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domingo, setembro 21, 2014

Lágrimas antes da Primavera


Lágrimas antes da Primavera



Os ipês florescem desde agosto. E fazem uma dança festiva de revezamento, alternando os pontos de profusão do amarelo, do rosa, do roxo e do branco, entre outras cores ou tons, lembrando-nos que a vida se renova e que podemos não apenas trocar esperanças, mas também fortalecê-las.

Há notícias diversas de festas e de tristeza; há a descrença ante a dor e a esperança de lenitivo em cada gemido. Em dias inesperados, o calor mostrou nuvens altas que nos trouxeram chuvas rápidas e benfazejas, e mandamos que as dores se adormecessem, pois é-nos dado o tempo de nossos sonhos, de novas crenças. É como se cada instante dedicado a confiar no futuro fosse uma ação de investimentos tal só comparável à sisudez dos investidores na bolsa de valores.

Há os que investem o próprio capital para fazê-lo crescer; outros investem sua fé porque o propósito é ser feliz. Esta é a lição dos ipês, das buganvílias e das quaresmeiras, das rosas e dos flambuaiãs (a publicidade prefere dizer flamboiãs...): acreditar, porque a vida se renova; e, com ela, renova-se a esperança, que só nos chega se tivermos fé.

A floração dos ipês é muito rápida, os biólogos dizem que dura cerca de três dias. Muitas dessas árvores parecem florescer durante uma ou até duas semanas, mas é porque algumas flores se abrem enquanto outras caem. Assim, a festa dos ipês, esperado por todo o ano, só acontece nestas semanas de vésperas da Primavera.

Aqui estou eu a falar de flores – sexo das plantas – enquanto a vida humana é ceifada a cada instante, feito as flores dos ipês. Assim caíram as 15 jovens (crianças inclusive) assassinadas por motoqueiros; assim tombaram muitas vítimas de assaltos – a vida valendo o preço de seu automóvel ou mesmo de seu celular. Assim findou feito um susto o menino Bruno Henrique, talvez por uma embolia pulmonar, dois dias após um acidente de moto, antes mesmo de ser operado por conta de uma fratura de fêmur.

A morte por assassínio ou acidente evitável é sempre muito dolorosa. Como o caso do sr. Orlando – atropelado por uma moto quando circulava de bicicleta na Avenida dos Alpes, sem segunda chance para sua vida; e como a morte de Bruno Henrique. A ambas as famílias, a dor chega de súbito, não pede licença nem deixa uma aviso.

No meu coração também há algo que incomoda. Uma dor, certamente menor, e algo como um remorso, uma tentativa de pedir desculpas aos que choram – mas eu, pessoa, não tenho culpa alguma. Sou, sim, parte dessa máquina cruel que vê as cores se renovarem, as flores que chegam e se vão para retornar no ano que vem – mas essas pessoas que se foram antes da hora não voltam.

Deixo minha dor e minha culpa nas mãos dessas famílias – como os pais de Bruno e a esposa, filhos e netos de Orlando (especialmente a Luciene e a Bárbara). Em cada morte dessas eu vejo cair uma lágrima, nestas semanas antes da Primavera. Feito a flor do ipê amarelo que anotei caindo, devagar e triste. A lágrima do ipê...

* * *

3 comentários:

Mara Narciso disse...

O Dia da Árvore, um dia especial para festejar os ipês e suas vestimentas belas, ainda que fugazes, como o é também a nossa vida, e como foram de súbito ceifadas essas vidas de Goiânia, vítimas de atropelamento.

Guido Heleno disse...

Pois é, Aquino... De flores e emboscadas, ipês floridos e vidas ceifadas, é construído o cotidiano de muitas cidades.
Aqui também é tempos de ipês e muitos usufruem das flores que parecem posar para os fotógrafos de plantão.
Parabéns pela crônica.
Abraços

Darcy Costa disse...

Infelizmente os ipês e outras árvores continuarão a testemunhar episódios tão lamentáveis. Ótima crônica!