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sábado, novembro 03, 2012

A Língua em que se faz samba


A Língua em que se faz samba


Essa crônica foi publicada em Junho de 2001, no DM, e está no meu livro "Ah, língua brasileira!", de 2011 (Coleção Goiânia em Prosa e Verso). Republico-a como uma homenagem ao amigo Ivair Lima, parceiro das melhores conversas e ideias para novos escritos.


Continuo no tema da língua portuguesa. A língua portuguesa no Brasil, claro. Ou alguma comparação entre o que falamos e o que se fala em Portugal. E as línguas estrangeiras influindo no quotidiano. Tolerem-me, leitores, que terei assunto pelos próximos trinta anos; após esse tempo, não escreverei em jornal. Vale como aviso prévio, Batista: quando fizer 85 anos, aposento-me.

Se vamos brincar ou trabalhar, há sempre um líder (“leader, do inglês); se temos fome, tomamos um lanche (“lunch”, inglês); antes de namorar, temos o flerte (novamente do inglês, “flirt); se pegamos um táxi, tem lá um chofer (do francês “chauffeur”); se dominamos uma tecnologia, temos “know-how; se levamos jeito para alguma coisa que exige mais criatividade ou malemolência, temos “savoir-faire.

Mas, já se nota, aportuguesamos as palavras estrangeiras ou elas se perdem. Sabe-se que o idioma de Shakespeare, atualmente, tem cerca de três quartos de seus vocábulos originários do latim – por isso, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos, estuda-se o Latim; aqui, não precisamos (!?), mas os portugueses não abrem mão da língua dos antigos romanos. As línguas ocidentais flexionam seus verbos em seis pessoas – isso vem do latim. Mas uma malfadada Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sancionada em dezembro de 1961 e posta em prática imediatamente, a partir de março de 1962, mudou tudo. Sem transição. E ficamos alheios a uma das mais importantes ferramentas para o pleno domínio do idioma – daí o português de quem falei ontem afirmar que nós escrevemos muito mal.

Já disse nestas crônicas que recuso-me a comprar de quem promove “sale” em vez de liquidação, que não aceito “delivery” em lugar da entrega em domicílio e não como “fast food”, mas “Refeições à minuta” (expressão carioca, inexistente em Goiás, do francês “à la minute”).

Publicitários, mais que jornalistas, fazem concessões permissivas, como que um estupro à Língua – escrevo em maiúscula, para não dar duplo sentido à frase. “Muda Brasil” em vez de “Muda, Brasil!” tomou conta do país nos anos de 1980, junto com o “Vota Brasil” (seria “Vota, Brasil!”). Órgãos públicos como secretarias de Educação e de Cultura e instituições responsáveis (será?) como academias de letras engolem o que a mídia – publicidade e imprensa – impõe. Emissoras de rádio e televisão cometem coisas agressivas à estrutura da língua – já viram como, nas novelas e nos telejornais, a expressão “há anos atrás” se tornou “correta”? Seria correto, mas redundante, dizer que “há ânus atrás”.

O “economês” chega a irritar. Inclua-se aí publicidade, comércio de varejo, área de investimentos, bancos, indústrias, bolsas de valores etc. Mas o Ivair Lima, competente repórter, psicólogo e poeta sensível, não teme esse tipo de coisa e me tranquiliza: “Lula (por que ele me chama assim?), esse dialeto não vinga, só existe no meio empresarial. Enquanto houver escola de samba, o português do Brasil estará salvo. Em que outra língua seria possível se compor um samba?”.



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3 comentários:

Mara Narciso disse...

Li hoje, noutra crônica o motivo dos publicitários usarem delivery, no lugar de entrega a domicílio. Caso o comprador não saiba o significado da palavra, não pode comprar o produto que está sendo vendido. Não sou tão implicante quanto a você com os estrangeirismos, mas quando não há nada melhor, eu uso. O bom, e nem sempre comentado foi o sumiço do blackout, loquazmente substituído por apagão. Este você gostou, não foi? Antes de FHC não havia essa palavra, sonora, bonita, bem brasileira. Eu gostei muito dessa substituição.

Luiz de Aquino disse...

A propósito, Mara Narciso, não sou tão turrão quanto aparento ser. Gosto muito das palavras xou e xorte, que prefiro escritas já em regras nacionais - como aconteceu com líder, que vem de "leader", entre outras.

Mirian Cavalcanti disse...

Beleza, Luiz! No ponto certo. Estou com você em cada linha. Abraços!
Mirian