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quinta-feira, julho 28, 2011

Língua e Matemática





Língua e Matemática


As quatro disciplinas, ou matérias, que marcaram o curso primário do meu tempo definem-se pelo que há de absolutamente indispensável na vida: a comunicação, a noção de medidas, a pessoa em seu tempo e a pessoa em seu espaço. Assim, definimos Língua, Matemática, História e Geografia. Tudo o mais nasce daí; ou está contido nessas quatro matérias.

Morro de rir de pessoas (conheço várias) que afirmam não gostar dessa ou daquela disciplina. São, geralmente, pessoas muito falantes e algumas delas leitoras dedicadas de livros, jornais e revistas. Ou seja, pessoas incapazes de viver sem se comunicar e, ao ler, aplicam-se nos terrenos da Matemática, da História e da Geografia – e, sem conhecimento da Língua, não transitariam por nenhuma informação.




Durante o jogo Santos e Flamengo, na noite da última quarta-feira, Júnior, craque do Flamengo lá pelos idos da década de 1980, hoje comentarista da TV Globo, respondeu, quando lhe perguntaram se foi bom em matemática: “Muito! Tanto que virei jogador de futebol”. A ironia sugere o contrário, isto é, por não ter sido bom aluno, fez-se boleiro. Pensei: será que ninguém disse ao Júnior que o tirocínio, a velocidade, a noção de espaço e da força ao chutar, o gingado, as distâncias, o número na camisa, o horário, o tempo de jogo e os acréscimos, o placar – tudo, tudo o que os atletas fazem são medidas? Ou seja, Matemática?

Tempo de espera, datas, idades, localização, distâncias... Até mesmo a fome é um resultado matemático, uma equação entre o que se comeu, a quantidade, a constituição do alimento e o organismo que o consumiu; a natureza do corpo faz a equação e determina o momento (a hora) em que aquele corpo precisará comer novamente.
Então, volto ao leitor a que me referi. Ele lê o jornal de hoje, ou a revista da semana, do mês; quer saber dos fatos, e só faz isso porque sabe ler. Absorve-os, ao informar-se, e a tais informações agregam-se muitos, muitos números, muitas medidas. Isso está no noticiário político, no da cidade, no de esportes e no de economia. Em todos eles, os números são  indispensáveis. Datas, preços, alíquotas, percentagens, projeções, tempo, horários, quantitativos vários...

Ultimamente, as autoridades e os jornalistas de vários segmentos, especialmente os de política e economia, alinham-se aos professores para empenhar-se num melhor ensino e aprendizado da Língua e da Matemática.

Claro! Sem saber a Língua, ninguém aprende nada; e quem aprender bem a Língua, está apto a aprender qualquer coisa. Dizem os pedagogos que quando aprendemos a falar já elaboramos as regras gramaticais; e, por analogia, quando aprendemos a andar já processamos o raciocínio matemático. Curiosamente, lembro-me de ter lido um texto, lá pela minha adolescência, que o processo racional da Língua é o mesmo da Matemática. Ou muito parecidos. Não sei, não posso ir além do que li, mas sei que a intuição humana nos dá bem a noção das regras fundamentais da gramática, bem como nos permite, ainda que desconheçamos números e contas, o domínio da relação entre nosso corpo e o espaço e os obstáculos do ambiente.

Mas os mestres, os jornalistas e os profissionais que trabalham a qualidade do ser humano no Brasil têm razões aos milhares para se preocupar com a Educação. Infelizmente, temos ouvido e lido horrores em falas e escritos elaborados por profissionais de nível superior em total confronto com o modo de falar correto. Ninguém exige que todo profissional de terceiro grau seja literato, apenas que tenha boa desenvoltura ao falar e escrever. Da mesma forma, os cálculos elevados ficam para matemáticos, engenheiros, economistas e contadores, mas todos precisamos conhecer coisas corriqueiras que a Matemática nos pede nos vários momentos de um dia. E muitas são as pessoas que calculam intuitivamente tudo o que se faz necessário: espaço, área, volume, tempo, juros etc.

