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sexta-feira, novembro 30, 2012

A mão que estendo

Bariani entregou-me a Medalha  Jaime Câmara, do Conselho
Estadual de Cultura (1999); Lucas, com 4 anos, toou-a para si.




A mão que estendo


De alguns meses até este alvorecer de dezembro – crepúsculo dos anos – venho realizando entrevistas com os membros da Academia Goiana de Letras, meus confrades escribas e amantes das letras, para a memória do Centro Cultural Oscar Niemeyer. São poetas, cronistas e contistas, romancistas e ensaístas de Letras, Filosofia, dos meandros jurídicos e até mesmo das Ciências médicas. Somos um grupo limitado, apenas 40 membros, quase todos provectos e uns raros que ainda ostentam peles jovens e cabeças aptas a incontáveis mudanças.

Há um texto belíssimo de Vinícius de Morais em que o Poetinha discorre ante as possibilidades de perder todos os amores ou perder todos os amigos – e conclui que pior seria perder amigos. De meses para cá, tenho dito que tão importante e prazeroso é fazer novos amigos quanto descartarmo-nos dos que não correspondem…  Sim: não se trata de criar expectativas ideais, mas de aceitar os amigos tal como são, e descobrir que entregamos amor sem receber em troca:  amizade é uma avenida com mão e contramão.

Essa via de ida e volta tem sido, para tantos ou todos de nós, como o mais valioso dos caminhos. Sempre me regozijei pelas amizades conquistadas e sofria muito ao sentir que perdia alguém; até descobrir – e foi na via do amor romântico que descobri – que perder é tão importante quanto ganhar. Perdas múltiplas, numa vida inteira, não conseguem, porém, esvaziar o balde da nossa colheita; sempre teremos mais amigos do que os rostos que vimos primeiro, sejam os da parteira e o da mãe, associados aos dos familiares e pessoas visitantes, sejam os das relações que cultivamos ao longo da vida.

De 1996 a 98, presidi a União  Brasileira de Escritores em Goiás. Tempo de muito trabalho, num esforço ora hercúleo, ora dantesco, sempre no empenho de preservar a união e pugnar pela valorização dos fazedores de literatura em nosso torrão. Contei, naquele tempo, com valiosos companheiros na Diretoria, destacando as novas amigas Placidina Lemes de Siqueira e Ana Cárita, o saudoso professor (fui aluno dele no Liceu) Aldair Aires, o dinâmico e inesquecível Getúlio Araújo e, de especial realce, a vice-presidente Maria Luísa (então, apenas Malu) Ribeiro, parceira inseparável em todos os momentos.

Importantes também eram Marcos Caiado e os ex-presidentes Ubirajara Galli, Brasigóis Felício e Iuri Rincon Godinho.

Houve um tempo, na quadra final do meu mandato – eu sempre disposto a entregar o cargo sem o sonho da reeleição – em que as coisas se complicaram. Entidade pobre, a sobreviver de contribuições pequenas dos associados num ofício nada rentável, a UBE deixou de ser agraciada com doações financeiras advindas do Banco do Estado de Goiás e da Fundação Pedro Ludovico. 

Vínhamos de alguns momentos de ênfase, como o encontro de escritores do Distrito Federal e Goiás, provocado pelos colegas brasilienses, capitaneados por Gustavo Dourado, e prontamente aceito pelos ubeanos de Goiás. Conseguimos o apoio nobre do Castro’s Hotel, em cujos espaços aconteceu o ápice de nossa festa, após um “tour” por Goiânia, incluindo a visita dos brasilienses, ciceroneados por nós, à casa e à família de Carmo Bernardes, falecido no abril  daquele 1996.

Vivi tempos de intensa atividade, com viagens incontáveis... Muitas a Brasília, tentando viabilizar projetos no Ministério da Cultura, mantendo contato com os escritores vizinhos; muitas pelas cidades de  Goiás onde ocorriam eventos literários; duas, ao menos, ao Rio Grande do Sul para os congressos de poesia liderados por Ademir Bacca; e uma internacional, a Israel, a convite do embaixador daquele pais; lá, tivemos um encontro de escritores ibero-americanos – cada país enviou um escritor; o Brasil tinha três, sendo o carioca Antônio Carlos Secchin (hoje, imortal da Academia Brasileira de Letras) e dois goianos, José Mendonça Teles e eu.

