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domingo, julho 06, 2014

Nada a lamentar








Imagens: Internet

Nada a lamentar!


Recebi, minutos antes de me pôr a escrever estas linhas, da professora Graça Tostes (amiga de infância, aquele tempo feliz de nossas lembranças, num recanto feliz do Rio de Janeiro – o meu inesquecível bairro de Marechal Hermes), um interessante texto sobre o fim de algumas coisas muito importantes hoje: os correios, o cheque, o jornal, o livro, o telefone fixo e – pasmem, que eu fiquei pasmado! – a música. 

Gutemberg e a prensa


Há mais coisas, mas de menor peso no nosso quotidiano. Temos, todos os que lemos, um apreço inestimável pelo livro, considerado por muitos o mais perfeito design já concebido, pois preserva a mesma forma há cinco séculos. Mas quantos somos nós, os leitores, em todo o mundo? E ainda que, juntos, formemos uma percentagem pequena na humanidade viva, temos de admitir que somos muito mais hoje do que há 500 anos.

Mas a música? Será que desaparece mesmo? Não acredito. As artes são manifestações espontâneas do bicho sapiens, a gente estuda para saber mais e para produzir cada vez melhor, para evitar repetições etc. O texto a que me refiro vem com a linguagem de Portugal – a construção das frases, os verbos flexionados sem gerúndios, e o telefone celular chamado de telemóvel são fortes indicativos.

Na Europa, sabemos, a música popular, por exemplo, não tem transformações há muito tempo; e do lado de cá do Oceano Atlântico – isso me foi despertado por um amigo há 35 anos – somente nos EUA e no Brasil a música passava por evolução (naquele tempo não vislumbrávamos que as gravadoras viriam impor à sociedade a música digerível pelo intestino, sem gastar tempo no estômago para ser notada pelo cérebro).

Entendo os argumentos de sustentação listados pelo autor do texto – omitido na mensagem via Net, como é comum. Um desrespeito a quem pensou e escreveu, argumentando, despertando a discussão que agora me envolve. Os correios desaparecem porque já não se escrevem mais cartas; o jornal, porque os jovens não lêem jornais, os adultos informam-se em noticiários eletrônicos e os jovens trocam informações entre si, sem critério seletivo do que informar e receber, o que os conduz a guetos de isolamento que podem sugerir o retorno à barbárie – ao menos à uma barbárie calcada na tecnologia dos tablets e celulares (ou telemóveis).

O livro... Bem, sobre esse já expus o que penso. Os aparelhos de tevê, ou televisores (a que chamamos, na intimidade, de televisão), também já começam a sumir de cena porque os portáteis de agora juntam câmeras (de foto e cinema), telefone, receptor de tevê e computador. No Brasil, ao menos, o complexo a que chamamos de correio tem incorporado serviços que o tornam uma superagência prestadora de bens variáveis.

Tudo bem, mas por que nos preocuparmos? Há cem anos, começava a desaparecer da lista de profissões e empregos a figura indispensável (para a época) do acendedor de lampiões – e os lampiões de gás (a gás) foram tema de belíssima valsa de Zica Bérgami (1913-2010), gravada pela divina Inezita Barroso.  Os bancários (fui um deles por 30 anos) também estão desaparecendo, pois os bancos inventaram um modo de fazer com que o cliente “trabalhe” no lugar dos antigos profissionais.

O tempo muda, o homem muda, o mundo muda, a vida muda. Substituímos sempre as coisas, as profissões e os apetrechos que criamos para “facilitar” nossas vidas. Triste mesmo é pensar que o homem, na busca pelas facilidades, perca referências no intrincado processo de aprimoramento social, fechando-se cada vez mais em si, ignorando seus iguais e caminhando de volta para a caverna – cheia de luzes e tecnologia de ponta, mas cada vez mais fechada, essa caverna... É que o futuro já chegou!


* * *



6 comentários:

Ridamar Batista disse...

Muito boa! Mas como você mesmo disse é o futuro que chega a galope. Para os que o esperam, melhor que saibam conviver com isso e para nós que pouco dele viveremos, melhor ir acostumando.Um abraço amigo. Ridamar

José Liberato Ferreira Caboclo disse...

Muito boa a sua crônica.Parece-me que antes de Pessoa,Hannah Arendt
teria dito-a pátria é a nossa língua Entrevistado por Jô
Soares,Martinho da Villa,um gênio,foi enaltecido por estar dominando o
francês muito bem.C`est lentement,trés lentement...E o Jõ
continuou-voc~e fala outras linguas.E Martinho-Jô todos só falam uma
lingua-a da sua nação,nos comunicamos nas outas
linguas.Certo,Martinho,aprendemos a verbalizar na mesma época em que
alicerçamos a nossa personalidade,nos dois primeiros anos de vida.

Liberato

Eloá Mamare disse...

Excelente crônica. Mostra bem como vivemos hoje, internet tomando lugar do convívio social. Pessoas que desaprenderam a ler um livro encadernado.

Zanilda Freitas disse...

E quanto à musica... era tão boa, que me lembro, com muita clareza de uma manhã de inverno (nos anos 50 ainda tinha inverno), fria e nebulosa: em Pontalina, minha terra natal, ainda criança, saí para buscar o leite no curral e de algum rádio ouvi a Inezita Barroso cantando Lampião de Gás. Era tão lindo que jamais me esquecerei daquela manhã e do Lampião de gás! Como sempre, Poeta, você mexe e remexe no baú das recordações. Será que nossos netos terão coisas tão bonitas que recordar?

itaney disse...

Este é um tempo líquido, plastificado, que se acomoda com a dinâmica das mudanças irresistíveis. A comunicaçào eletrônica, em tempo real, torna obsoletas as cartas, os bilhetes, os recados manuscritos e com suporte no papel. É um tempo de velocidade e mudanças. No último século, o Brasil mudou mais do que nos quatro séculos anteriores, na esteira das mudanças mundiais. Há que se estar atento para que as mudanças vertiginosas não comprometam as possibilidades de o homem ser feliz. Itaney Campos

Mara Narciso disse...

Assustador, porém previsíveis esses desaparecimentos. Muitas profissões e serviços acabaram, como o consertador de máquinas de escrever, o sapateiro, o alfaiate. Dizem que os médicos também serão dispensados. Quanto a música, embora no momento esteja claramente deteriorada, ainda vai renascer e durar para sempre.