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segunda-feira, julho 27, 2015

No JORNAL OPÇÃO desta semana...

Entrevista que concedi ao poeta e ativista cultural Adalberto de Queiroz:

José Veiga e Luiz de Aquino, na Feira Hippie (Barraca do Escritor Goiano), em 1982.


Poeta Luiz de Aquino:
“Professores do meio acadêmico muitas vezes torcem narizes aos vultos goianos”

Adalberto de Queiroz
Especial para Jornal Opção
Virtualmente, propus uma conversa ao poeta Luiz de Aquino, uma conexão entre Goiânia e Hidrolândia, onde reside. Eu, dublê de poeta e empresário, animador cultural, provoquei o membro da Academia Goiana de Letras (AGL) a fazer um balanço da fraterna amizade literária mantida com o ficcionista José J. Veiga, um dos grandes Cen­tenários que Goiás celebra em 2015.
De sua parte, Aquino faz o que é devido. Depois de ter protegido o acervo de Veiga como fiel guardião, Aquino com o apoio do Sesc Goiás montou uma bela sala-museu com o acervo que ao poeta foi confiado pela esposa de J. Veiga. Na quinta-feira, 30, o Aquino falará sobre esse e outros temas, além de autografar alguns de seus mais de 20 livros publicados. A conversa integra a programação da 1ª Semana Cultural dos Amigos do Jaó.
As amizades literárias são cada vez mais raras. Como o sr. situa a sua tão profícua amizade com J. Veiga?
Creio ser necessário esclarecer essa tão propalada amizade entre mim e José Veiga, ou mesmo corrigir o termo. Havia, desde antes de conhecê-lo, uma grande admiração pelo pouco que havia lido de sua lavra –– alguns contos e eventuais publicações em periódicos. Conheci-o em abril de 1978, na casa de Dona Geny, no Largo do Rosário, em Pirenópolis, onde hoje há a pousada Dona Geny. Desde então, cuidei de manter a proximidade, com a troca esporádica de cartas (foram muito poucas) e as minhas visitas à sua casa, na Glória, Rio de Janeiro. E para ficar claro, sua casa era um apartamento no solene edifício de frente para a Praça Paris, parte do Aterro, com vistas, pois, para a barra da baía de Guanabara, o Museu de Arte Moderna, o Monumento aos Pracinhas, o Aeroporto Santos-Dumont e Niterói do outro lado, completando o belíssimo panorama.
José Veiga era um homem discreto, inicialmente de pouca conversa, mas não era uma pessoa “fechada”. Permitia-nos chegar e ouvia-nos atento. Descobri que, se fosse de seu agrado, ele poderia bem esticar a prosa e tive a alegria de vislumbrar o conteúdo daquela caixa-de-segredos que era ele, ao contar de coisas vividas, de informes lidos ou ouvidos e, melhor ainda, de suas impressões.
Tinha um hábito que considero de alta valia –– a de sempre escrever aos autores que lhe enviavam livros, especialmente os novos. Lia, considerava, destacava as qualidades, não fazia referências a falhas e se expressava sempre com estímulos para a continuidade do ofício. Detectei isso não apenas no que ele próprio me escrevia, mas em correspondências dele a outros companheiros da minha relação.
O primeiro autógrafo (na casa de Dona Geny), em abril de 1978. 

