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sexta-feira, novembro 29, 2013

"Múltiplo Leminski" no Oscar Niemeyer

Adriana e Iuri, e mais eu e Lucas Leão, como guardas da anfitriã Alice Ruiz


Múltiplo Leminski


Alice é uma mulher bonita. Paulo era um homem bonito. Suas filhas são belíssimas. Mas beleza física, digo sempre, é apenas um visual – digamos, um cartão de visitas. Depois dele, vem o currículo de vida (e é  preciso considerar que ambos, o cartão e o currículo, são elaborados pelo próprio, e isso se torna um tanto suspeito) e, por fim, a apreciação alheia, o “concurso público”...

Sobre o casal Alice e Paulo – ela Ruiz, ele Leminski – um referencial fortíssimo, para mim, é ligeiramente discreto: os nomes das filhas: Áurea e Estrela – ouro e luz. Coisa de poetas, isso de nominar os filhos com significados definitivos, marcantes.

Na doutrina espírita, contam que nosso nome é escolhido pelo espírito que vai se encarnar. Sendo assim, creio que o espírito que se prepara para a nova vida aconselha os pais, e estes atendem ou não – daí, e considerando os pais teimosos, sou levado a pensar que a escolha se fez por um “espírito de porco” – perdoem-me os doces bacorinhos – ou produtos da teimosia de pais inescrupulosos.

Mas voltemos à família Leminski. Recordo-me que foi Tagore Biran (1958-98) quem me despertou para os textos do poeta bigodudo, lá pelos idos de 70 a 80. Concordei, de imediato: Tagore, como eu, era apreciador especial de Manuel Bandeira (ganhei dele um exemplar de Estrelas da Vida Inteira; o poeta de Do Amor e da Ausência rabiscou sobre seu nome-autógrafo, danificando-o; mas hoje, tantos anos após sua morte, tenho aquela rasura como um modo carinhoso, também).

Em 1991, num voo conturbado de Goiânia a Porto Alegre, com conexão em São Paulo, conheci Alice e Estrela. Como nós (Brasigóis, Coelho Vaz, Malu, José Mendonça, Gilberto...), dirigiam-se a Nova Prata para o II Congresso Brasileiro de Poesia, evento que perdura sob a inspiração e a direção de Ademir Bacca. Ainda no avião, ganhei uma amiga: a menina Estrela, de 10 aninhos. A mãe, obviamente, veio no kit.

Vivemos três dias intensos de poesia e poetas, com os inevitáveis fatos que festejam minha memória. Ao reencontrar Estrela e conhecer Áurea, na última terça-feira, revivi alguns instantes daquele encontro (Alice eu revi duas outras vezes, sempre nos congressos de poesia que Bacca promove). E as reencontrei, feliz, na abertura da grande mostra que acontece até março próximo no CCON (Centro Cultural Oscar Niemeyer).

Ao rever Estrela na festa de abertura, estalou-me na lembrança uma amostra de talento e competência da pequena de dez anos. Na viagem de ônibus de Porto Alegre a Nova Prata, um poeta, naturalmente querendo agradar Alice (autoridade em haicai), compôs meio às pressas um poema no gênero do modelito japonês, num texto “quebrado”, rimando viagem e paisagem. Meio discreta, e não querendo magoar, Alice acolheu bem o haicai; Estrela, não: saltou da poltrona, pôs as mãos na cintura e reclamou: “Ah, é, mãe?! Não está bom, não! Quando o poema é meu você fala que está ruim, mas o dele você diz que gosta?”.

E foi o próprio poeta pé-quebrado quem reduziu o mal-estar, aceitando a crítica da pequena poetisa.

Voltarei já, já ao CCON para apreciar detalhadamente a exposição. Quem gosta de poesia, quem faz poesia, quem lê poesia ou quem apenas sabe que poesia é indispensável até no momento de comprar sapatos, que vá lá! Vai ser encantador revisitar Leminski (ou descobrir Leminski).


