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quarta-feira, novembro 24, 2010

Outra carta ao DM

Se, acaso, for necessário voltar a este tema, hei de fazê-lo sem essa conotação de protesto e indignação (esse tom nos textos estressa-me!). Havia dito que o assunto estava encerrado, mas tive de retomá-lo por conta das próprias circunstâncias e, assim, inseri informações que vão se tornando históricas. L.deA.





Homenagens inconsistentes



Em 1979, era eu repórter do semanário Cinco de Março e cobria a Câmara Municipal de Goiânia. Não era a minha única função: gostava mesmo de reportar coisas das ruas, problemas e situações urbanas, de modo que noticiar os trabalhos do legislativo municipal era um complemento às demais tarefas da semana.

Recordo-me bem do clima de festa ante a ocorrência da Anistia, seguida da “permissão”, pela ditadura (então já em agonia), para a criação de cinco partidos, substituindo o MDB e a ARENA, de triste lembrança; a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) não renovava nada, sequer equivalia a um campo de conflito, já que o conflito era armado e nas ruas. Desde a ação mais truculenta, institucionalizada pelo general Emílio Garrastazu Médici, então no plantão da Presidência da República, a luta era armada somente do lado deles.

É incrível constatar que ainda há pessoas – e entre elas que seguram o pau da bandeira apenas por ouvir dizer, e ouvem de um só lado – que manifestam saudades do arbítrio. E mais incrível ainda é constatar que essa gente expressou seu mais legítimo apoio a José Serra, esquecendo que ele presidiu a UNE, que a UNE nunca foi da direita, que o moço presidente da UNE discursou ao lado do Presidente Jango no famoso comício da Central do Brasil que foi apontado como o estopim do golpe de 1º de Abril de 1964.

Alinham-se entre estes saudosistas da tortura gente como aquele capitão deputado – uma espécie de reencarnação do deputado (e repórter mau-caráter) Amaral Neto. E, fora do parlamento, residentes em Goiânia, os que reclamam do excesso de homenagens a Pedro Ludovico em Goiânia.

Já ouvi esse conceito (o do excesso de  homenagens) de pessoas de serviço em vários governos, desde os tempos em que atuei como jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Goiânia, na década de 1980, até os que há pouquíssimas semanas insistiam que a estátua de Pedro Ludovico estava muito bem nas costas da praça que leva seu nome.

Pergunto, fazendo coro a uma jovem com quem conversei sobre isso, se é digno aplicar-se uma comenda nas costas do homenageado. A moça respondeu-me que não, que lugar de medalha é no peito. E riu-se da analogia por mim sugerida entre o tórax humano e a praça.

Vá lá: de fato, são muitas as homenagens a Pedro Ludovico em Goiânia. Uma delas é uma avenida que começa no Setor Sudoeste e vai terminar no ponto em que a avenida (nesse trecho, com quatro pistas, sendo duas centrais e duas laterais) passa do domínio do Município para o do Dnit – a BR-060, trecho Goiânia-Guapó.

Tinha o Estádio Olímpico, que se chamava Pedro Ludovico (e o nome sumiu); tinha o Parque Agropecuário, que também era Pedro Ludovico (e de novo o nome sumiu). E naquele 1979, na Câmara Municipal, o nosso querido primeiro prefeito, Professor Venerando de Freitas Borges, pelejou com todas as palavras e premissas Possíveis para demover os dezessete vereadores (sim, eram só 17, mas hoje são 35; o quantitativo dos táxis, porém, continua o mesmo). Contou o velho mestre e político que Dr. Pedro não gostaria de ter seu nome na Praça, pois já demovera o arquiteto projetista da cidade, Atílio Correia Lima, de apor seu nome na principal avenida da cidade; o próprio interventor teria sacado sua caneta, riscado o nome “Avenida Pedro Ludovico” e, com uma frase definitiva, impôs o nome que perdura:

– Vamos homenagear minha cidade.

E escreveu na planta “Avenida Goiás”.

De nada adiantou: a edilidade goianiense forçou a barra. Nós, os jornalistas que a tudo assistimos, tentamos, por nossas notas, levá-los a rejeitar a proposta e acatar o que dizia o Professor Venerando. Pedro falecera em agosto e naquele final de ano a Praça Cívica recebeu seu nome, enquanto a Rua 26, a do endereço do fundador, ganhava o nome de sua mulher: Avenida Dona Gercina.

Após o incêndio no Centro Administrativo, o governador Marconi Perillo, ao reinaugurar o prédio começado por Mauro Borges e concluído por Leonino Caiado, pôs nele o nome de Pedro Ludovico.

Então, são três as homenagens ao fundador: uma praça, um palácio administrativo e uma avenida.

Sobre o Palácio, devo dizer que algumas fotos o enfeitam, no térreo. E em torno das fotos, um texto ufanista, bem na medida do necessário, porém cheio de erros de datas. Certa vez, nos últimos meses do governo de Marconi Perillo, mostrei ao coronel PM que administrava o edifício aqueles erros; marquei-os e passei-lhe às mãos, sugerindo as correções. Fui chamado por um auxiliar direto do governador que me “explicou”:

– Não vamos corrigir, por enquanto, porque o arquiteto Fulano vai se sentir ofendido.

