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domingo, junho 08, 2014

Minha pátria é a língua...

Minha pátria é a língua...

"Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa.  (...) Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha." (Fernando Pessoa, Livro do desassossego [Companhia das Letras, 1999, 536 páginas.]) 


As pessoas de Goiânia tingiram-se de amarelo na metade superior do tórax e lotaram o Estádio Serra Dourada, ou os bares de todos os bairros, esquinas de todos os setores, e cantavam a alegria de serem brasis, com muito orgulho, com muito amor. A Seleção Canarinho, ou antes, o Escrete de Ouro, estava na cidade; e no final da tarde da terça-feira, dia 3 de junho, nove dias antes da estreia da XX Copa do Mundo, jogou prazerosa contra a representação do Panamá - o país com o chapéu alheio  - e vitoriou-se com um expressivo quatro-a-zero. 

Notícias chegaram pela tevê, talvez Cristiano Ronaldo desfalque a seleção lusitana. Isso entristece, tira um pouco do brilho desses jogos, que voltam ao Brasil 64 anos depois de ficarmos vices num Maracanã emudecido. 

Os caras que dirigem a FIFA - um governo sem pátria, sem território específico, sem povo próprio mas muito mais rico que dezenas de países do mundo que carecem de bens públicos e sofrem de fome – os super cartolas da FIFA dizem que a grande bandeira deste campeonato é contra o racismo. Nada de jogar bananas aos jogadores negros, nada de menosprezar os jogadores índios (existem?), nem de menosprezar os orientais de olhos puxados e cabelos lisos como a cara-de-pau de político que apoia o poder, muitas vezes sem sequer fazer parte dele. 

E eu –  poeta menor, escritor da província Goiás, torcedor do Vila Nova em segunda divisão estadual e lanterna da Série B do Brasileirão –, regozijo-me de ser brasileiro, com orgulho e amor demais. Vencer a Seleção Panamenha foi uma alegria não tanto pelo placar, mas pela festa de "esquenta" dos canarinhos nacionais. E sempre é bom tê-los em Goiânia (dá saudade da presença que ficou quotidiana de Luciano do Vale nessas ocasiões). 

A FIFA deve insistir: " Não joguem banana aos atletas negros", mas essa campanha, vindo deles, soa mais falsa do que os cartazes de "Não pise na grama" – e, dia destes, vi letras miúdas como um rodapé no cartaz, e em baixo estava escrito, em letra miúda: “Está cheia de cocô de cachorro”. A FIFA é falsa.
A mídia insiste nas patriotadas verde-amarelas, mas jamais teríamos um bom time, uma seleção-orgulho se não houvesse esse mundão de craques de todo o mundo, essas seleções multicores de todos os continentes. É torcer pelo Brasil, sim, mas esticar esse amor aos jogos a outras terras da grande pátria que tão bem definiu Fernando Pessoa: "Minha pátria é a língua portuguesa". 

Nada de estranho, nada de mais, nem de menos... Elegeu o vate lusitano a língua pátria como pátria maior; e os boleiros fizeram quase que o mesmo: na falta de melhor saber a língua, empatriaram-se no reino do que melhor fazem: para estes, a pátria é a bola e o bolo de dinheiro que lhes dá graças a cada fim de mês.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns. A maior "arma" de um povo é a sua língua!