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quinta-feira, janeiro 22, 2015

Fazendo o mal sem saber a quem

Memorável: Luiz de Aquino JOSÉ FERNANDES, Antônio Olinto (da ABL), Coelho Vaz e Beth Almeida, na Academia Goiana de Letras. (Do meu arquivo)

Fazendo o mal sem saber a quem

Faço um esforço terrível para poupar críticas, mas nem sempre é possível. Assusta-me saber que um trabalhador brasileiro que ganhe um pouquinho mais de dois salários-mínimos integra o “clube fechado dos pagadores de Imposto de Renda”, como o definia o coronel Jarbas Passarinho no tempo dos milicos. Lembro-me bem do militar (então já na reserva) contar que, como coronel do Exército, não pagava porque tinha lá tantos filhos; mas como ministrou ingressou no tal clube.
Agora, com salário mínimo perto de 800 reais, basta alguém ganhar R$ 1.780,00 e algumas moedas para ser tributado. O Congresso tentou aliviar a carga, elevando o piso para uns 130,00 reais a mais; foi quando o “novo” ministro da Fazenda festejou, quietinho, o veto da presidente: a preservação do velho teto assegura uns sete bilhões e algumas querelas (querelas de milhões) na “burra” do Leão.
Só não digo que é melhor deixar pra lá porque não dá! Temos, sim, de espernear... A mesa de reuniões continua com 39 cadeiras de ministros. Os salários são altos naquele status; os magistrados e procuradores, destacados também com salários-teto, ganham ainda os auxílios vários: moradia, livros, trajes e possivelmente outros itens menos enfáticos.
Enquanto isso, um cidadão das minhas relações com o nome pequenino de José Fernandes mofou por umas duas semanas num leito de hospital. O cardiologista o salvou da crise de batimentos baixíssimos e recomendou um dispositivo moderno, como que um marcapasso cardíaco de nova geração.
Tudo bem. Aliás, estaria tudo bem, se os procedimentos recomendados fossem cumpridos. Só que o meu amigo José tem um plano de saúde. Privado – diga-se de passagem. E poderoso (com cobertura em todo o país). José é pessoa de origem humilde, filho de lavrador do sul de Minas; criou-se junto ao pai, na roça, até o momento de “continuar os estudos”, isto é, ingressar no ginasial.
Família muito pobre. Menino estudioso, curioso e dedicado. Um padre amigo orientou-o e ele foi cursar um seminário. Quase se ordenou padre. Fez-se professor de Língua Portuguesa e Literatura, cursou de tudo, fez algumas especializações, mestrado e doutorado. Mas quando chegou a esse ponto já havia deixado Minas, estudou – até a graduação – em Curitiba, fez-se professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Veio parar em Goiás, na UFG. Poeta e critico literário, autor de muitos livros, foi acolhido como membro efetivo da Academia Goiana de Letras e foi seu presidente por duas vezes.
Também por duas vezes o tal poderoso plano de saúde “errou” ao transcrever o código do aparelhinho que regularia o coração do meu amigo. O paciente, com isso, teve momentos de altos e baixos, até que outro acadêmico – Iuri Godinho, jornalista, editor e escritor e nosso confrade na AGL – resolveu visitar a sede do tal plano e dizer quem era o paciente de nome tão simples.
Miraculosamente, o código foi corrigido.
 * * *
Esta história é uma das que decepciona o brasileiro – mas é uma das que faz de vítimas pessoas de classe média, dessas que não escapam do Imposto de Renda, que contribui com a Previdência Social e com os tais planos de saúde – portanto, sem SUS, sem CAIS, sem UPA e outras siglas do complexo sistema público.
E se não fosse a famosa “carteirada”, meu amigo poderia ter morrido por desídia de algum funcionário do plano... Ou mesmo de algum médico de visão mercantilista (tão comuns nessas empresas). E pensar que o Professor Doutor José Fernandes, poeta e contista, crítico e mestre de tantos notáveis, só foi atendido após tal procedimento que, considerado anti-ético, torna-se pedra-de-toque para salvar vidas (ele foi operado e passa bem. Valeu, Iuri Godinho!).

* * *


Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras. 

11 comentários:

Getúlio Targino Lima (Presidente da AGL) disse...

Sei que você, Luiz de Aquino, procura evitar críticas, mas a desta notável crônica foi absolutamente necessária. Realmente, o descalabro chega a este patamar. E se não houver qsuem denuncie, quem publique, quem diga a verdade, vamos continuando nas mãos destes "controladores da saúde" que recebem para dificultar o atendimento. É uma filosofia, uma cultura brasileira: na hora de se fazer os tais planos, os tais seguros, tudo é às mil maravilhas, mas na hora de se necessitar deles, tudo é às mil dificuldades. Crônica serena, mas firme e de marcante revolta, porque entre outras grandes mazelas, esta é uma daquelas que não podem ser toleradas. Parabéns.