Notei, desde o começo, que ele não respondia aos meus comentários à sua obra. Ouvia em silêncio e sempre achava um modo de responder com a abertura de um novo tema a partir das minhas próprias falas. Somente uma vez, quando eu comentava uma passagem de seu livro “mais recente” (gaguejei sobre o nome do livro) e ele me lembrou, gentilmente, “Aquele mundo de Va­sa­barros”, que pronunciou pausadamente, com a costumeira clareza de um bom locutor (o que ele de fato era).
Curiosamente, somente sobre o meu primeiro livro, ele me fez um comentário oral, algum tempo depois da costumeira carta de agradecimento e incentivo. Disse apenas que achou interessante o meu jeito de terminar um conto: “A poucas linhas do final, eu parava para imaginar como você encerraria aquele conto em tão poucas linhas” –– e fez-me crer que esse item era digno de nota.
Eu estranhava o fato de ele nunca anunciar suas vindas a Goiás. Elas eram, costumeiramente, em abril, em férias. Ele se hospedava com Dona Geny, sua prima, e em seguida visitava ir­mãos em Brasília e Ipameri, além de alguns amigos em Goiânia, como sua afilhada Gláucia Baiocchi, o professor Gomes Filho e Eli Brasiliense. E havia as vindas eventuais, cumprindo compromissos literários combinados pela editora e pelas universidades. E eu sempre era informado e o procurava.
Nota-se, pois, que eu não era um desses amigos da sua intimidade. Ele sabia que nos veríamos nos eventos acadêmico-literários e mesmo em suas duas ou três visitas à Barraca do Escritor, na Feira Hippie (Praça Cívica). Tivemos, pois, uma amizade literária, fomentada pela minha insistência, mas bem acolhida por ele. A evidência disso foi justamente o fato de, no dia seguinte à sua morte, a viúva Dona Clérida ter ligado para dizer-me da vontade dele –– a de que me fosse entregue seu acervo literário para que eu o instalasse aqui em Goiás, pois “ele não queria ser esquecido” –– palavras dela para mim, ao telefone.
A vaidade, o ciúme, a inveja parecem prevalecer no mundo das artes e literatura (bem como no do jornalismo). Apesar disso, a história está cheia de exemplares correspondências entre amigos literatos, com lições de estilo e afetivas. O afeto em literatura é uma quimera?
É curioso notar que a nossa amizade era diferente, por exemplo, das de tantas outras que, algumas décadas atrás, marcavam as relações entre escritores. Não são poucas as publicações de trocas de correspondências entre autores distantes –– como Fernando Sabino e Mário de Andrade, o primeiro em Belo Horizonte, o outro em São Paulo. Ou entre Carlos e Mário, na mesma geografia… Minhas idas ao Rio e as vindas de José a Goiás, bem como o uso regular do telefone, justificam as raras cartas. E hoje, há 16 anos de sua morte, a correspondência se faz pela Internet, de modo instantâneo e muito mais prático. O que me convence de que houve, sim, entre nós, um bom nível de confiança foi o fato de ele ter me recomendado como a pessoa a cuidar de sua memória.
As novas gerações têm razões de sobra para conhecer Veiga, Eli Brasilense, Bernardo Élis e Carmo Bernardes. A geração de 15 foi especial na literatura feita em Goyaz. Por que deveria um jovem do século XXI ler escritores centenários?
Muitos dos bons e ótimos escritores do século passado carecem de maior atenção nos dias de hoje. A tevê e o cinema podem ser os veículos de perpetuação dos nomes de muitos deles. Dos poetas, pouco se fala, por exemplo, de Manuel Bandeira e Gilka Macha­do, dos ficcionistas, a memória nacional é ingrata para com José Lins do Rego e o nosso Bernardo Élis (ainda reverenciado no meio acadêmico, mas aos poucos minimizado na memória popular).
O sr. labutou sozinho pela preservação de um importante acervo até obter apoio para a sala-museu J. Veiga. Que missão o levou a lutar contra tudo e todos por uma ideia? A memória de um ficcionista, como Veiga, é mais valorizada fora de sua terra? Por que nossos suplementos, se é que existem, omitem essa efeméride?