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sexta-feira, novembro 22, 2013

O poeta e o gatinho

O poeta Ulisses e sua gata estimada: "Quem manda em mim não fala...".

O poeta e o gatinho


Lá pelos últimos anos da década de 80, ou o prenúncio da de 90, Roberta, com quem eu namorava, presenteou-me, no aniversário, com um aquário e cerca de dez peixinhos coloridos. Ela, que curtia cães – de preferência, cachorros grandões, como pastor, pitibul e rotiváiler – achou que eu devia me ocupar, um pouco, dos animais.

Vá lá – pensei. Ao menos não são animais que rasgam cortina, fazem cocô e xixi pela casa ou perturbam as visitas. Ao contrário dos apaixonados por cães, eu dou prioridade ao ser humano, ainda que seja um deputado ou cobrador, traficante ou polícia de choque.

Achei bom aquilo: chegava ao meu mínimo apartamento no Edifício Fidélis e lá estavam meus pequeninos amiguinhos no seu eterno ofício de nada, ou melhor, de nadar. Uma vez por semana, dava-lhes uma pitada de ração e era praticamente este o cuidado – além, claro, de esporadicamente, limpar o aquário.

E gosto de histórias de animais. Principalmente de cães, esses bichos que, de tão domésticos, pensam-se gente. Acho lindo isso de cachorro pensar que é gente – mas rejeito os humanos que acreditam que os animais são pessoas tais como nossos filhos. Acho que meu bicho de estimação é, sim, o bicho homem, ainda que capaz de roubar do erário ou de matar por uma pedra de crack.

Contudo, adoro histórias de cães. São um tanto comuns as histórias de cães inteligentes, e isso me dá a prova inequívoca da evolução das espécies. Claro que eles têm inteligência e raciocínio; muito diferente dos nossos, mas têm! Como o gatinho – um filhote de seus dois meses – que mexeu com os sentidos e os sentimentos do meu amigo poeta Ulisses, o Aesse.

Ulisses, recebendo uma homenagem.
Ulisses é desses seres especiais – um homem que, para viver, faz poesia; e para sobreviver, trabalha as notícias. Gosto muito de sabê-lo premiado, como se deu esta semana, pois é um modo de agradecer a ele por ser tal como é, ainda que pelos atos de terceiros. Sinal de que não só eu o tenho na conta de menino-grande, de homem-poeta, pois outras pessoas veem nele o valor do sujeito especial.

Pois bem. Ulisses chegava a um local, na noite de quinta-feira última, onde receberia um belo troféu de mérito. E viu lá um pequenino gato – como eu disse, com cerca de dois meses, bem menininho. Condoeu-se do olhar pidão do gato e o quis para si: “Há de ser um bom companheirinho para a minha gata”, pensou ele, não em relação à namorada, mas uma quadrúpede adulta de sua estimação.

Cercou o gatinho com o cuidado que a timidez do bichano exigia; o gatinho ocultou-se atrás da roda de um carro. Ulisses aproximou-se, ele escapou; dirigiu-se a alguns portões de residências, todos de tal forma herméticos que não permitiam a passagem nem de baratas, observou o poeta. O bichano foi até a esquina; voltou; quis abrigar-se junto à roda do carro onde pouco antes se escondera. Meio assustado, desistiu e tentou atravessar a rua.

Um carro que passava não atentou para a preferência do pequenino pedestre. Atropelou-o violentamente. Ulisses notou que saía sangue da pequenina boca e recolheu-o da rua, acomodando-o inerte na calçada, junto ao muro. Alimentou a esperança de, pouco depois, vê-lo com sinais de reanimação. Debalde! Ao retornar da solenidade, o poeta se deu conta de que o filhote de fato morrera.

Contou-me isso sob a indisfarçável emoção na voz. Disse-me que não escreveria sobre o caso, pois ainda lhe doía a lembrança da cena. E eu fiquei a imaginar-lhe o sentimento e a tristeza; escolhi contar aos leitores, pois que muito pouca gente se mostra insensível a coisas assim.