As contribuições dos associados eram praticamente simbólicas; grande parte das despesas eram cobertas com auxílios dos órgãos estaduais citados ou com eventual ajuda de algum associado. O secretário municipal de Cultura, Padre Cesar Garcia, teve importante papel como provedor, fornecendo-nos recursos de sua própria economia para a solução de problemas nossos.

Coisas de amigos, como se vê...

As entidades culturais sem dinheiro em Goiás, em quase sua totalidade, costumam eleger como tesoureiro o escritor Bariani Ortencio. Já vimos casos em que, havendo duas chapas concorrentes, ele figurava nas duas chapas. Esse cargo era e é, sempre, destinado a homenageá-lo por sua luta incansável pela literatura e pelo folclore de Goiás. Bariani, sabendo das complicadas histórias financeiras de tais entidades, costumava deixar os cheques assinados, confiando no discernimento dos presidentes.

Comigo o balde transbordou. Como disse, não pudemos contar com a providencial ajuda do BEG; a Caixego tivera fim anos antes, numa decisão política nociva a Goiás (não me compete contar isso agora) e a Funpel decidiu-se por fechar os cofres “àquela corja de poetas”, que é como a então presidente se referia a mim e aos poetas que predominavam na direção da UBE.

Tivemos, por uns quatro meses, uma secretária cedida pela Prefeitura de Goiânia; a moça não quis continuar conosco e o jeito foi contratar uma secretária e um contínuo, ao custo de um salário mínimo cada, nos restantes vinte meses de gestão.

Resumo: esses funcionários, as contas de luz e condomínio, bem como a de telefone, eram pagos com dinheiro do  presidente em sua quase totalidade, bem como os custos de viagem – combustível e hotel; às vezes, comida também – pelo interior. Nos últimos meses, o presidente estava falido – e sua família também.

Nesse entrevero final, tive problemas com a conta, como não pude evitar. Alguns cheques foram devolvidos pelo banco. Um desses cheques, descontados com um agiota disfarçado de “factory”, de valor maior que o trivial, foi informado ao tesoureiro Bariani que, indignado, desabafou com dois colegas que o visitavam no momento; o resultado foi a imediata montagem de uma rede de telefonemas e fuxico na calçada diante do prédio da UBE, na Avenida Goiás com a Rua Dois.

Segurei as pontas. Se o tesoureiro não me procurou para esclarecer as coisas, eu também – tão cabeça dura quanto ele – não o procurei para dizer nada. Espalhava-se pela cidade que o presidente estava roubando da UBE.

Muitos companheiros, conhecendo a realidade dos fatos, alinharam-se ao meu lado e defendiam-me das injúrias cometidas pelos “ouvintes” do desabafo do tesoureiro.

Se eu tivesse tido um minuto de bom senso, teria ido até ele buscar conselhos; certamente, teria recebido orientação sábia sobre as medidas a tomar, em lugar de ser alvo da boca venenosa de apenas dois escritores amantes da maledicência e, àquela altura, apenas ávidos por difamar um companheiro.

Eu acabara de assinar um convênio com a Universidade Salgado de Oliveira do qual não desfrutaria no meu mandato já próximo do fim; por ele, realizaríamos um concurso de ensaios, com um prêmio financeiro simbólico ao vencedor, remuneração à comissão julgadora, publicação de mil exemplares do trabalho vencedor e a UBE teria uma sobra capaz de custear condomínio, luz e telefones pelo ano todo e possivelmente uma pequena reserva para eventuais despesas de viagens – sempre realizadas em carro do presidente (eu e os meus antecessores e sucessores).

