Razões de mestre (ainda)
No meu blog, recebi comentários sobre a crônica anterior, “Razoes de Mestre”, de escritores e professores, além dos leitores habituais. Boa parcela enriqueceu meus argumentos, listando falas e palavras ouvidas de pessoas com grau universitário. Quero enfatizar um dos comentários, do meu jovem e admirável amigo Guga Valente, que ensina na área de Letras, no Ensino Médio privado:
“Caro Luiz, não sei se somos de épocas diferentes - daí talvez minha visão ser tão distinta da sua - mas desde que cursei Letras, entendo que há uma diferença enorme entre o falar e o escrever. (…) As mudanças de classe, por exemplo, citadas na crônica, ocorrem naturalmente, pois a língua é viva, dinâmica e muda conforme as necessidades dos falantes.
Nas provas comuns do cotidiano (concursos, vestibulares, escolas) os alunos se saem melhor em interpretação textual (acredite!) que nas exatas. É o famoso: ‘no portuguêis eu sô até bão. O que me aderroba é a matemática’.
Sou da visão de que não devemos ser tão rigorosos com algo que é tão flexível”.
Guga continua – e aqui o contesto, com dois apoios indiscutíveis (e só os cito em respeito ao empenho dos missivistas):
“Veja você, se fôssemos levar a ferro e a fogo toda observação de regras, na sua crônica você deveria ter concordado o verbo "passar" no plural, pois se referia a um sujeito igualmente no plural:
"Conheço ene professores de Letras que não conseguem entender o que é regência. Concordância, então, passa longe..."
Agora, caso você me diga que esqueceu de digitar um 'm' depois do "passa", eu vou entender que nossa cabeça processa o que se quer dizer de um jeito diferente na fala e na escrita, como geralmente ocorre mesmo. Ou de repente, por questão estilística, você tenha optado por concordar o "passa" com "ene".
Guga não percebeu: o sujeito de "passa" é "Concordância", e não "professores" nem “ene”.
Nessa esteira veio o jornalista Nilson Gomes: “Estaria errado se fosse "De concordância, então, passa longe", porque a referência seria à oração anterior, comandada por professores. Nesse caso, não há sequer o que discutir, já que a chefe é Concordância”.
A professora carioca Sueli Soares ratifica: “O período por ele questionado possui quatro orações, sendo que a última tem como sujeito o termo "Concordância". Portanto, não entendi porque (Guga Valente) criou aquele caso. Se estiver errada, a culpa e do meu professor Evanildo Bechara”.
Muito obrigado, Guga, pelo rico comentário. Claro que as línguas – todas elas – são dinâmicas e se alteram sempre. Como autor, uso com frequência construções em desacordo com a gramática. O que eu questiono nesta crônica não é sequer o fato de se falar com os erros costumeiros da linguagem coloquial. O problema, Guga, é que os profissionais a que me referi desconhecem as regras corriqueiras. E ostentam o título de professores, ainda que falem "degrais" e "troféis".
Resumindo: aceito até com doçura o modo costumeiro de se falar; só não aceito que profissionais da língua a usem como um bêbado dirige um automóvel.
Bem: Guga imagina que radicalizo por ser de uma geração antiga, talvez ultrapassada. Graças a Deus! Escapei d essa tal “geração ípsilon”. Em crônica recente, “Língua e Matemática”, abordei o conhecimento intuitivo que desenvolvemos de ambas durante a vida: com estudos ou sem eles, as pessoas aplicam ferramentas de linguagem e matemática todo o tempo, e essa talvez seja a defesa maior do professor Guga. Eu, escritor por prática e teimosia (as escolas não nos ensinam a ser artistas e escritores; apenas nos aprimoram), portador de licenciatura (em Geografia) e especialização (em Docência do Ensino Superior), tenho outra visão do processo educacional, Guga. Defendo o princípio de que todo e qualquer cidadão estudante, desde a mais tenra idade e até os umbrais da universidade, tem direito de aprender corretamente. Não cabe a professor algum sonegar-lhe o aprendizado.
A escola tem que propiciar o acesso à língua culta, indiscriminadamente. E a universidade precisa, urgentemente, exigir mais dos alunos. Diplomar professores que não sabem falar sem erros grosseiros e bacharéis que não logram aprovação em exames da Ordem dos Advogados é confessar incompetência.
E o pior: os professores não se submetem a exames pós diplomas; assim, prejudicam a clientela – crianças jovens – por exercer conceitos equivocados sobre a Educação ou por não terem competência para ensinar corretamente.
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