Ah, é?! As tais “razões de Estado”, muitas vezes, não têm qualquer razão... E, assim, o erro ficou lá. Ainda está, confiram! Dentre outros, diz (o texto) que a construção teve início em 1965, no governo Mauro Borges. Ora, cheguei a Goiânia em agosto de 1963 e subi três lances de escadas para ver uma exposição de fotos da história da jovem cidade. E Mauro Borges foi deposto pelo Marechal Castelo Branco em novembro de 1964. Logo...

Quanto à avenida, devo dizer que ela começa justamente entre os setores Sol Nascente, Sudoeste e Conjunto Romildo Amaral; segue em direção à Cidade Jardim, vira à esquerda e bate no paredão do sobrado que contém as salas de aulas do Centro Universitário Anhanguera. Além das faculdades, também o SESC e o SESI obstruem o que seria o leito da Avenida, que ressurge com esse nome na Vila Canaã, naquele ponto de comércio de ferro-velho.

Finalmente, a Praça Cívica; o povo, trinta anos após a Câmara sacralizar o nome de Pedro Ludovico, continua dizendo Praça Cívica.

O tal de Monumento às Três Raças, em que pese o talento de Neusa Morais (impecável em sua arte), foi encomendado justamente para que de lá se removesse o obelisco – foi uma das primeiras agressões do Poder ao fundador. Hoje, parte dos moradores da cidade acham aquele monumento mais importante até do que a memória de Pedro Ludovico.

O interessante de se notar é que, em 1979, os dezessete vereadores teimaram, forçaram a barra – na melhor das intenções, é bom que se diga – para homenagear o fundador com a Praça do Governo. Hoje, apenas um dos trinta e cinco vereadores preocupa-se em que não se menospreze o ídolo.

– Ah, mas é homenagem demais!

A frase do então secretário ainda me dói nos tímpanos. Ele, o então secretário, sabe bem que, em Cuba, uma figura dos tempos da independência é multi-homenageado, também. Refiro-me ao jovem poeta José Martí, que lá é nome de rodovia, avenida, escolas, aeroporto e mais um não sei quantas coisas. José Martí morreu em combate aos vinte e oito anos!

No Brasil inteiro, toda corrutela tem uma rua, ou avenida, ou escola com o nome de Presidente Vargas. Ou de Rui Barbosa – notável pelo domínio da Língua e do Direito, discutível no proceder político. Aliás, os adeptos do “politicamente correto” precisam conhecer um pouco mais desse homem. Ele mandou incinerar o arquivo relativo à escravidão, alegando ser indispensável “apagar da memória” aquele mancha. Anos depois, em discurso no Senado, após ser derrotado pelo Marechal Hermes da Fonseca na disputa pela Presidência, acusou o vitorioso rival de tolerar, nos jardins do palácio, o “bodum das senzalas”, referindo-se ao grupo de dança da musicista Chiquinha Gonzaga (obviamente formado por negros).

Enquanto isso, Goiás peca por não homenagear Juscelino Kubitschek, o presidente que interiorizou o Brasil. Peca também por permitir que generais truculentos, mandantes de perseguições e assassínios, sejam nomes de escolas, pontes, ruas... Peca ao inserir em seus endereços nomes de barões e marqueses – Goiás não teve entre seus filhos ninguém agraciado com as honrarias do Império senão quando aqui já chegavam com seus títulos.

Felizmente, a malfadada inauguração do dia 18 passado não aconteceu. As carpideiras do efeito das urnas lamuriam pelos cantos, repudiam os descendentes do fundador, atribuem a Mauro Borges uma carta que dizem ter sido assinada por ele (é possível; mas certamente não foi redigida por ele e conseguiram envolvê-lo em intenções não muito bem explicadas), carta essa em que o ex-governador, filho de Pedro, indicava a Serrinha como local para se instalar a estátua.

Agora, é conseguir do próximo governo a sonhada edificação de um Memorial do Pioneiro. José Mendonça Teles, que realizou ampla homenagem aos primeiros habitantes da cidade, tem esses nomes. As famílias estão aí para colaborar, fornecendo dados e material (documentos, fotografias etc.). E certamente não faltarão quando se fizer a festa de entrega da obra ao povo, e junto com ela a fixação da estátua em lugar de honra. No meio da praça. Feito uma medalha no meio do peito.

Luiz de Aquino
Escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



Um comentário:

Klaudiane Rodovalho disse...

Oi!
Li sua última crônica, concordo com seu posicionamento.
Acredito que homenagem tem de ser sincera, carinhosa mesmo, sem viés político, é um ato de agradecimento. Se pensarmos na história de vida de cada um que construiu esta cidade... Conversei com a professora Eleuzenira e numa conversa descontraída ela comentou sua dissertação sobre a participação dos Nordestinos na construção de Goiânia, foi fundamental, famílias inteiras vieram, se estabeleceram e acreditaram em Pedro Ludovico. Eu mesma conheço um deles, ele veio à pé de Correntina e em sua casa simples, na sala de visitas tem um quadro lindo com carros de boi atravessando a Praça Cívica. È um senhor de 90 anos que respeita e reconhece com sinceridade a importância de Pedro Ludovico para Goiânia, percebo que o mesmo não acontece conosco que somos daqui. Pedro Ludovico merece nosso respeito, colocar nome em praças, ruas e fazer estátuas para atos políticos pode até trazer mágoa; deveríamos reverenciar estas pessoas sob um olhar mais amplo. Já vi jovens dizerem" quem é esse?"; com paciência explico o lado humano e pioneiro da pessoa, muitos desconfiam dessas homenagens porque possuem a impressão negativa de atos políticos , nem suas famílas se sentem bem , com tais homenagens.