Tocou-me, poeta Ulisses...


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sexta-feira, novembro 15, 2013

Profissionais descuidados



Profissionais descuidados


Gosto de ouvir rádio e tevê. Principalmente noticiários e entrevistas, estas acerca de arte, economia, política... Realidade, enfim! Mas esse “luxo” tem um preço, e não é barato. Esse custo é ter de ouvir perguntas indevidas ou desnecessárias e conceitos inadequados.

Dia desses, um jovem assustado era entrevistado por um repórter de tevê, também jovem. O rapaz assustado contou que ao deixar o trabalho na padaria, por volta de 20 horas, foi abordado por um sujeito armado que lhe tomou a carteira com pouco dinheiro e documentos e ainda o celular. E o jovem do microfone, o coleguinha foca, perguntou, solenemente: “Mas quem foi que te tomou essas coisas? Foi o ladrão?”.

Na maior rede de tevê do país, os colegas também cometem deslizes imperdoáveis. Numa das últimas edições do Fantástico, o repórter começou mal sua matéria sobre burocracia. Ele se referiu a “um personagem importante – Sua Majestade o Papel”. Só que, em lugar de dizer “Sua Majestade”, ele declamou, enfático, “Vossa Majestade o Papel”. O moço, certamente, passou por avaliação rigorosa ao ser selecionado, mas não sabe distinguir segunda e terceira pessoas na oração.

Em todos os veículos impressos, o uso dos pronomes é feito em flagrante desrespeito às regras da Língua – e os que praticam essas faltas alegam que “mesóclise é pedante”. Mentira: na realidade, esses profissionais não sabem como usá-la. O mesmo cometem quanto à regência dos verbos: “A comida que eu gosto”, onde falta a preposição “de”. Fica-me a impressão de que a pessoa se refere à “comida que eu gosto de cozinhar”.

Ah, na mesma grande TV Globo, Alexandre Garcia e outros medalhões de igual envergadura já se queixaram de quem não diferencia “este e esse” e suas variantes. Mas seus colegas menos (in)formados vivem repetindo o erro, como a personagem Félix, na novela Amor à Vida: “Eu sou o presidente desse hospital”. Nada contra o excelente ator, citei-o por estar em maior evidência, pois a quase totalidade dos atores tropeça em coisas assim.

Virou moda dizer (isso é de repórteres e de âncoras): “Estava desaparecido havia três dias”. Incomodam-me os dois verbos articulados no passado, quando a flexão “há dias” já exprime passado. Ainda que alguns defendam como certa (?), a expressão soa ruim e pode bem ser substituída por alguma outra que exprima o mesmo. Mas o que mais me intriga são as referências a margens de rios, lagos e rodovias.

Para lagos, a melhor expressão é orla. Reservemos margem/margens para rios e rodovias. Mas citar um posto de combustíveis “localizado às margens da Rodovia Tal” não é certo. O posto está mesmo em uma das margens, ou seja, “à margem da rodovia”. Se nos referimos, por exemplo, à ocorrência de algo que marque as duas margens, como vegetação, barranco ou areal, certamente diremos “às margens”.

A despeito de tudo isso o que critico como práticas errôneas dos profissionais que têm a Língua Portuguesa como sua ferramenta de trabalho – tanto na forma escrita quanto na oral – devo admitir que as falhas começam em casa, nas famílias de menor escolaridade ou convívio com a chamada “língua culta”. Mas a escola tem seu grau de responsabilidade nisso. Os professores têm que ensinar o correto e cobrar o aprendizado. Ou isso, ou responderão pelo crime de má-fé. Talvez até de falsidade ideológica, já que são pagos para ensinar e não ensinam.

