A
Língua em que se faz samba
Essa crônica foi publicada em Junho de
2001, no DM, e está no meu livro "Ah, língua brasileira!", de 2011
(Coleção Goiânia em Prosa e Verso). Republico-a como uma homenagem ao amigo
Ivair Lima, parceiro das melhores conversas e ideias para novos escritos.
Continuo no tema da língua portuguesa. A língua portuguesa no
Brasil, claro. Ou alguma comparação entre o que falamos e o que se fala em
Portugal. E as línguas estrangeiras influindo no quotidiano. Tolerem-me,
leitores, que terei assunto pelos próximos trinta anos; após esse tempo, não
escreverei em jornal. Vale como aviso prévio, Batista: quando fizer 85 anos,
aposento-me.
Se vamos brincar ou trabalhar, há sempre um líder (“leader”, do inglês); se temos fome, tomamos um
lanche (“lunch”, inglês); antes de namorar, temos o flerte (novamente do
inglês, “flirt”); se pegamos um táxi,
tem lá um chofer (do francês “chauffeur”); se dominamos uma tecnologia, temos
“know-how”; se levamos jeito para
alguma coisa que exige mais criatividade ou malemolência, temos “savoir-faire”.
Mas, já se nota, aportuguesamos as palavras estrangeiras ou elas
se perdem. Sabe-se que o idioma de Shakespeare, atualmente, tem cerca de três
quartos de seus vocábulos originários do latim – por isso, tanto na Inglaterra
quanto nos Estados Unidos, estuda-se o Latim; aqui, não precisamos (!?), mas os
portugueses não abrem mão da língua dos antigos romanos. As línguas ocidentais
flexionam seus verbos em seis pessoas – isso vem do latim. Mas uma malfadada
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sancionada em dezembro de 1961 e posta
em prática imediatamente, a partir de março de 1962, mudou tudo. Sem transição.
E ficamos alheios a uma das mais importantes ferramentas para o pleno domínio
do idioma – daí o português de quem falei ontem afirmar que nós escrevemos
muito mal.
Já disse nestas crônicas que recuso-me a comprar de quem promove
“sale” em vez de liquidação, que não aceito “delivery” em lugar da entrega em
domicílio e não como “fast food”, mas “Refeições à minuta” (expressão carioca,
inexistente em Goiás, do francês “à la minute”).
Publicitários, mais que jornalistas, fazem concessões permissivas,
como que um estupro à Língua – escrevo em maiúscula, para não dar duplo sentido
à frase. “Muda Brasil” em vez de “Muda, Brasil!” tomou conta do país nos anos
de 1980, junto com o “Vota Brasil” (seria “Vota, Brasil!”). Órgãos públicos
como secretarias de Educação e de Cultura e instituições responsáveis (será?)
como academias de letras engolem o que a mídia – publicidade e imprensa –
impõe. Emissoras de rádio e televisão cometem coisas agressivas à estrutura da
língua – já viram como, nas novelas e nos telejornais, a expressão “há anos
atrás” se tornou “correta”? Seria correto, mas redundante, dizer que “há ânus
atrás”.
O “economês” chega a irritar. Inclua-se aí publicidade, comércio
de varejo, área de investimentos, bancos, indústrias, bolsas de valores etc.
Mas o Ivair Lima, competente repórter, psicólogo e poeta sensível, não teme
esse tipo de coisa e me tranquiliza: “Lula (por que ele me chama assim?), esse
dialeto não vinga, só existe no meio empresarial. Enquanto houver escola de
samba, o português do Brasil estará salvo. Em que outra língua seria possível
se compor um samba?”.
* * *
3 comentários:
Li hoje, noutra crônica o motivo dos publicitários usarem delivery, no lugar de entrega a domicílio. Caso o comprador não saiba o significado da palavra, não pode comprar o produto que está sendo vendido. Não sou tão implicante quanto a você com os estrangeirismos, mas quando não há nada melhor, eu uso. O bom, e nem sempre comentado foi o sumiço do blackout, loquazmente substituído por apagão. Este você gostou, não foi? Antes de FHC não havia essa palavra, sonora, bonita, bem brasileira. Eu gostei muito dessa substituição.
A propósito, Mara Narciso, não sou tão turrão quanto aparento ser. Gosto muito das palavras xou e xorte, que prefiro escritas já em regras nacionais - como aconteceu com líder, que vem de "leader", entre outras.
Beleza, Luiz! No ponto certo. Estou com você em cada linha. Abraços!
Mirian
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