José Veiga é pouco referenciado em Goiás e acredito que consegui um grande feito ao procurar as instituições comerciais de Goiás –– os dirigentes José Evaristo dos Santos, da Fecomércio, e Giuglio S. Cysneiros, diretor Regional do Sesc –– que guardam pessoas sensíveis que fazem as vezes de autoridades culturais não só por terem acolhido minha proposta, mas por tudo o que se vê acontecer em sua esfera de trabalho.
O meio acadêmico goiano cuida pouco de sua obra, ele não tem merecido, de graduandos, mestrandos e doutorandos locais, a atenção do tamanho de sua projeção nacional e internacional (agora mesmo, é traduzido e publicado na Holanda –– mais uma língua a que chega a literatura da nossa goianidade).
Tenho escrito sobre autores da nossa terra e lancei, no começo do ano passado, a ideia de destinarmos o ano de 2015 para festejar o centenário de quatro grandes entre nós –– José J. Veiga (é jota-ponto, e não Jacinto ou Jacintho, como teimam alguns menos informados), Eli Brasiliense, Bernardo Élis e Carmo Bernardes. Há outros notáveis, como o morrinhense Pedro Celestino (que se destacou mais como político que como escritor) e Octo Marques (autor de livros, mas conhecido mais por sua arte pictórica) e todos merecem as homenagens que lhe prestam a Academia Goiana de Letras (AGL) e o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Mas esse meio acadêmico, em que o aluno é o mais lembrado, é norteado por professores que muitas vezes torcem narizes aos vultos goianos.
Por que digo isso? No meio universitário, temos muitos professores adventícios que procuram, sim, divulgar autores de suas relações, gente de sua região de origem. E há outros, inclusive goianos, que consideram o nativo muito arroz-com-pequi (usam mesmo essa expressão) e ridicularizam, ou buscam fazê-lo, o que produzimos. Esses professores gostam muito de nós quando, no ofício jornalístico, significamos notas nas colunas impressas que resultarão no enriquecimento de seus currículos, mas jamais fazem uso de nossos textos em suas salas de estudos e de aulas, e buscam recomendar aos seus alunos a procura de obras alienígenas para seus trabalhos de conclusão, suas monografias e teses.
Nos quatro notáveis que este ano se tornam centenários, destaco a elevada qualidade de sua linguagem. Veiga e Bernardo são dotados de um lirismo emocionante. Eli nos brinda com a narrativa clara e elevada, sem perda do entendimento pelo leitor comum. E Carmo enriquece-nos com a musicalidade rítmica de um excelente contador de causos, dotando sua prosa de um vocabulário telúrico o bastante para significar um dos mais ricos glossários do linguajar dos sertões de Minas e Goiás. Não compreendo como se estuda num curso de graduação em Letras neste Brasil Central sem fazer uso exaustivo desses autores. E o triste é constatarmos que esses cursos, tanto os de bacharelado quanto os de licenciatura, despejam no mercado profissionais de pesquisa e ensino sem a base mínima para fazerem jus a seus títulos.
Lembremo-nos, por exemplo, que dispúnhamos, até há pelo menos vinte anos, de excelentes suplementos literários. Jornalistas-escritores como Modesto Gomes, Aidenor Aires, Miguel Jorge, Domingos Félix de Sousa, Brasigóis Felício e outros mais foram excelentes editores nos suplementos dos jornais. Mais recentemente, a AGL manteve suplemento, tendo por editores Coelho Vaz e, depois, Iuri Rincon Godinho e eu próprio, juntamente com Eurico Barbosa. Esses editores deram vez e voz a escritores do passado, sim. Não existe, na literatura, tema novo –– tudo o que pro­duzimos hoje diz respeito à nossa visão, não somos novidadeiros –– e por isso mesmo é que recorremos à História das Letras. O que seria da literatura universal sem Cervantes, Camões e Shakespeare? E o que seria da nossa poesia, em Goiás, sem Leodegária de Jesus, Yeda Schmaltz, Joaquim Machado, José Décio e Léo Lynce? Mas, infelizmente, em Goiás os cursos de graduação em Letras omitem esses ícones.
A última carta de José para Luiz de Aquino: um mês e um dia antes do desenlace.