Depois desse entrevero, realizei ainda a entrega do Troféu Tiokô, que estava esquecido há pelo menos cinco anos; nessa cerimônia, instituí, com apoio da Diretoria, diplomas de mérito, de modo a aliviar os custos com a confecção das estatuetas; e também, de minha iniciativa, com apoio da diretoria, concedemos diplomas de mérito a um médico que teve coragem de denunciar, em Boletim de Ocorrência na Polícia, a falta de importante equipamento capaz de salvar vidas no Hospital de Urgências de Goiânia, bem como a um jovem funcionário público que, idealista, instituiu em Goiás a luta de prevenção e combate à AIDS. É bom lembrar que tanto esse médico quanto o funcionário vinham sendo perseguidos pela cúpula do Executivo goiano. Nossa atitude emprestou-lhes um reforço de dignidade.

Concluí minha gestão com a sensação do dever cumprido e com a questão financeira sob duas análises: um cheque de valor próximo a dois mil reais a ser pago, e um saldo em dinheiro e contribuições a receber (de solução fácil, pois que equivalia a débitos de diretores eleitos) capaz de cobrir o valor questionado. O presidente que me sucedeu, o poeta Coelho Vaz, solucionou a pendência, ao seu modo eficiente e sóbrio.

O lamentável, para mim, que sou um ideólogo do amor e da amizade, foi o estremecimento entre mim e Bariani Ortencio. Sei que nos admiramos à distância, e sei também que não concordamos, mutuamente, com as nossas atitudes muitas vezes diferenciadas, mas respeitávamo-nos nas diferenças e admirávamo-nos por nossas competências.

Há poucos dias, como que envernizando um passado alongado por diferenças, tive chance de me aproximar dele além do formalismo de nossos encontros na Academia Goiana de Letras. Estive em sua casa para entrevistá-lo para o citado projeto de memória da Academia e do Centro Cultural Oscar Niemeyer.

Lembrei-me que em 1982, num programa chamado “Boa Tarde, Goiás”, da TV Brasil Central, entrevistei-o ao vivo, diante das câmeras, para todo o Estado de Goiás. Data dessa época nossas primeiras conversas e discussões inevitáveis.

Sempre achei fácil entrevistá-lo; conheço bem sua vida e sua obra, tanto em livros quanto na tevê, em literatura e no folclore. Sei de sua prosa rica e de seu amor pelo folclore, especialmente pelas comidas e mezinhas (é com Z) que enriquecem seus trabalhos. E se somos confrades acadêmicos, sendo a Academia um clube vitalício, por que mantermos aquele afastamento que em nada me agrada? Acho também, sem falsa modéstia, que posso lhe fazer bem, ao meu modo.

Não sei o que pensa o Bariani, mas seu coração descende também dos similares apaixonados da formosa Itália; acredito que ele aceita, com  cordialidade, a amizade que lhe proponho, renovada e sem máculas.

Pode ser, meu velho?

* * *


segunda-feira, novembro 26, 2012

Manhã de sonho... (crônica de Beatriz Ramos, 13 anos)


Professora Allyne, a noviça em Letras Beatriz Ramos, este veterano orgulhoso pela descoberta, Professora Agda e o professor doutor José Fernandes, na Academia Goiana de Letras.


Manhã de sonho...


E era mais uma manhã como qualquer outra. Eu estava na sala de aula quando a professora Agda entrou para, como todos os outros dias, iniciar sua aula de Língua Portuguesa. Entregou-nos uma folha na qual estava escrito um pouco sobre a vida e obra do escritor goiano Luiz de Aquino. Havia ainda dois poemas do mesmo. Lemos tudo, analisamos, comentamos. Em seguida, fizemos atividades a respeito do que havíamos estudado.


Imagina! Até uma paráfrase de um dos poemas dele eu fiz! Foi feita a partir do seu poema “Em João Pessoa” (*). Entreguei-o à professora e ela o corrigiu. Eu nunca havia pensado em conhecer esse escritor.
Na manhã seguinte, uma surpresa: fui convidada pela professora Agda para participar de um evento da nossa escola, o Colégio Estadual Mauro Borges Teixeira. Era um sarau poético, um “Chá de poesias”.