Por essas e outras é que me divirto com os que dizem “não gosto de Matemática” ou “a Língua Portuguesa é muito difícil”. Não é, não é e não são... Difícil, realmente, é aprender com perfeição qualquer coisa. Desde jogar futebol até ensinar nas escolas.

Diz aí, Neimar! Não é mesmo, Ronaldinho?  





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sábado, julho 23, 2011

Respeito aos vizinhos

Respeito aos vizinhos



Fatos da semana… em qualquer ano. Escolho 1969, e o dia é 20 de julho, de férias escolares, noites frias e a vida urbana ainda incipiente em Goiânia, então com cerca de 400 mil habitantes. Comia-se comida caseira, ou roceira (restaurantes eram locais de lazer), fins de semana eram para os clubes e as festinhas familiares (campineiros não deviam vir a Goiânia; goianienses não deviam ir a Campinas); o bar da moda era o Bebedouro, na contra-esquina da Rua Três com a Avenida Araguaia. Bons estudantes ingressavam em escolas públicas, os demais castigavam os pais com as mensalidades escolares. Os filmes em evidência, que aqui chegavam meses depois de estrearem no Rio de Janeiro e em São Paulo, eram A Primeira Noite de um Homem e Ao Mestre com Carinho.

No dia 20 de julho, o mundo parou diante dos aparelhos de tevê: o homem pousava na Lua. Se não me falham os neurônios, era domingo. Eu lecionava Geografia em dois colégios estaduais – o Dom Abel, no Setor Pedro Ludovico, e o Liceu de Goiânia, no centro. Fartei-me de revistas, jornais e publicações em riquíssima policromia, distribuídas no escritório goiano da Unisys, órgão de divulgação do governo dos “irmãos do norte”.


Ah, mas não recordo isso por mero saudosismo, não! O “nosso satélite” era chamado, também, como o “astro vizinho”, ou corpo celeste mais próximo... E cultivava-se a ideia da solidão total no satélite (meninos! Satélite é um astro que orbita em torno de outro; as geringonças de alta tecnologia que o homem, desde a década de 1960, lança ao espaço próximo são os “satélites artificiais”). E por acreditarmos nesse vazio, “fomos” lá sem o receio de sermos considerados invasores e, nesse caso, haveria o risco de uma rejeição nada amistosa.


Vizinho, pois, é a palavra!

Vizinho merece respeito. Como disse, se a Lua fosse povoada por, digamos, gente parecida com a gente, a Apolo XI teria sido bombardeada no espaço; ou, se conseguisse chegar perto, e com isso liberasse o “módulo lunar”, o Eagle, este não pousaria em paz; e se o conseguisse, seus ocupantes seriam presos e possivelmente um deles seria sacrificado para estudos.

Harmonia possível, quando ninguém abusa...





Estar bem com os vizinhos é regra fundamental de cidadania. Nada de jogar detritos no quintal do próximo; mas, também, nada de expandir os sons de seus potentes aparelhos para infernizar os ouvidos dos ocupantes da casa ao lado. Agora mesmo, autoridades ambientais do Estado e de vários municípios buscam ações conjuntas para conter os abusos. 


Muitas vezes, os vizinhos agredidos preferem fingir que não ouvem; há os que até saem de casa... Dia desses, cometi a má educação de recusar um almoço para o qual fora convidado porque meu sistema nervoso não aceitou o abuso do vizinho dos anfitriões: à porta da casa ao lado estacionaram um carro, abriram-lhe as portas, enfeitadas com alto-falantes de muitas cores e espalharam por toda a vizinhança o som agressivo de músicas modais, de propósito consumista de fácil aceitação, ofendendo os de gosto mais apurado – que, infelizmente, sempre são minoria em qualquer lugar.

