Quebra-línguas na tevê
Ah,
quanta sandice! Não bastassem os jornalistas e atores em cena, além de detentores de cargos eletivos e outros
entrevistados (muitos deles, profissionais liberais, “cientistas” políticos e
até mesmo professores) demolirem a regência, a concordância e a ortografia (nas
legendas de notícias, como na tevê por assinatura), agora inventaram de mudar
pronúncias.
Bem:
lá pelo início da década de 1980, sob os ares da redemocratização e o fim da
censura, muitos profissionais acharam que romper com as regras gramaticais era
insurgir-se contra a autoridade auto-constituída (coisa da ditadura que alguns
imbecis desmemoriados dizem hoje que não existiu; tudo bem: Mahmud Ahmadinejad,
ditador iraniano, jura que nunca existiu o holocausto na II Guerra). A campanha
das Diretas Já difundiu Brasil afora (e adentro) um lema que deveria ser
escrito “Muda, Brasil!”, mas a mídia, obedecendo a um – sim, apenas um! –
publicitário aceitou divulgar “Muda Brasil”, como se a expressão se referisse a
uma mulher que não falava...
A
coisa pegou, gente! Vinte anos depois, outro publicitário, seguidor, talvez sem
consciência nítida disso, do que ordenou “Muda Brasil”, implantou por aí, em
outdoors e pela tevê, nos jornais e revistas, um programa chamado “Acelera Goiás”,
igualmente sem pontuação.
Também
nas últimas duas ou três décadas, a imprensa reinventou a gramática, impondo
pronome oblíquo em início de frases: “Me
considero suficientemente preparado para...” – escreveu um coleguinha
repórter, com a anuência do editor e para bronca do entrevistado, que
dirigiu-se ao repórter exigindo correção: “Moço, sou um professor de Língua
Portuguesa, jamais proferi essa frase e você me comprometeu”, exigiu ele.
Como
disse na primeira linha, as pessoas, na tevê, referem-se ao ano como sendo
“esse ano”, e o mesmo se dá com semanas, meses, não diferem esse de este. São os mesmos que inventaram “Chegou em São Paulo”. E quanto às regências? “A casa que eu morei”; “O
rapaz que eu gosto”; “Já vamos lhe chamar” – são frases comuns nas telenovelas,
nas conversas entre apresentadores e repórteres e entrevistados. O mais triste
é que o consumidor médio desses produtos televisivos acaba apreendendo essas
excrescências como corretas.
Mas,
venhamos e convenhamos: os professores não ensinam corretamente nem exigem dos
alunos (ah! É comum também ouvimos na tevê “e nem”. São duas conjunções
aditivas – uma acrescenta, a outra exclui; e agora?). É que, contam-me eles, o
MEC (sim, o Ministério da Educação e Cultura, sob Fernando Haddad) mandou normativa
(que os professores ficam impedidos de discutir) determinando que, se a
comunicação se fez, esqueça-se a
gramática. E assim, nós, os idosos de hoje, pessoas que concluímos o ginasial
sabendo escrever corretamente e capaz de nos envergonhar se apanhados em
errinhos dessas naturezas, convivemos com profissionais pós graduados que
pagaram para que alguém redigisse seus TCC (isso mesmo: abreviaturas não se
pluralizam), suas dissertações de Mestrado e suas teses de Doutorado (em
maiúsculas, pela dignidade desses
títulos, apesar de alguns titulados).
Agora,
os da tevê chegaram com uma novidade intragável: referem-se à capital de Chipre
como “Nicossia”, isto é, pronunciando o S dobrado e acentuando tonicamente a
palavra do I. Ora, gente, está nos livros de Geografia, nos dicionários e
enciclopédias: é Nicósia, e assim como está grafado deve ser pronunciado. Mas é
que jornalistas televisivos estiveram por lá, cobrindo um jogo da Seleção
Brasileira, e ouviram os nativos dizerem “Nicossía”.
Só
falta voltarem de Londres dizendo que falamos errado, que o nome da cidade é
London. E certamente passarão a pronunciar “parrí” para a capital francesa.
* * *
E, cumprido o dever semanal desta crônica, valho-me agora da mensagem de minha amiga Leda Selma, contida com densidade e carinho, neste poema:
TRANSFORMAÇÃO
Lêda Selma
A travessia é libertária,
e nos transporta para a margem
onde a lua se esparrama,
e o grão brota, cria, recria,
e dissemina ramadas
sob aragens de inverno.
Na libertação, o atalho
para o cimo e para o voo.
E, na bifurcação que atordoa
dilemas, descrenças e medos,
a passagem para o sonho,
e as sanhas em estiada.
Uma PÁSCOA abençoada, a prenunciar boas alvíssaras para a semana que se inicia!
Beijão, Lêda - http://poetaledaselma.blogspot.com