Professora Agda, Beatriz e eu, no Chá de Poesias (8/11/2012)
Ao entrar na biblioteca do nosso colégio estavam três escritores: Luiz de Aquino, Lucas Leão e Divina Cunha. Apesar de me sentir meio envergonhada, recitei alguns poemas elaborados por mim e outros por alunas da minha sala, o 7º “A”. Senti-me lisonjeada em conhecê-los, especialmente o Luiz de Aquino. Mais ainda por perceber que gostou muito de me mim e de meus poemas. Conversamos um pouco e o adorei também. Ganhei dois livros autografados por esse poeta consagrado: “Menina dos Olhos” e “O cerco”.

Apesar de tê-lo visto apenas uma vez e de conversar muito pouco com esse escritor, já me apeguei muito a ele e já lhe tenho um carinho enorme. E o mesmo eu sinto que tem por mim. Eu e ele nos falamos bastante pelas redes sociais. Enfim, aquela foi uma linda manhã de sonho. Amei tê-lo conhecido!

Beatriz Ramos, 7º ano “A”, Colégio Estadual Mauro Borges, de Nerópolis.

* * *

Eis o poema citado pela autora: 

Em João Pessoa

Morasse eu em João Pessoa
poderia ler nas ruas,
edifícios e pedras
a História.

Acordaria ao sol nascente
(sem horários de verão):
caminhadas na praia,
sorrisos, bom-dias
e a volta − o leite
pão e frutas,
veria jornais da tevê
− não haveria perder tempo.

Morasse em João Pessoa,
teria assunto
e poetas com-quem: Lau,
Antônio, Dira e André,
Limeiras irmãs e Joana,
Linaldo primo e Petra
e Suzy, também − sarau.

A tarde ao fim,
Jacaré Cabedelo: o sax de acordes
faz o dia dormir
(mais cedo, que aqui
é Leste demais).

Morasse em João Pessoa,
ai!
Morreria de saudade
de Goiás.



E a paráfrase composta por ela, Beatriz Vaz Ramos: 


                      No Rio de Janeiro...

Morasse euno Rio de Janeiro 
Poderia ver o Cristo todo dia 
Andar no bondinho com muita alegria; 

Ah! Se eu morasse no Rio 
Eu seria muito feliz 
Iria às praias no carnaval 
E também no Natal;

Morasse no Rio de Janeiro
Eu teria sotaque diferente
Acostumaria a viver lá;

O Renato, meu professor de Geografia
Já foi a essa Cidade Maravilhosa e gostou
Muito da Lapa
Já se eu morasse lá
Aproveitaria mais as praias;

Mas se realmente eu lá morasse
Sentiria saudade daqui 
Pois, apesar de tudo, eu aqui nasci
E amo esta cidade linda!


Profs. Agda, Renato e Allyne, ativistas no Colégio Mauro Borges
* * *





sábado, novembro 24, 2012

Os troféus do Elifas




  

Os troféus do Elifas




Ganhei um troféu. Uma belíssima peça em barro, concebida e morfoseada pelas mãos hábeis de Elifas Modesto, que preside o Santuário da Arte e, inquieto como sempre foi, agita o marasmo que, nos últimos anos, vem marcando o segmento intelectual da cidade, num modo geral.


Digo “modo geral” porque estes anos iniciais do século mostram-nos jovens que conversam em silêncio com suas minúsculas máquinas cibernéticas, circulam discretos na multidão e poupam nossos ouvidos da algaravia que marcava a nossa juventude, especialmente a adolescência.



Deus meu, como éramos barulhentos! E como afrontávamos os adultos com ideias conflitantes, como debatíamos, como contestávamos! Os coroas da minha época sofreram com a minha turba de rapazes e moças – alguns desses coroas ainda vivem e já são, obviamente, bem velhinhos; e nós (aqueles meninos) já ostentamos cartões de idosos para estacionar com privilégios, temos atendimento especial em bancos e outras casas e somos chamados para falar de coisas de antigamente.