“Os incomodados que se retirem”, diz o clichê antigo, cunhado certamente por quem se sentia seguro por integrar a maioria de mau gosto em qualquer circunstância. Senti-me incomodado, retirei-me. Na varanda da casa ao lado, alguns jovens refestelavam-se, orgulhosos do carro do visitantes e de sua parafernália sonora. Sentiam-se como Aldrin e Armstrong, os astronautas que pousaram na Lua.


Só que, na Lua, não morava ninguém; ninguém se ofendeu; ninguém se sentiu invadido ou molestado.

Já nas cidades brasileiras... Ah!


* * *



terça-feira, julho 19, 2011

Dois poemas acerca da Ponte do Carmo, a de Pirenópolis

(Para Adélia Maria Batista)

Dos rios nascem sonhos, desejos, esperanças… E cidades! Pirenópolis – em Goiás, Brasil – nasceu do Rio das Almas, os homens bandeirantes, aventureiros em busca de ouro. No princípio, era Minas de Nossa Senhora do Rosário de Meia-Ponte; depois, Meia-Ponte e, por fim, Pirenópolis. Essa ponte liga o centro da cidade ao Alto do Carmo; é sustentada em pedras, por colunas fortes de aroeira, árvore típica do Brasil; e também em aroeira tem suas vigas. Bonita ponte do Carmo, sobre o Rio das Almas!
Viajei curto percurso


só para fazer a fotografia,

pois Adélia me exigia…

Aqui, portanto, Dra. Adélia, vai mais um poeminha (a palavra aroeira pode ser mantida; ponha-a em itálico, quando traduzir).
L.deA.

 


A ponte no Rio das Almas


Aquela é a Ponte do Carmo, 
em madeira de aroeira, pintada
de branco e vermelho.


Une dois lados da mesma cidade,
Pirenópolis de agora 
(Meia-Ponte, outrora).

Lado sul é margem esquerda; 
cruzei-a ao norte, direita
o lado que beija o Carmo.


A ponte, o rio,o céu e a lua; 
as casas, o largo, pedras da rua
e ela, sob a ponte, quase nua…



Lembranças de mexer com o amor.
Metáforas de fé e união, as pontes,
os longes, meu coração



a quase sempre sonhar com flores

buscar pessoas, ofertar-lhe as mãos…
Viver de amores!

........................................



Ponte do Carmo

Rio desce cantando e cresce,
bebe do fundo da terra,
sorve das margens.


Desce da serra  e corre
nervoso, decidido e forte,
lava barrancos e corpos;


mata sede e já nos deu ouro;
oferta banquetes: tenros piaus,
e traíras (nada traiçoeiras).


Tem nome de dor,
esse Rio das Almas, das minas
e muitas cascatas.


Bem perto do Carmo, a Ramalhuda;
debruçada nas pedras
faz cachoeira sob a ponte.


Ah, a ponte do Carmo! Abrigo
discreto de amor secreto
cantado em soneto...



Beijar a terra e Meia-Ponte;
banhar Rialma e Ceres, correr certeiro
rumo ao norte.


E então, dando a mão ao Maranhão,
despede-se de mim
p’ra se fazer Tocantins.
.....................



Crítica de Mariana Galizi:

Luiz!
Percebi a leveza distintiva tua na poesia.
Há nela um jogo sutil de figuras de linguagem que a tornaram muito bonita, gostosa de digerir.
Gosto bastante da personificação e hipálage. É algo quase místico isso, além do poético que carrega, transformar o inanimado em algo vivo, pulsante. Faz parecer que nós transformamos o mundo - ou ele nos transforma?
Esse bucolismo todo me anima. Gostei!

Mariana




sexta-feira, julho 15, 2011

A nível de...


A nível de...



Bastaram-me vinte minutos de um programa jornalístico para ouvir uma série infindável de atentados contra a língua portuguesa. A primeira delas, a famosíssima “a nível de”, que muitos neomandatários de cargos públicos, eleitos ou nomeados, usam a bel-prazer. Coitados, nem percebem que a expressão é totalmente dispensável. Eles dizem: “Assim que constatarmos a irregularidade, a Sema a nível municipal será informada”. Bastaria informar “a Sema municipal” (pressupondo-se existir a Sema estadual).

