Ah, esta língua
pátria!
“Nas
muralhas da alcaçova, um ser alígero se posta em atalaia. E intimida-me, o que
me leva a abatê-lo com o báculo. Eu tinha à mão um cabaz com frutos frescos,
recém colhidos, que destinei a corrigir doesto com que, mesmo involuntário,
engazopei pessoa de minha estima.
Longe de mim qualquer intuito de eversão à honra de alguém, ainda que
mero fâmulo, dignamente instalado em grabato e hiante, labrego, com as melenas
em desalinho e tristemente assentado em banco mocho”...
Desculpem-me
pelo texto embolado, ininteligível e um tanto inútil do parágrafo acima. Colhi
essas palavras numa revista de palavras cruzadas e diverti-me em buscar
significados e montar essa historinha besta aí, como se fosse trecho de um
romance incauto de muitas décadas. Há bem pouco tempo, uma amiga psicóloga
entendeu de mim que integro bem o nada modesto exército de hiperativos que
assola a humanidade atualmente viva. Será? Vem daí a minha dispersão em salas
de aula, em missas severas ou mesmo no decorrer de uma partida de futebol? Sim,
que já adormeci em jogo enfadonho no saudoso Estádio Olímpico da Paranaíba com
a Setenta e Quatro.
Sei
de mim que não me aquieto. Quantos livros não deixei a meio porque algo mais
ativo ou dinâmico puxava-me a atenção? Quantos compromissos não ficaram no
esquecimento? E quantos escritos não pararam a meio, entupindo gavetas e
arquivos de computador? O real é que me ocupo sempre, todo o tempo. Se tiver de
esperar, espero lendo ou escrevendo; ouvindo música ou noticiário; vendo; ou...
Escrevi,
certa vez, alguns anos atrás, sobre a minha capacidade de puxar assunto. Se
estou numa fila de banco ou de repartição, sempre acho um tema para a conversa
com o desconhecido mais próximo. E, à falta de interlocutor, encontro detalhes
para atiçar-me a imaginação. Como aquilo de, na minha faixa dos 40 aos 48 anos
– a melhor fase em que fui solteiro – conversar com os livros da estante e os
quadros das paredes. É que cada peça que colecionamos, ou apenas juntamos,
testemunham, para nós próprios, isso que vem a ser nossas histórias de vida.
Exemplos:
nas fachadas de algumas escolas municipais, intriguei-me com coisas assim:
“Escola Mul. Fulano de Tal”. MUL... Viajei no tempo; e encontrei-me com Dona
Guilhermina e Dona Hercília – “donas” por conta do tratamento cerimonioso que
os alunos davam ao que, hoje, chamam “tias”. Elas, ao meu tempo de primário,
ensinavam regrinhas simples sobre abreviaturas para quando tivéssemos de
abreviar algo. MUL. As três letrinha me incomodam. Resisto muito até entender que
aquilo quer dizer “municipal”, pois, até então, entendia que o correto seria
“mun”.
E
as abreviaturas pluralizadas? Abreviaturas não têm plural, aprendi há quase 60
anos! Mas a imprensa, bem como a publicidade, inventam realidades que o
populacho assimila – e no populacho aparecem pessoas “insuspeitas”, como
religiosos, políticos e liberais. E passam a grafar e até mesmo falar “pe-emes”
para policiais militares e “cedês” para compact-discs.
E o escrito, que começou PMs e CDs, agora ganhou apóstrofo – PM’s e CD’s. Onde
estão os sensos crítico e observador dos profissionais que deviam corrigir
isso? Uma vendedora de perfumes convenceu-me a mudar de loja por tanto repetir
“eme-eles” para o conteúdo dos frascos.
Pois
é... temos de ler e ouvir cada coisa! Na estreia dos programas eleitorais na
tevê, um candidato a vereador prometeu acabar com a “almofobia”- sim, isso de
agredirem homossexuais. Mas o meu estranhamento maior fica por conta de alguns
professores que, além de impor “mul” como sendo “municipal”, inovam agora na
abreviatura de sua própria profissão. As professoras, acertadamente, abreviam
“profa.”; e os professores, certamente maus alunos em sua formação, acham pouco
as quatro letrinha “prof.” e, agora, por analogia, abreviam “profo”.
Dá
vontade de não mais sair de casa; nem ligar rádio e tevê.
* * *