E aí vem o Elifas! Conheci-o lá pelos meados da década de 1990, levado à sua casa pelo nosso mui querido e saudoso Aldair Aires. Vi Elifas pintando; com que rapidez produz um quadro! Não o vi esculpindo, mas imagino que a destreza seja a mesma. Na cabeça, por dentro, imagino que ele tenha uma porta como essas de bancos para permitir que algo saia para dar lugar a alguma novidade. Olho o que ele pinta, aprecio o que ele esculpe e concluo, com ágil facilidade, que,  fosse ele poeta, haveria de nos pôr diante de textos assustadores, surpreendentes, inovadores!


Fazer o quê? Dei um laço na gravata, cobri-me com um casaco e lá fui eu. Logo, logo fui chamado; ao lado de Elifas alinhavam-se Beth Abreu, escritora, diretora regional do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais; Getúlio Targino Lima, presidente da Academia Goiana de Letras; Edival Lourenço, que preside a UBE de  Goiás; e Aidenor Aires, o líder do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.

Destaque especial para as vozes magistrais de Goiana Vieira e Maria Eugênia – e não falo dos seus geniais instrumentistas, o espaço é mínimo.




Em resumo: o Elifas surpreendeu-nos com aqueles troféus – primorosas estátuas da sua lavra. Nenhum dirigente de entidade cultural caprichou tanto, ofertando mimos compostos por ele próprio, um a um!





Minha devoção, caríssimo mestre das cores e da argila! Você, Elifas, trabalhando formas, em três ou duas dimensões, faz poesia sem palavra!

* * *

quinta-feira, novembro 15, 2012

Retratos de Saudade


Vó Lilita e Vô Israel, em casa, com Lucas, 1995.

Retratos de Saudade





Há alguns dias, senti que me faltavam as forças do sentimento, algo assim como entender a vida sem-graça, triste, e mal vivida; com o agravante de que o tempo restante é mais curto a cada instante e que a capacidade de amor torna-se, igualmente, frágil e quase que desnecessária.

Falam-me do amo maior, esse que não tem limites nem forma, nem cheiro nem rumo certo – o amor cristão, o amor caritativo, sem pieguice mas capaz de transformar o mundo. Há notícias de que o hercúleo trabalho de transposição das águas do Rio São Francisco para minimizar a crueldade natural do agreste nordestino está simplesmente abandonado. Sejam quais forem as razões, esse abandono é um crime – mas os partidários do governo acham-se superiores às leis, estranhamente. E se as leis feitas por seus iguais, ainda que de outros tons políticos, são por eles minimizadas, o que pensarão eles de valores morais fortes no sentimento humano da tradição cristã?

Momento de encostar a política. Momento de esquecer o amor, que já me deu tanta alegria mas não me esqueço também das dores. O amor costuma chegar de súbito, não dá aviso prévio nem mede a nossa resistência. Releio textos em prosa e poesia e me acho amoroso demais. Depressão? Sei lá! Descubro que dois dias e alimentação absolutamente irregular, em qualidade do que comi e nos horários totalmente violentados, deixaram-me capaz de interpretar mal qualquer coisa, e sobretudo capaz de uma agressividade gratuita e triste – mas, evidentemente, irreversível.

Mas os momentos se seguem. Há pouco menos de meia hora, sentia-me estéril, não acreditando no que poderia escrever; preferi reviver uma antiga crônica – tenho feito isso e sinto-me gratificado, opis os leitores que desconheciam o texto, bem como os que o releem, sentem algo de diferente; e é essa razão de alegria do autor, naturalmente. E eis qwue uma jovem e bela poetisa presenteia-me com esse mimo, “Saudade”:

Saudade é casa caiada.
Cheiro de vó
café com pão.

Saudade é febre
chá de alho
terço na mão

Saudade é fraqueza
rosto molhado
carta no chão.