A título de curiosidade: há mais de dez anos o nosso José J. Veiga, escritor goiano muito mais lido, respeitado e admirado em qualquer lugar do Brasil que não seja Goiás, levantou a lebre e o caso foi divulgado por uma das duas maiores revistas semanais (Veja ou IstoÉ); a palavra “nível” pede a preposição “em” – a isto se chama regência – e não “a”. Portanto, o correto seria dizer “em nível de”, mas qualquer frase prescinde da expressão, que além de desnecessária resulta em empobrecimento de estilo e de um pedantismo... brega.

Brega também é o entrevistado que, influenciado por jargões acadêmicos (estranhamente, boa parte das incorreções de linguagem vem dos meios universitários), começa sua resposta a qualquer pergunta com um antipático “veja bem”. Quando não é isso, um adereço linguístico dos mais pernósticos está na adaptação semântica inadequada: “O professor, enquanto ser humano...” é uma frase que nos deixa a pensar: se ele é ser humano dentro de uma condição, o que ele é em definitivo?

Outra: a palavra “onde”, que sempre foi um advérbio de lugar, passou, nos últimos anos, a ser usada como advérbio de tempo em construções do tipo “houve uma reunião onde ficou decidido...”. Aliás, confusões entre tempo e espaço transformam história em geografia e vice-versa, como “a festa programada para a noite de hoje foi transferida para a próxima quarta-feira”. No que me consta, esse evento foi adiado, e não transferido, pois transferir implica mudança de lugar, não de tempo.

Nesses vinte minutos de audiência, por volta das sete e meia da manhã, os disparates não vieram só de entrevistados, os repórteres são os que mais cometem agressões contra a língua. Isso é fácil de entender: estudantes dos cursos de comunicação refutam solenemente qualquer ensinamento de língua portuguesa pois, entendem eles, desde que passaram no vestibular, são donos da comunicação. E comunicação é, basicamente, falar e escrever. “A maioria dos casos foram constatados” bem juntos com “foi mandado livros a mais”.

Nos anos de 1980, uma propaganda do BEG (Banco do Estado de Goiás) dizia: “É nos piores momentos que se conhece os melhores papéis”. Briguei muito para consertar a concordância, mas publicitário é outro tipo de profissional que distorce a língua oficial como bem entende; e como o cliente não é letrado, a coisa vai... Agora, é a cerveja que desce redondo. Redondo, neste caso, virou advérbio de modo.


* * *


Crônica publicada aqui no DM em abril de 2001; integra meu novo livro – Ah, língua brasileira! – a sair na coleção Goiânia em Prosa e Verso, da Secretaria da Cultura / Prefeitura de Goiânia. L.de A.

domingo, julho 10, 2011

Jindungo no mutungo do gajo é sumo


Jindungo no mutungo
 do gajo é sumo (*)




Amanheço mais tarde que o sol. Afinal, não tenho compromissos com a aurora. Amo a madrugada, mas somente em sua primeira metade, pois que a segunda se reserva aos da lida dos campos, especialmente os da ordenha, ou dos trabalhadores padeiros, motoristas de transporte coletivo e de carga, pilotos de aviões conforme a escala de trabalho, os da saúde e tantos mais. Meu ofício de escriba induz-me, ultimamente, a um estar solitário e a alegria do convívio elejo-a em encontros marcados em grupos pequenos.

Em matéria antecipada sobre a Copa da Alemanha, fico sabendo que dentre os males do nazismo os alemães vivem, há sessenta anos, uma espécie de recalque: não se demonstram patriotas nem nacionalistas senão quando “os nacionais” entram em campo. “Os nacionais” é como eles lá se referem à sua seleção de futebol. Aí, pintam-se nas cores da bandeira, embora o uniforme dos “nacionais” seja branco; cantam o hino; gritam “Dóite! Dóite” (DeutschDeutsch!), ou seja, “Alemanha! Alemanha!”.