Qual a importância do incentivo que o sr. recebeu como Menes­trel, vindo de uma figura da gran­deza do Veiga? E, algo mais, um lugar no paraíso para um amigo: seria para o Veiga?
Pois bem! Se o tema é a minha amizade com o José Veiga –– ou o Zé-Veiga, como o chamávamos em Pirenópolis –– devo detalhar o começo e a duração daquela jornada de oito anos, até que eu encontrasse o abrigo do Sesc de Goiás.
Assim que recebi o telefonema de Dona Clérida (a viúva de José despediu-se desta vida dois anos e poucos meses após o desenlace do marido), procurei minha amiga Dênia Diniz, bibliotecária e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e ela se motivou tanto quanto eu. Fomos ao Rio para que Dênia conhecesse o espaço e o acervo do meu amigo. E foram muitas as viagens, culminando com uma permanência de Dênia e sua filha Marina (então pré-adolescente) por mais de uma semana, procedendo ao levantamento e à catalogação dos livros e objetos que viriam para Goiás. O governo ajudou-nos com o transporte e a Academia Goiana de Letras, tendo José Fernandes na presidência, cedeu-me uma sala na Casa Altamiro, onde abriguei os livros e outras publicações, juntamente com móveis e objetos, quadros e troféus e medalhas etc.
A peregrinação esticou-se por quase oito anos. Chegou-se a empenhar verba para aquisição de uma casa em Corumbá, imóvel esse que foi a última morada do menino José, filho de Luiz da Veiga, na cidade, mas algumas ações de interesses outros boicotaram a aquisição. E como nada acontece por acaso, nas minhas incontáveis viagens ao Rio e a Corumbá, consumi muito dos meus parcos ganhos mensais, até descobrir, surpreso, que na sua terra natal o contista de “A Estranha Máquina Extraviada” não era lido nem mesmo pelos pa­rentes próximos. Seus leitores conterrâneos estavam em Goiânia e Pirenópolis. De toda a família Veiga, percebi o interesse apenas de três sobrinhos.
Tentei, como havia tentado antes, despertar o interesse de Pirenópolis, onde também não encontrei eco. Em Goiânia, bati à porta da UEG, da PUC e da UFG, e fui tratado como visitante desagradável. A última descartada foi mesmo a da Universidade Federal e, ato contínuo, procurei o segmento do Comércio. No ambiente da Biblioteca, na Rua 19, instalou-se o Espaço José J. Veiga, inaugurado pelo imortal e primeiro crítico a manifestar-se sobre a obra do notável goiano Antônio Olinto, da Academia Brasileira de Letras (ABL), por escolha minha. Isto se deu em 2007, com apoio da Prefeitura de Goiânia (a sensibilidade do poeta Kleber Adorno, então secretário da Cultura, que viabilizou a vinda de Antônio Olinto) e, estranhamente, naquele momento a autoridade estadual da Cultura compareceu ao evento apenas para participar do corte da fita, já que em nada contribuíra.
Dênia com a filha Marina - as duas trabalharam duro para inventariar o acervo de José J. Veiga, em 1999. 

