao poeta a certeza da transitoriedade daquele cenário, cuja fugaz abundância se comprova pela palavra "visitante" (passageiro). Na terceira estrofe, a sensação gustativa (é comê-las cruas) reflete a fúria incontrolável do  apetite sexual, seguida da inquietação advinda da traição ao possuidor da coisa possuída (são suas?) para, a seguir, o eu-lírico assumir de vez a posse do objeto dos seus desejos (Gatinhas. São minhas?)








    O verbo comer em "é comê-las cruas"  nos leva também ao sentido lato da palavra, além de resgatar a arte autóctone de Oswald de Andrade com seu manifesto Antropofágico de 1928. "Só a Antropofagia nos une. Socialmente.  Economicamente. Filosoficamente."








    Ainda na esteira do antropofagismo "comer as gatinhas que eram suas e agora são minhas"  faz jus a outra expressão do citado manifesto Antropofágico: "Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do Antropófago".










    As águas Termais de Caldas Novas equivalem às águas do rio Aquelou, mãe das sereias que têm Calíope por pai. Segundo a lenda, as sereias  atraiam os marinheiros com seus cantos harmoniosos e mágicos. Muitos de tais marinheiros perderam a própria vida para ouvi-las. Ao nosso poeta porém, não interessam as sereias da Sicília, seu interesse único eram as sereias das Minas Gerais - prefiro as mineiras, serenas sereias. 

           

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(1) Josefa Martins Lopes Sampaio (Jô Sampaio), graduada em Letras, especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira Contemporânea, mestra em Literatura e Crítica literária, Professora aposentada e docente do Ensino Superior na UEG.



PUBLICAÇÕES:

Contradições - Contos, crônicas e poemas
O Tema Exílio na Lírica moderna - Ensaio
A Trapesista - Contos e crônicas
Nina - Literatura infantil
Duelo Atemporal - poesias
Estudos da poesia de Coelho Vaz - ensaio
Mito e existência no ócio da Via Sacra - Ensaio
Participação em várias antologias.

 









E, agora, o poema:










Cálidas Mineiras em Termas Goiás
                                    


Morenas mineiras,
serenas sereias
de tetas pequenas
e nádegas plenas
(abundantes).

Sóbrias maneiras
de moças faceiras,
saudáveis mineiras
de além horizontes
(visitantes).

Nos clubes, nas ruas,
nos lençóis, à lua,
vestidas ou nuas
— é comê-las cruas —
(são suas?).

Em termas piscinas
as vejo meninas;
mineiras maneiras,
morenas apenas,
sereias serenas
louras vindouras
(gatinhas. São minhas?).

Negras, castanhas,
castas, me assanham:
discretas, insinuantes
— prefiro as mineiras,
sereias morenas
de tetas parcas e nádegas fartas —
(abundantes).