A diferença? A cor da pele, a língua e as cores das flâmulas tremulantes. Entre nós, o verde-e-amarelo brilha mais belo, mas “Brasil, Brasil!” soa tão emocionante quando “Dóite, Dóite!”. E, entre nós, as discussões infindáveis sobre as mazelas que nos chegam pelos canais de notícias implicam, sim, um patriotismo renascente. Graças a Deus!

E é aí que entra a Bolívia de Evo Morales. Evo... Será que a primeira-dama de lá se chama Adã, hem? Deve ser... Bem, Evo Morales é filho político híbrido (tomara!) de Lula com Chávez e, parece, afilhado de Fidel. Lula tenta uma reeleição e, nisso, segue mais uma vez o passo trocado de “Fernando II, o Henrique,” infelizmente. Aliás, Lula tenta reviver JK (coitados... de Lula porque jamais atingirá a condição do último estadista brasileiro; de JK, porque Lula pensa mesmo que o repete), mas consegue reproduzir o neoliberalismo que tanto condenou em seu antecessor, omite-se como Sarney diante de denúncias do óbvio e, ainda que não se tenha dado conta, faz-se clone do marechal Castelo Branco na questão da Varig: Castelo mandou fechar, arbitrariamente, a Panair do Brasil. Se depender do governo, fecha-se a Varig.

E lá vem o Evo... Culpamos Lula? Sim, pelo desfecho. Mas a cagada vem de FHC, que pôs aquele francês de nome impronunciável na presidência da Petrobrás (não estou errado, não; em respeito à língua portuguesa, evoco a primeira marca, que conheci criança e insisto no acento). Um investimento bilionário na Bolívia, sem garantias? Que história é essa? E não venha a esquerda descendente do muro de Berlim alegar “princípios ideológicos” para acatar o prejuízo, não. Alguns mal-formados dizem que há cinqüenta anos gritamos “o petróleo é nosso” e, por coerência, temos de entregar a rapadura aos bolivianos. Não, senhor! Nossos presentes à Bolívia já são o bastante: a presença da Petrobrás na Bolívia eleva substancialmente a qualidade de vida local; Lula já perdoou dívida deles; e, por fim, embora absolutamente ilegal, ponho o dedo na ferida e digo que nosso imenso território tem servido de escoamento para a cocaína produzida ali.

Então, tolerantes leitores meus, não tenho receio em dizer, mais uma vez, que sou patriota, sim. Sou nacionalista, sim. E não engulo passivamente esse golpe do marido da “Adã”. O populista da coca que se enrede no chá e no pó que lhe rende divisas escusas, mas que respeite a Petrobrás.

No mais, atentem para o título: notem que é uma frase de língua portuguesa, mas com palavras de linguagem angolana (não sei de que tribo, mas foi o Oto quem me ensinou), que se traduz, em bom “brasileiro”: pimenta no cu do outro é refresco.



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(*) Crônica publicada em maio de 2006; integra meu livro "Ah, língua brasileira!", a sair brevemente. L.deA.
Ilustraçao: Equipe do DMRevista.

sábado, julho 02, 2011

Louvação ao Mestre Mário Rizério




Louvação ao 
Mestre Mário Rizério


É da praxe. Ou melhor, é da tradição acadêmica. “Abrir vaga” é jargão fluente nas Academias de Letras, significa que um dos membros encantou-se, ou seja, atingiu o dia imprevisível em que sua cadeira será oferecida para que, em sufrágio entre os “imortais”(ouro jargão das academias brasileiras), um novo membro seja eleito.