De Renas Barreto (em homenagem à minha vó Vitória Angélica)

Ora! Ontem, meus sobrinhos e filhos ressuscitaram imagens de meu pai, desencarnado aos 89 anos em 14 de novembro de 2011. Fotos dele ao violão e ao bandolim, fotos dele com minha mãe, comigo e meu filho e meu neto... O tempo e as dores ensinaram-me a tratar a saudade de modo a não me causar dor. A dor da ausência incomoda-me quando do rompimento, mas aprendi a aceitar o destino. Entretanto, gosto de curtir um cedê que meu saudoso amigo José Cunha Gonçalves (desencarnado este ano)  presenteou-me: apenas músicas intituladas ou sob o tema da saudade. E “Saudade”, do maestro goiano Joaquim Edson Camargo, era das preferidas de minha mãe (19/09/1923-22/03/2004) e uma das duas escolhidas por ela para que meu pai executasse ao bandolim no momento de seu sepultamento. E foi aproximadamente por essa época, sem a evocação da saudade dos mortos, mas dos presentes idos ou distantes, que compus esse poema, “Saudade certificada”: 

Saudade do teu cheiro. Saudade
do tremor discreto de tuas mãos
porque te beijei sem avisar.

Saudade de beijar teus pés;
e dos teus dedos
a escrever carícias nos meus cabelos.

O tempo e o longe dão-me plena
esta intolerável certeza: a saudade
é certificado incontestável da tua ausência.

Pois é... Se existiu, valeu a pena! Se contribuiu para a minha felicidade, valeu a pena! Se me doeu, valeu pelo que me ensinou – e sou eterno aprendiz. Mas a minha homenagem vai para Renas Barreto. É muito bonito ver alguém com saudade de vó...

* * *

domingo, novembro 11, 2012

Manhã de sonho e esperança



Lucas Leão, escritor; e as professoras Adriana, Agda, Allyne, eu e Ivone.



Manhã de sonho e esperança


Um pássaro prisioneiro, de canto dissilábico e repetitivo, desperta-me bem cedo, quando não me pesa o cansado de véspera ou algo me leva a dormir mais cedo. O trinado anuncia o albor e estende-se até perto das oito horas, no circuito natural do sol – ninguém disse à pequenina ave que a suprema autoridade da República impõe-nos um tal horário de verão. Da minha janela, vejo a gaiola de onde vem o som: a primeira nota, curta e una; duas outras compõem a segunda sílaba.

Gosto de ouvi-lo nas manhãs. Curiosamente, pássaros não costumam variar seu canto,  mas não há monotonia na brevíssima melodia. Lamentável é a gaiola. Um mínimo animal que navega os céus e canta em galhos sugere sempre liberdade – e inevitáveis metáforas. Tenho ganas de escalar o edifício em frente, invadir a sacada do terceiro andar e abrir a pequenina porta, ofertando ao passarinho, de volta, o destino que Deus lhe deu – o de voar livre.

Porque as pessoas aprisionam animais? Prendem-nos e alegam um gostar – gostar estranho esse, que tolhe a vida natural em troca de um prazer mesquinho, o de dispor de seu canto. Ora! Há quase um século é possível gravar sons. Gente que se diz “criadora” de pássaros comete contra eles o crime do cerceamento da liberdade... Alguns há que não procriam em cativeiro; e há ainda os que se aprisionam individualmente, cerceando, assim, que aquele animalzinho não se reproduza. Acho que gente assim devia ser castrada.

Lucas e a professoa Allyne Pimenta

Quando queremos ser livres, falamos em voar; se queremos ser felizes, cantamos. Cantava o pássaro – não sei que pássaro é esse, não consigo vê-lo daqui, somente a pequena jaula. Cutuquei o Lucas, que se levantou em silêncio e assim se aprontou, tomou o café da manhã e, sempre calado, acompanhou-me; saímos de casa sob um céu de nuvens plenas. Às sete horas de verão, as ruas já congestionadas de carros em demanda ao trabalho, ao médico, às escolas ou a destinos outros, tal como nós, tomamos o rumo da Marginal Botafogo. E foi aí que a chuva caiu. Percorremos dez quilômetros em cinquenta minutos, alcançamos a rodovia que nos leva a Nerópolis. O trânsito trancado ficou para trás e vinte minutos após chegamos ao Colégio Estadual Mauro Borges.