Liberar, com diploma e tudo, o aluno que não aprendeu é condená-lo à marginalidade. Esse aluno, quando jogado no mercado de trabalho, será discriminado pelos resultados nos concursos. Os que tiveram melhores famílias, melhores hábitos (como leitura e convívio com as artes) e melhores mestres serão sempre vitoriosos. Eu me sentiria muito mal se meus alunos fossem os eternos reprovados, numa disputa vital em que só os filhos das classes mais abastadas têm chances.

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sexta-feira, novembro 08, 2013

Duros. E sem ternura



Duros. E sem ternura


Desde a década de 80, camisetas com um retrato estilizado de Ernesto Guevara, com a frase “Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás”tomou conta da juventude. Das juventudes, porque os jovens daquele tempo já emplacaram 50 anos. E há quem diga que o Chê nunca pronunciou tal frase – ela foi cunhada sobre sua biografia e aplicada num cartaz que se tornou tão popular quanto propaganda de coca-cola. (Alguém aí, confira se acertei na grafia; nunca estudei castelhano).

Horário de Verão, essa chatice (será chatura?)  instituída por Getúlio Vargas e que foi, algumas vezes, deixado de lado, continua a infernizar-nos a vida; Lula, quando presidente, prometeu acabar com isso, mas sua ministra de Minas e Energia convenceu-o do contrário; sendo assim, enquanto aquela ministra for presidente da República, ou enquanto o PT governar, não nos livraremos desse incômodo.

O argumento de Dona Dilma refere-se a uma enorme (!) economia de energia; mas os números citados por ela são muito menores dos que atingimos naquele apagão de 2001 apenas com campanhas de racionalização. E como acontece todos os anos, quando da vigência desse malfadado horário, os abusos continuam; e principalmente em Brasília; e notadamente em edifícios públicos, como o Congresso Nacional, os ministérios, o Palácio do Planalto e os palácios da Justiça – quer dizer, em todos os poderes. Pelo que disse nesta sexta-feira, 08/11, Alexandre Garcia (telejornal Bom Dia, Brasil, da TV Globo), somente os prédios dos ministérios da Defesa e das Minas e Energia cumpriam o ritual de economizar energia.

Mas, hão de me dizer, poder é isso. Poder é isso de mandar sem dar exemplo.

Falam em estimular o uso de bicicletas como alternativo do transporte e instrumento de exercícios, mas aplicam nada menos que 41% de impostos sobre as “magrelas”.

Empenham-se os organismos de segurança, de educação e de saúde (os mais citados pela população, do Cabo Brando à nascente do Rio Moa; do Monte Caburaí ao Arroio Chuí), mas mantém-se uma burocracia capaz de absorver grande parte dos gastos com esses segmentos fundamentais. Orgulham-se das nossas safras astronômicas, mas mantêm as rodovias mal construídas e mal conservadas, intransitáveis, e os portos obsoletos, retardando o escoamento da produção e aumentando também astronomicamente os custos de transporte.
O quotidiano da comunicação instantânea, a trivial Internet, proporciona-nos as redes sociais, pelas quais nos integramos ao mundo como jamais sonháramos há vinte anos. Mas essas tais redes, formalizadas em grupos institucionalizados nos espaços etéreos, acima das nações e de suas leis; e sobretudo acima dos conceitos de bem e mal – como bem define minha amiga Sueli Soares, mestra e causídica.

Vêm-me à mente as frases iniciais da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948. E recordo, também do noticiário televisivo, impresso e radiofonizado, o escândalo da espionagem dos ianques contra o resto do mundo, especialmente contra líderes de países amigos. O comandante de uma agência de espionagem do tio-sam estranha a bronca de nossa presidente e da primeira-ministra alemã; ele alega que nós – brasileiros e alemães, também espionamos os EUA.

Tempos árduos, duros, implacáveis. Tempos em que o jogo político, aliado ao poderio econômico, ignora solenemente o Homem. A ternura foi para a caçamba de lixo e o respeito ao próximo não aparece mais nem mesmo como figura de retórica.

Com tudo isso, resta-nos ainda o que nos fortalece: o retorno ao nosso restrito grupo de amigos (aqueles à antiga, não os “amigos” de redes sociais apenas) e à família. Ou perdemos de vez a capacidade individual das nossas ternuras.


