Páginas

domingo, agosto 26, 2012

Ah, esta língua pátria!


Ah, esta língua pátria!


“Nas muralhas da alcaçova, um ser alígero se posta em atalaia. E intimida-me, o que me leva a abatê-lo com o báculo. Eu tinha à mão um cabaz com frutos frescos, recém colhidos, que destinei a corrigir doesto com que, mesmo involuntário, engazopei pessoa de minha estima.  Longe de mim qualquer intuito de eversão à honra de alguém, ainda que mero fâmulo, dignamente instalado em grabato e hiante, labrego, com as melenas em desalinho e tristemente assentado em banco mocho”...

Desculpem-me pelo texto embolado, ininteligível e um tanto inútil do parágrafo acima. Colhi essas palavras numa revista de palavras cruzadas e diverti-me em buscar significados e montar essa historinha besta aí, como se fosse trecho de um romance incauto de muitas décadas. Há bem pouco tempo, uma amiga psicóloga entendeu de mim que integro bem o nada modesto exército de hiperativos que assola a humanidade atualmente viva. Será? Vem daí a minha dispersão em salas de aula, em missas severas ou mesmo no decorrer de uma partida de futebol? Sim, que já adormeci em jogo enfadonho no saudoso Estádio Olímpico da Paranaíba com a Setenta e Quatro.

Sei de mim que não me aquieto. Quantos livros não deixei a meio porque algo mais ativo ou dinâmico puxava-me a atenção? Quantos compromissos não ficaram no esquecimento? E quantos escritos não pararam a meio, entupindo gavetas e arquivos de computador? O real é que me ocupo sempre, todo o tempo. Se tiver de esperar, espero lendo ou escrevendo; ouvindo música ou noticiário; vendo; ou...

Escrevi, certa vez, alguns anos atrás, sobre a minha capacidade de puxar assunto. Se estou numa fila de banco ou de repartição, sempre acho um tema para a conversa com o desconhecido mais próximo. E, à falta de interlocutor, encontro detalhes para atiçar-me a imaginação. Como aquilo de, na minha faixa dos 40 aos 48 anos – a melhor fase em que fui solteiro – conversar com os livros da estante e os quadros das paredes. É que cada peça que colecionamos, ou apenas juntamos, testemunham, para nós próprios, isso que vem a ser nossas histórias de vida.

Exemplos: nas fachadas de algumas escolas municipais, intriguei-me com coisas assim: “Escola Mul. Fulano de Tal”. MUL... Viajei no tempo; e encontrei-me com Dona Guilhermina e Dona Hercília – “donas” por conta do tratamento cerimonioso que os alunos davam ao que, hoje, chamam “tias”. Elas, ao meu tempo de primário, ensinavam regrinhas simples sobre abreviaturas para quando tivéssemos de abreviar algo. MUL. As três letrinha me incomodam. Resisto muito até entender que aquilo quer dizer “municipal”, pois, até então, entendia que o correto seria “mun”.

E as abreviaturas pluralizadas? Abreviaturas não têm plural, aprendi há quase 60 anos! Mas a imprensa, bem como a publicidade, inventam realidades que o populacho assimila – e no populacho aparecem pessoas “insuspeitas”, como religiosos, políticos e liberais. E passam a grafar e até mesmo falar “pe-emes” para policiais militares e “cedês” para compact-discs. E o escrito, que começou PMs e CDs, agora ganhou apóstrofo – PM’s e CD’s. Onde estão os sensos crítico e observador dos profissionais que deviam corrigir isso? Uma vendedora de perfumes convenceu-me a mudar de loja por tanto repetir “eme-eles” para o conteúdo dos frascos.

Pois é... temos de ler e ouvir cada coisa! Na estreia dos programas eleitorais na tevê, um candidato a vereador prometeu acabar com a “almofobia”- sim, isso de agredirem homossexuais. Mas o meu estranhamento maior fica por conta de alguns professores que, além de impor “mul” como sendo “municipal”, inovam agora na abreviatura de sua própria profissão. As professoras, acertadamente, abreviam “profa.”; e os professores, certamente maus alunos em sua formação, acham pouco as quatro letrinha “prof.” e, agora, por analogia, abreviam “profo”.

Dá vontade de não mais sair de casa; nem ligar rádio e tevê.

* * *

2 comentários:

Mara Narciso disse...

Ué, tão lindas e importantes suas considerações e ensinamentos, e não tinha nenhum comentário. O povo está muito preguiçoso, tanto nas abreviaturas quanto nos comentários. Gostei muito da aula de Português e do textículo empolado do alto da crônica, conheço meia dúzia de palavras, se tanto e pouco sentido me faz. Faço o mea culpa e de agora em diante não abreviarei no plural, nunca mais. Obrigada, Luiz.

Miriam Consul disse...

De fato e com sinceridade, o texto acima é chato de ler. Mas que é um lembrar sempre ler vc isso é. E lembrar é um passo no passado, que nós vem a cabeça, fazendo lembrar de causos e pessoas. VC TEM O DOM DE NÓS PRENDER NA LEITURA, E ISSO É O QUE FALTA AO BRASILEIRO,LER. Se o ovo pegase um livro para ler durante um mês, já me sentiria realizada, e peço, pais incentivem seus filhos a ler, pois só assim seremos um povo culto,obrigado, Luiz.