Ivone, bibliotecária; e Adriana, Coordenadora. E um livro meu...

Foi Ivone, a bibliotecária, quem propôs aquele Chá com Poesia. Uma poetisa da cidade, Divina Cunha, já chegara – e nós tivemos um atraso de quinze minutos, mas este tempo estava inserido nos preparativos. Alunos de séries fundamentais futricaram livros e a Internet, ficaram sabendo da vida do convidado – eu mesmo –, e escolheram poemas para ler e parafrasear, sob orientação e tutela das professoras Agda Santos e Allyne Pimenta. Mas o melhor da festa foi a descoberta, pelos três escritores convidados (Divina, Lucas e eu), das qualidades poéticas dos alunos, sementes óbvias de adultos sensíveis e bem orientados, já detentores de valores que, muitas vezes, julgamos esquecidos.
Enfim: da diretora Fernanda, passando pela vice-diretora Ivanilda, por professores, coordenadores, pessoal administrativo (sempre a postos para que nada falte), uma equipe excelente! Ah! E o lanche? Um beijo à coordenadora da merenda, professora Janete! Mas muitos beijos aos meninos estudantes, pequenos poetas, promessa de um futuro que – Deus me permita! – quero ver melhor.


Um futuro livre, de poetas construtores de tempos melhores, de liberdade para os povos – e os pássaros também.

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sábado, novembro 10, 2012

As flores, em vez de amores


As flores, em vez de amores


Uma oferta de amor à cidade
“Entre as prendas com que a natureza
alegrou este mundo onde há tanta tristeza
 a beleza das flores realça em primeiro lugar”

(Vinícius de Morais) 








Os ipês guardaram as cores, vestiram suas fardas verdes e assim ficarão até as vésperas das chuvas, ano que vem; agora é a vez de buganvílias, resedás e da festa flamejante dos flamboyants africanos que dominam as paisagens tropicais brasileiras como se estivessem em casa.

Nas ruas de Goiânia, desde os primórdios da primeira década enfeitam-nos os outubros. Encantaram os olhos de minha saudosa Cilene Andrade, filha dileta da virtuose pianista-chorona Tia Amélia, que chegou à nova capital de Goiás num outubro exuberante. O avião estacionava junto à esquina das avenidas Paranaíba e  Tocantins – esta, o caminho do aeroporto de então ao Palácio das Esmeraldas; e à noite, após uma serenata de nunca mais se esquecer, com Júlio Alencastro Veiga ao violino, na sacada do Grande Hotel, olhava a Avenida Goiás rumo ao Palácio, e novamente vislumbrava aquele caminho de flores como caprichosa alcatifa erguida do solo...
E este amarelo, jovem e belo? 
Sim! Goiânia, nesta época, engalana-se das flores de fogo; flamboyant é palavra francesa que quer dizer flamejante. Deliciei-me de documentá-los na Praça do Sol, oficialmente chamada Joaquim Edson Camargo, mas o populacho não sabe sequer que esse nome era de um importante maestro e professor (do Liceu), pai da cantora Eli Camargo. Percorri também trechos de alguns bairros, como Bueno, Pedro Ludovico, Bela Vista e todo o percurso da Avenida Goiás Norte, desde as palmeiras do trecho inicial (dividindo Crimeia Leste de Crimeia Oeste) até deparar-me com as flores alegres no Urias Magalhães, até chegar ao Campus Samambaia, da Universidade Federal de Goiás, onde a festa das chamas continua.

Pensei que escreveria um poema. Para quê? A Natureza, agência de notícias do Pai Criador, dá seu recado em imagens de alegria e escreve poemas em cada pétala, embelezando este domingo já novembro de nuvens chuvosas.
Essas flores pós ipês amarelos, rosas, roxos e brancos, que enfeitaram Goiânia em setembro, tiraram de mim toda a tristeza que me despertou mais cedo num domingo de não-pensar.


Deduzi que é melhor assim. Ninguém capaz de pensar merece sobrepor-se ao encanto da Natureza – recado solene de Deus aos homens de corações sensíveis.






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