A propósito, do então presidente da Fundação Pedro Ludo­vico (depois, Agepel) Nasr Chaul, com o indiscutível apoio do governador Marconi Perillo em seus dois primeiros governos, obtive algumas passagens para o Rio de Janeiro e o transporte do acervo. Todas as demais despesas foram custeadas por mim. Ajuda pessoal e profissional, somente da bibliotecária Dênia Diniz, a meu pedido e por amor à causa - e ela sequer é goiana!

sábado, julho 25, 2015

Num instante, o desencanto

Num instante, o desencanto



Disse sempre, e gosto de repetir, que jamais a preguiça me impede de escrever. Temos preguiça, às vezes, de fazer coisas como andar, organizar objetos, arrumar gavetas e até mesmo de dar seguimento a conversas, mormente as que nos desagradam. Mas cada um de nós tem uma disposição permanente para determinadas coisas. Minha vontade continuada é a de escrever.

Neste gosto pelos textos, sempre fui de ler para me informar e aprender. E ler por lazer, que vem a ser o suprassumo dos momentos, nessa prática salutar para a mente e o espírito. Lembro-me de quando, lá pelos seis anos de idade, sentando num banco de madeira em frente à loja do tio Aníbal, meu bisavô Donato Ríspoli surpreendeu-se porque tentou ganhar minha atenção – mas eu não desviava os olhos e a atenção de um prosaico gibi em preto-e-branco.

Andei dizendo a algumas pessoas, recentemente, que ando com preguiça de escrever. Fui olhado com estranheza, e eu mesmo tratei de considerar o que poderia me incomodar a tal ponto. E achei que não estou mesmo com preguiça de escrever, mas perturbado pelo desencanto. A facilidade na comunicação, com o advento do computador, dos “esmartefones” e outras engenhocas isolou as pessoas de seus próximos, mas aproximou-as dos distantes – que paradoxo, não? E os polegares saltitantes nos teclados desses aparelhinhos introduziram as pessoas no ofício dos textos, mas...

Que merda, hem? As pessoas entraram na escrita antes de aprender a escrever! Lembro-me de quando, nos idos do semanário Cinco de Março, isto é, nas décadas de 60 e 70 do século passado, o jornalista Valterli Guedes entrevistou um deputado desses simbólicos, quero dizer, enfáticos e muito falantes. O homem declarou que “aos dez anos de idade já era professor” – o que meu velho companheiro traduziu, no texto para o jornal, dessa forma: “Prodígio – foi professor antes mesmo de ser aluno”.

Há menos de uma semana, coleguinha jornalista da jovem-guarda recordava, em linhas do Facebook, de outros profissionais, de sua faixa etária, que, no exercício da profissão aqui mesmo no DM, cometiam erros crassos que um revisor, dono de excelentes textos em prosa e verso, corrigia tentando ensinar. Os moços malversados na Língua e na prática da escrita, debochavam do professor-revisor e esvaíram-se no quotidiano. Em pouco tempo, eis que os reencontra noutro ofício – o de professores de Jornalismo numa das várias faculdades patrocinadas pelo Pro-Uni, esse programa de governo que remunera empresários empreendedores do segmento educacional. Ou seja, uma nova linha do empresariado investe num ramo que não é de sua “expertise” (como dizem agora) e, justo por não saberem, contratam como professores justamente os profissionais falidos no ofício da profissão.

Entenderam, queridos leitores? Ando meio que desencantado com o sucesso dos falsos valores. Qualquer profissional, até poucos anos atrás, orgulhava-se por demais ao ser chamado (ou aceitar-se como tal) de professor na formação de seus próprios colegas! Mas com uma qualidade dessas num corpo docente, que qualidade podemos esperar dos novos profissionais? Consolida-se a prática do “professor que finge ensinar” para “alunos que fingem aprender”.

E concluo confessando: passei alguns minutos percorrendo meus guardados, pensei em publicar, hoje e aqui, alguma crônica antiga. Mas preferi assumir este momento de decepção, o que me prova (para minha própria alegria) que a preguiça de escrever ainda não me atingiu mesmo!


* * *

Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, julho 18, 2015

Medicina, socorro e ética



O diretor-geral do HUGO, Dr. Ciro Ricardo:"Desde a chamada e até a alta, atender com compaixão e amor". 

Medicina, socorro e ética



Já se viu, pelo que se fez notícia e pelos resultados apresentados, o significado da gestão inteligente nas unidades de saúde do Estado, em Goiás. A experiência é vitoriosa desde que se consolidou no CRER - Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo, que vivencia a modalidade desde a sua criação. E chegou a outros hospitais no período anterior de governo, por iniciativa do secretário Antônio Faleiros e com a indispensável aquiescência e cobertura de Marconi Perillo.