José Fernandes disse...

Obrigado, meu caro amigo, Dom Luiz De Aquino Alves Neto! Estamos à mercê do governo incompetente e de pessoas nada confiáveis. Viva a amizade, única salvação nesses momentos difíceis. Grande abraço.

Luiz Maia da Cruz disse...

Retratou de forma inteligível e brilhante os desmandos dos planos de saúde no Brasil; Parabéns mais uma vez, primo, continue sendo a voz que repercute as insatisfações do povo.

Beth Almeida disse...

Queridos amigos José Fernandes e Luiz De Aquino Alves Neto, como diria Antonio Olinto: Fez, fica! O que o homem correto realiza em sua vida é o que fica. Saúde para os dois. bj no coração.

Jos disse...

É criminosa a prática adotada pelos planos de saúde de anunciar aos quatro ventos a excelência de sua capacidade de atendimento. Na verdade quem já usou alguma vez qualquer especialidade médica sabe que as deficiências são enormes ,desde a dificuldade de marcar consultas e exames até a impossibilidade de internação em momentos difíceis. O pior de tudo é que ainda tentam arrebanhar mais usuários, o que vai inviabilizando cada vez mais um atendimento correto e humano.

José Silva disse...

É criminosa a prática adotada pelos planos de saúde de anunciar aos quatro ventos a excelência de sua capacidade de atendimento. Na verdade quem já usou alguma vez qualquer especialidade médica sabe que as deficiências são enormes ,desde a dificuldade de marcar consultas e exames até a impossibilidade de internação em momentos difíceis. O pior de tudo é que ainda tentam arrebanhar mais usuários, o que vai inviabilizando cada vez mais um atendimento correto e humano.

Jô Sampaio disse...

Graças a Deus, professor José Fernandes, o senhor se salvou, mas a alegria de ver o final feliz em seu caso não nos horroriza menos diante desta nossa realidade. Quantos óbitos há por dia por causa da negligência médica? Parabéns, amigo Luiz de Aquino, continue usando sua pena em favor de nobres causas.

Eu estou sem médico. Descontam-me quase um salário mínimo de IPASGO mas, sempre que preciso de um médico que já consultei em tempos passados, fico sabendo que este deixou o IPASGO e hoje cobra 350,00 por uma consulta. Enquanto isso, a cada ano pago mais IR, além de terem reduzido (há três meses) pela metade a minha pensão.. INDIGNAÇÃO!!!! INDIGNAÇÃO!!!!

Mara Narciso disse...

Muito triste ter de enfrentar mais essa, além de todas as que já enfrentamos. Dar carteirada só é razoável para salvar vidas, o que foi o caso. Penso nos demais, que não tiveram tal sorte. Encontraram antes da hora, a sua rima, a morte.

Linda Pacheco disse...

Li seu artigo( como sempre) e endosso suas palavras de indignação. Parabéns

Nádia Maria Vinhas disse...

Jornalista, meu poeta, te prefiro assim, mas hoje seu artigo veio mostrar o que queremos da mídia, como diria Odorico Paraguaçu- a imprensa falada, escrita e televisada-, prestando um serviço ao povo, botando a boca no trombone e expondo as mazelas que tanto prejudicam a nossa sociedade. Parabéns!!!... Uma vez que tens a ferramenta e a oportunidade clama por nós, simples observadores, peça justiça, exponha tudo o que achar que possa nos ajudar; a saúde está muito doente, nem sei se terá cura, mas enquanto escreverem aos quatro cantos a sua enfermidade teremos um pouco de esperança...
Je suis Luiz de Aquino.

Valdeir Marques Faria disse...

Texto muito legal e verdadeiro, parabéns amigo L.A.
É por coisas assim que não troco onde estou por lugar nenhum no Brasil. Essa infestação de descaso na saúde e em outros órgãos públicos é humilhante para todos e muito mais para aqueles que pagam seus impostos durante todo sua vida de contribuinte, e ver ver políticos arrastando dinheiro público a rodo para seus bolsos! Tenho exemplos dentro de casa de maus serviços públicos. Minha mãe casada com meu pai, pagaram o INCRA a vida toda e NUNCA conseguiram se aposentar, justamente porque não tinham ninguém para dar carteiradas, assim como seu amigo teve (sorte dele)! Depois muita gente me condena diz que porque moro fora não tenho o direito de falar nem criticar governos do Brasil. Mas continuo brasileiro e meu direito de expressar ninguém mo arrebata!
Viva a liberdade de expressão e... ! ! !