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domingo, novembro 03, 2013

Do fundo do peito


Professoras Neuza, Mara Rúbia e Maíza

Do fundo do peito



Neste finzinho de mês (outubro, 2013), participei de uma festa que já se torna tradição na Escola Municipal Alice Coutinho (Vila Morais, Goiânia). Dentre as atrações houve avaliação de pesquisas, pelos estudantes, sobre O Homem e as Virtudes e ainda dança, teatro e música (instrumental e canto), além de um desfile de moda.

Uma aluna, a poucos passos daquela célebre viradinha, sentiu a dor que lhe causavam os sapatos de salto. Bastou-lhe um passo em falso para, num olhar expressivo para a professora Mara, que coordenava tudo, e com uma expressão decidida desfez-se dos sapatos e continuou seu caminhar elegante, de pés no chão, sob aplausos dos colegas e professores e a aceitação silenciosa da diretora Cristina.

O olhar da linda mocinha para a professora, como quem anunciava a decisão de continuar descalça, marcou forte em mim. Senti que ali estava uma pessoa decidida: ela será sempre capaz de desfazer-se do que a incomoda, e veio-me à memória a letra de um antigo samba: “Primeiro eu, depois o samba / Ela se engana quando pensa que venceu / primeiro eu”.

Flagrante do desfile com a modelo descalça 

Pensei: eu teria continuado, talvez mancando... Mas que bobagem! Certa está a menina-moça (apelido antigo para adolescente feminina) que não nasceu para as dores; é uma pessoa determinada a contornar problemas de modo radical,  sim – mas sobretudo capaz de cuidar de si. Em minutos, visitei minha vida esticada, quero dizer, dos anos mais verdes até agora; vi que em todo o tempo fui alvo de dois sentimentos, dominantemente, dentre os que me cercam: amor e ódio – considerando amor também a amizade (e a admiração) e incluindo na faixa do ódio o descaso (e a inveja).

Nunca me surpreendi com inveja de ninguém; mas isso não é virtude em mim, é fruto da minha exacerbada vaidade. E, a bem da verdade, de um certo conforto, também. Ter inveja deve doer demais. Melhor alimentar os sonhos sob um critério de avaliação sóbria, considerando as possibilidades de se chegar às metas. Em seguida, é lutar: planejar, estudar, pesquisar, dedicar-se – ir à luta.

Nesse ínterim (nossa! Há muitos anos não usava essa palavra; e não a ouço há décadas!), vislumbrei momentos de dedicação e carinho de que fui alvo – essas coisas a que chamamos de ternura, atitude de desprendimento que as pessoas de bem costumam trocar. Saí da escola com aquelas imagens estimulando minhas lembranças e conceitos. Gostei do auto-amor daquela menina! Que idade terá, quatorze anos, ou quinze? 

Ternura é algo que vem dos outros; mas pode vir de dentro de nós – como demonstrou a garota de quem falo. A gente registra as “externas” (as que recebemos e as que oferecemos). Já tive os que me ajudaram nos estudos; os que me acolheram de modo comprometedor. Nos ambientes de trabalho sempre recebi muito de amizade sólida e desinteressada: pessoas que nos trazem uma boa notícia; ajudam-nos numa promoção; indicam-nos para um treinamento; recomendam-nos.

Aquela menina fez-me lembrar de um colega de trabalho que, para crescer profissional e financeiramente, delatava colegas à estrutura de repressão e comparecia aos quartéis para ajudar a torturá-los, arrancando unhas com um alicate. Morreu esquecido, ainda que cercado de conforto material. A moça que se desfez dos sapatos deu-me uma definição de seu futuro: ninguém lhe causará dores. Ela removerá de seus pés o incômodo e há de se firmar por seu caráter e força de vontade – causará encantamento com o amor que tem a si própria e, certamente, se expandirá àqueles que estejam à sua volta.


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