A eficiência e a praticidade, vencendo os entraves da burocracia normal do serviço público, mostram que os resultados, tanto para os pacientes e familiares quanto para os gestores e o próprio governo, mostram-se favoráveis.

Um dos hospitais símbolos dessa eficácia é o Hospital de Urgências de Goiânia – o HUGO –, entregue, pela via legítima de licitação ao Instituto Gerir (organização social de saúde). A primeira e indiscutível demonstração se dá nos corredores do hospital, em qualquer dos pavimentos, onde não se vê mais a fila costumeira de macas e pacientes na dolorosa espera.

Em cerca de um ano, ampliaram-se os leitos de enfermaria e de UTI e muitos procedimentos fora da visão dos usuários e familiares aconteceram para ratificar a melhoria, com ações ampliadas em número e especialidades para os estágios e residências médicas e multiprofissionais. Hoje, o HUGO é referência nacional. E a mola-mestra dessa progressão é a Divisão de Ensino e Pesquisa, dirigida pelo conceituado neurocirurgião Luiz Fernando Martins. E uma das primeiras metas estabelecidas foi a transformação do HUGO, de Hospital-Escola em hospital de Ensino.

Idealizador de tal providência, Luiz Fernando Martins destaca que nada mudará para os pacientes e profissionais da Casa, mas amplia-se o leque de oferta no âmbito acadêmico, o que resultará, sim, na melhoria dos procedimentos funcionais. O que se tem é que a ciência médica (e isso inclui não apenas médicos, mas todos os profissionais envolvidos no sistema de assistência – no caso das unidades de emergência, isso quer dizer desde o momento em que se atende a chamada de socorro até os procederes pós tratamento), cujos avanços nas últimas décadas são, indiscutivelmente, surpreendentes, terá no HUGO excelente campo de conhecimento e também de aprimoramento.

O Hospital de Urgências de Goiânia busca a condição de Hospital de Ensino
Uma unidade que agrega cerca de um mil e seiscentos profissionais de saúde, administrativos e de apoio, que oferece estágios e residências (médicas e multiprofissionais), que acolhe com competência e eficácia acidentados de diversas causas e variados níveis de gravidade, habilita-se a associar a pesquisa ao ensino e ao atendimento.

A par da eficiência profissional, um item tem realce nas atitudes dos profissionais do HUGO – a ética. E este é um fator da mais elevada ocupação da Divisão de Ensino e Pesquisa. Não bastam a técnica e a índole soberana de bons profissionais – a conduta ante o paciente e seus familiares, bem como aos colegas de profissão e parceiros de atividades auxiliares, reveste-se da grandeza humana que “faz a diferença”.

Nesse propósito, na terça-feira, dia 14 de julho, o diretor-geral do HUGO, Dr. Ciro Ricardo de Castro, proferiu palestra no auditório da Divisão de Ensino e Pesquisa sob o tema “A ética no atendimento de urgências”. Em sua fala, embasada no conhecimento médico-acadêmico e na experiência de quase meio século de exercício médico, Ciro Ricardo recorreu a essa mesma experiência, contou histórias de vida, destacou referências médicas e da literatura universal.

Começou por valorizar cada pessoa das equipes de socorro, cada momento desde o atendimento até o socorro e transporte, o acolhimento, o tratamento e as relações interpessoais, tanto nas equipes quando nos contatos com paciente e parentes e amigos. E simplifica: “Cabe-nos valorizar o que cada um tem de bom e ajudar no que cada um tem de ruim”, isto é, participar do crescimento dos companheiros e aprender com eles. E “uma equipe se forma com o multiprofissional mas sobretudo com o inter profissional”. E adverte: “Quem não erra ou pensa que não erra, está num mau começo”.

Mas o ponto alto foi quando listou imprudência, negligência e imperícia como os três itens que podem comprometer seriamente o atendimento e que violam frontalmente a ética. E, ao finalizar, ressaltou: “Não somos nada sozinhos. Temos sempre de respeitar todos os profissionais, com amor e compaixão”.

