Mãe, segundo Clarice
Dia das Mães, domingo que
vem. Conheço muita gente que torce o nariz, repudia datas festivas – Natal
inclusive – alegando tratar-se de uma data comercial etc. Sim, claro! Todos sabemos que essas
datas são comerciais. Como também o dia do aniversário da gente. E daí? Vamos
festejar! E costumamos festejar com comidas e bebidas, com presenças e
presentes. De minha parte, nada contra!
Alguns amigos torcem o nariz
quando digo isso. Pergunto-lhes: quem consegue viver sem comércio? Compramos e
vendemos de tudo, as relações humanas escoram-se fortemente no comércio desde
que as sociedades se organizaram. E é o comércio o estimulador do
desenvolvimento de praticamente tudo em nossas vidas, desde a escrita e as
viagens – por terra e por mar –, até o desenvolvimento técnico e tecnológico que marca fortemente a
humanidade destes dias.
Só não vou comprar presentes
no Dia das Mães porque não tenho a quem presentear. Mas meus filhos, sim. Essa
data, que o comércio brasileiro tem no conceito de o segundo melhor momento de
vendas, implica também – tal como todas as datas festivas – expressões de
sentimento. E foi quase que sem querer, relendo a páginas salteadas de um livro
(Aprendendo a Viver, de Clarice
Lispector; presente de aniversário da Leda Selma, há alguns anos), achei coisas
assim:
“...fui preparada para ser
dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma
superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma
mulher de uma doença. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma
missão determinada e eu falhei”.
(Clarice Lispector).
Algumas linhas após, num
texto certamente concebido noutra ocasião, noutro dia, mas com um sentir
igualmente ligado à relação maternal, achei essa pérola – esse texto, vou
copiá-lo inteiro. Vejam que coisa linda!:
“Houve um diálogo difícil.
Aparentemente não quer dizer muito mas diz demais.
– Mãe, tire esse cabelo da
testa.
– É um pouco de franja
ainda.
– Mas você fica feia assim.
– Tenho o direito de ser
feia.
– Não tem!
– Tenho!
– Eu disse que não tem!
E assim foi que se formou o
clima de briga. O motivo não era fútil, era sério: uma pessoa, meu filho no
caso, estava-me cortando a liberdade”.
Clarice considera um pouco
mais o seu direito, a sua liberdade de querer ser feia, mas conclui de um modo
sábio. Um modo mãe:
“...eu queria ser feia, isso
representava meu direito total à liberdade. Ao mesmo tempo eu sabia que meu
filho tinha os direitos dele: o de não ter uma mãe feia, por exemplo. Era o
choque de duas pessoas reivindicando – o quê, afinal? Só Deus sabe, e fiquemos por aqui mesmo”.
Essa é Clarice, a eterna. Um
ser capaz de viver a plenitude humana – coisa que a poucos de nós atinge. E se
quisermos ser ligeiramente sábios, não a invejemos: antes, aprendamos com
Clarice Lispector – gente. E mãe.
* * *
3 comentários:
Belíssimo texto. Parabéns poeta LUIZ DE AQUINO. Parabéns a quem ainda tem mãe. Parabéns a todas as mães.Ireci Maria.
Curioso esse defender o direito de ser feio. Já falei sobre as facilidades do ser belo. Quando vemos alguém bonito doente dizemos: coitada, tão bonita. Está bem, se fosse feia, mereceria o sofrimento? O Dia da Mães deve ser sempre comemorado, até por quem não tem mãe, mas tem uma tia querida, por exemplo. Presentear não faz mal, desde que o presenteado ganhe amor também. Mas estou falando bobagem, pois a gente não presenteia quem não gostamos. Assim, estamos conversados.
MÃE UMA PALAVRA LINDA MEU VER,NÃO TIVE FILHOS, MAS ME SINTO TB MÃE DE MUITOS QUE ME RODEIAM, SOU REALMENTE TIA E MADRINHA E TENHO MUITO CARINHO DE 5 AFILHADOS. MUITO BOM SEU TEXTO , PRINCIPALMENTE, INSPIRADO NESTA ESCRITORA QUE TRANSMITE TUDO QUE SE PASSA NA ALMA HUMANA.
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