Ao tornar-se acadêmico, isto é, ao ser eleito, a ritualística seguinte é a solenidade de posse. Geralmente, e estatutariamente (no caso da Academia Goiana de Letras) cabe ao presidente escolher o acadêmico que discursará para que a Casa receba seu novo membro; na prática, novel acadêmico sugere ao presidente o nome de alguém entre os imortais e o presidente, com inegável gentileza, acata.





Quando do desencarne de um imortal, o presidente convida um dos acadêmicos para proferir o panegírico ao morto. Panegírico é uma palavra erudita, pouco usual, mas costumeira nos sodalícios das letras. A escolha recai sempre sobre alguém que tenha demonstrado grande amizade ou afinidade com o imortal pranteado. E afinidade é uma palavra um tanto ampla, implica amizade, coincidência de gostos, de modo de vida, de perfil social e até mesmo moral. Há casos, obviamente, em que vários dos 39 membros remanescentes enquadram-se entre os que demonstram aptidão para a incumbência, e isso pode sugerir ciúmes ou melindres, mas tal não acontece – no geral, ocorre imediatamente um consenso e é bonito de se ver que, entre os mais cotados, uma espécie de eleição ou indicação informal resulta na indicação rápida de quem proferirá o discurso de homenagem.

O ciúme, muitas vezes, costuma ocorrer quando da posse. Nestes casos, já presenciei alguns cotovelos ligeiramente feridos, para usar um jargão mais comum, frequente além dos limites das medalhas e dos fardões.



Leda Selma de Alencar

O escritor Mário Rizério, padrinho de uma das irmãs de Leda Selma, sabia bem dos dotes e riquezas literárias de Leda Selma. E ela firmou atestado já nas primeiras linhas de seu discurso, ao falar do nascimento do velho mestre:

A lua, em quarto minguante, minguava de luz as noites, porém, uma outra luz, promanada do ventre de Deolinda Rizério de Moura Leite, brilhou: Mário, cujo fôlego, mostrado no chororô vigoroso, indicava uma criança saudável”. 

Na última quinta-feira, a Academia Goiana de Letras reuniu-se em torno da memória do escritor Mário Rizério Leite. Sou capaz de imaginar o velho mestre (que não teve paciência para esperar mais um ano e meio para que festejássemos seu centenário) registrando, numa página de suas últimas vontades, o nome de Leda Selma de Alencar para sintetizar os sentimentos de tantos quanto, vivos ou falecidos, com ele desfrutaram momentos ricos na Casa Colemar, a sede da AGL na esquina da Rua Quinze com a Rua Vinte, no centro histórico de Goiânia.


Nas linhas seguintes, que preencheram onze páginas em Arial corpo 14, Leda contou das vivências estudantis, como colegial interno (contemporâneo de Jorge Amado) e como acadêmico de medicina; pinçou fatos (difícil de ecolher, hem, Leda? Uma vida rica como a dele!...) e deu tons de rica aquarela na palheta que foi a vida de Mário Rizério, baiano de várias cidadanias, goianizado pela determinação e pela prática de médico, músico, escritor ficcionista, marido e pai de goianos (e, obviamente, feliz com os títulos nobres de avô e bisavô... de goianos!).



A prática acadêmica pede liturgias, e uma delas é a Sessão Magna de Saudade; Mário Rizério sabia que vários imortais disputariam a honra de falar sobre sua vida, poucas semanas após a despedida de entre os vivos – mas coube a Leda, uma sobrinha honorária, de origem baiana como ele, e como ele também goianizada por razões semelhantes, a honraria. E se a alguém ficou uma pitadinha de ciúme, a fala de Leda Selma desfez o mau sentir, e ela concluiu o panegírico com nova evocação à Lua (o geógrafo em mim entende que o nome do satélite é substantivo próprio):

A lua, lindamente cheia, velou sua última noite. E, na manhã seguinte, 15 de maio de 2011, o sol, sem nenhuma alegria, fugiu pela janela do seu quarto, para anunciar que, aos 98 anos, Mário Rizério Leite havia se estrelizado. Sua bênção, meu mestre!”.








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