Em tempo: amor e compaixão foi expressão citada com ênfase e segurança pelo médico ao referir-se a cada contato, seja no âmbito da equipe, no tratamento e nos colóquios com familiares e acompanhantes.

Foi, enfim, uma aula de amor e compaixão.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, julho 12, 2015

Hábitos e rotinas

Hábitos e rotinas


Naquela primeira metade da década de 70, no século passado, duas campanhas institucionais do governo de Goiás chamaram a atenção de todos. A primeira, inusitada e inoportuna, mostrava fumegantes chaminés industriais e sugeria: “Traga a sua poluição para Goiás!”. Ora, já havia ambientalistas, ainda que com outro nome, e a reação foi enérgica! A segunda... Bem, vou falar rapidamente sobre a primeira.

A proposta do governo era trazer indústrias para Goiás. Uma movimentação expressiva, porém, buscava convencer governos e indústrias a reduzir a poluição ambiental em São Paulo. E, na contramão ecológica, Goiás dizia querer a poluição. Em tempo ágil, aquele anúncio foi trocado, porque em outras plagas já ridicularizavam a infeliz campanha.

O segundo era sui generis. Pelos jornais e revistas, nas rádios e na tevês, propunha mudar nosso horário de almoço. Era costume nas famílias goianas o almoço entre 11 e 13 horas. O “reclame” (já não se usava essa palavra, nome antigo para “anúncio”) mostrava um telefone (na tevê e nas rádios, o telefone tocava) e uma frase buscava nos convencer, assim: “São Paulo quer falar com você”, e sugeria que almoçássemos mais tarde.

Bastou muito pouco para que os locais de trabalho estabelecessem o almoço entre o meio-dia e as quatorze horas. E, parece, nunca mais São Paulo nos chamou sem resultado. Devo contar, ainda, que nosso céu continuou límpido – conseguimos industrializar sem poluição atmosférica (pelo menos, porque o agrotóxico jamais foi vencido).

Pois é, as mudanças são necessárias sempre. Houve (e ainda se vê) muita resistência à entrada das organizações sociais no sistema de saúde do governo estadual. Falou-se em terceirização, privatização e outros “ãos” descabidos – mas os resultados são altamente positivos. E é importante dizer que, ao passar o HUGO, o HDT, o HMI e outras unidades de saúde para a gestão das organizações sociais, o governo não investiu no escuro – contava, desde o início de suas atividades, com os bons resultados do CRER.

Fala-se, agora, em adotar a mesma medida na Educação. A resistência já se faz notar e muitos professores manifestam-se contrários, receosos de maior depreciação da categoria. Estranhamento, ao que me parece, os professores não são contra a transferências de escolas para o controle da Polícia Militar (eu, particularmente, prefiro as escolas na jurisdição da Educação, mesmo que com gestão por OS).

As mudanças são preconizadas dentro de um quadro de ineficácia, em face da burocracia que retarda procedimentos e compromete resultados. Foi assim na Saúde, há de se resolver assim também na Educação. Vivemos o tempo em que professores e gestores da área estão expostos à violência das ruas, que invade escolas, e alunos com problemas de conduta e carentes da educação familiar colocando em risco a integridade de mestres e funcionários. Quem apoia a militarização das escolas alega justamente o fator disciplina.

Escolas particulares, antes opção para alunos que não logravam passar nos exames admissionais das escolas públicas, não registram agressões de alunos ao seus mestres e auxiliares. Essa característica é o que vislumbro na gestão por organizações no sistema escolar público.

A única coisa a se exigir, concomitante a essa mudança, é a real valorização do professorado, com a paga mensal justa (e não falo do ridículo piso nacional, mas de um valor que se discuta e se atinja em todo o país, com a União bancando as diferenças). De resto, é enfrentarmos essa mudança. Afinal, porque as escolas públicas hão de ser, sempre, a única coisa a preservar o ortodoxia em sua gestão e nos padrões de ensino?



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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, julho 04, 2015

Cól cênter

Cól cênter
(ou: A CELG faz chover?)



Quantas vezes, leitores queridos, vocês já foram chamados nos incontáveis cól-cênteres que aborrecem nossas vidas quase todos os dias? Uns nos ligam para nos vender, outros para nos cobrar, outros para oferecer cartões de crédito, outros para sugerir um político etc. e tal. E há aqueles para onde ligamos na tentativa de solucionar algo – como, por exemplo, as questões de serviços públicos.
Na manhã deste sábado, dia de festa cívica nos “istá zunidos”, acordei sem energia em casa. Aguardei meia hora, uma hora. E como a falta de energia continuava (ia dizer falta de luz, mas a luz do Sol já me bastava, precisava era de energia para ligar o computador e a tevê, ouvir notícias enquanto escrevia).

Tudo bem, peguei uma conta da CELG, liguei para aquele zero-oitocentos meia-dois zero um nove meia e cumpri o passo a passo, digitando o número da minha Unidade Consumidora – uma espécie de cepe-efe da minha conta. Atendeu-me um Thiago, que forneceu-me um número de protocolo mas não pôde prosseguir com o serviço porque o sistema estava fora do ar, que eu ligasse novamente em alguns minutos.

Liguei. O segundo atendente, Kléber ou algo parecido, antecipou para dizer-me que estava com todo o sistema fora do ar, que eu retornasse em uma hora. Retornei. Uma moça (não lhe guardei o nome porque a conversa ficou um tanto difícil) fez-me as perguntas corriqueiras, como repetir o número da Unidade Consumidora, declinar meu nome completo etc. e tal.

Tudo ia bem até que ela... Bem! Vou interromper para destacar outra história. Agências de cobrança (vez em quando sou assediado por elas) sempre nos pedem muitas informações, como declamar o número do cepe-efe, data de nascimento e nome da mãe, endereço com CEP e números de quadra e lote etc. Mas culminam com duas perguntas bastante invasivas – ou imbecis: “Qual foi o motivo do não pagamento na data certa?” e “O dinheiro que o senhor usará para o pagamento virá de que fonte – salário, INSS, empréstimo ou outra fonte?”.

Sem comentário!

E retorno à moça que me atendeu na CELG, sem me fornecer novo número de protocolo (certamente, ficou valendo aquele do primeiro contato). Depois de checar meu nome, endereço etc., perguntou-me sobre “uma referência”. Falei que se tratava de um condomínio fechado, mas... Tudo bem! Lembrei-me do posto de combustíveis que tem na margem (e não “às margens”, como dizem os coleguinhas de rádio e tevê) da BR-153, aqui ao lado. E a moça, então, fez a pergunta que me divertiu, espantou e estupificou: “Como está o tempo aí, está chuvoso ou nublado, do tipo que vai chover logo?”.

Ah, “mondiê”! Faz isso comigo não, moça! – pensei eu. E respondi-lhe pelo óbvio:

– Minha querida, eu estou falando com a CELG, eu moro em Hidrolândia, bem ao lado de Goiânia, estamos em Goiás, Planalto Central Brasileiro, e é julho. É claro que estamos na seca...

A moça, indignada, interrompeu-me, com aspereza:

– Mas eu tenho de perguntar isso! – e repetiu, segura de si – Está chovendo aí ou não?

– Está bem, meu amor – ajustei-me ao que ela queria – aqui não está chovendo nem há ameaça de chuva, o céu está lindo e azul, os passarinhos cortam os ares, cantantes e felizes!

Ela disse alguma coisa dentro daqueles procedimentos que, parece-me, se ela não os recitar um avião com 300 passageiros vai cair, o Estádio Serra Dourada será implodido ou os defuntos vão fugir do cemitério mais próximo. E, para concluir, desloquei-me a Goiânia, retornei duas horas após e os técnicos já haviam solucionado o problema – sem chuva!

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.