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domingo, setembro 27, 2015

Sapucaia, outra vez!


Sapucaia, outra vez!

Crônica de 2011 (como a sapucaia da Nova Vila está de novo esplendorosa, decidi republicá-la). Confiram em http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com.br/2011/09/sapucaia.html).



Primeiro, o dicionário de papel; depois, uma consulta ao Google. Faltou-me um bom livro de botânica brasileira, mas o que encontrei é o bastante. Queria saber um pouco sobre uma solene árvore que fica junto ao muro do Parque Agropecuário, junto da esquina da Avenida Meia-Ponte com a Rua Um da Nova Vila, na esquina próxima ao CRER.

Bem, uma amiga me preveniu: a árvore, estes dias, está totalmente desfolhada. Indica que estamos nas últimas semanas da estação seca e em poucos dias ela passará pela floração. Suas folhas ficarão róseas (as mulheres que me ajudem! Eu chamo aquilo de cor-de-rosa, mas as mulheres terão no mínimo cinco nomes que bem marcam os tons variados do que eu chamar de cor). E ao pesquisar o nome “sapucaia”, encontrei um exemplar dessa árvore no ponto em que se faz muito bela, belíssima! Mais que quando verde, que o verde das folhagens é também expressão de raríssima beleza, mas a coloração festiva só ocorre uma vez a cada ano e justo nessa transposição do Inverno para a Primavera (os nomes das estações em maiúsculas obedece a regra que trago dos tempos de primário; qualquer mudança posterior aparece-me como novidade não convincente).

Volto aos conceitos: o dicionário em papel – no caso, o Caldas Aulete (tenho reservas ao Aurélio) – diz-nos que sapucaia é nome de várias árvores, mas dá primazia ao nome científico de uma delas, Lecythis pisonis. E a enciclopédia virtual Wikipédia (nem tudo o que vemos lá é confiável, porque aceita acréscimos, em alguns casos) informa um pouco mais: popularmente conhecida por sapucaia ou cabeça-de-macaco, é uma árvore brasileira da família das lecitidáceas. Sua semente é chamada castanha-de-sapucaia. A palavra sapucaia tem origem tupi, ainda que existam diferenças nas propostas etimológicas: ou resulta da união dos elementos sa, puca e  ia (respectivamente:  “olho, “que se abre” e “cabaça) - já que ao abrir-se o opérculo do fruto (que é um pixídio) parece que se vê um olho. Por outro lado, há quem considere que a palavra tem origem na palavra tupi para galinha (elemento de troca entre índios e portugueses, no início da colonização, que as trocavam pelas sementes do fruto, as castanhas).

Pois é! Algumas árvores marcam bem nosso habitat. A sapucaia no Parque da Pecuária é uma das principais referências de Goiânia – como as gameleiras do Setor Sul e as do Setor Universitário; os ipês em toda a cidade (tenho preferência por um ipê branco na Avenida 136, entre a Praça Kalil Gibran e a Rua 115), e as buganvílias da Avenida Portugal.

Daqui a poucos dias, a sapucaia vai florescer e está em mim a impressão de que flores e folhas ganham a mesma cor. É o que vejo nas fotos pesquisadas na Internet. Muita gente vai até lá fotografá-la, postar fotos em suas páginas no Orkut e no Facebook, mostrar aos amigos... É comum a gente se apegar a árvores, elas nos sugerem segurança. E é comum também nos encantarmos com as flores. Flor é sexo de plantas, é a demonstração natural da reprodução, tal como o ventre avolumado das fêmeas sugerem vida nova. Para a sapucaia, o ano deve começar agora, ao término de seu desfolhamento natural para dar lugar ao novo, às flores e aos frutos que virão a seguir.

A natureza ensinou-nos muito! Inclusive a medir o tempo: dias e noites são instantes distintos, mas aprendemos que noite e dia somam-se para mostrar a porta-bandeira Terra a sambar em torno do mestre-sala Sol; a Lua mostra-nos a semana em cada fase e soma-as para nos dar um mês; e as plantas, florescendo assim como a Sapucaia (agora, em maiúscula; e é desnecessário explicar) nos mostra um ano. E os nômades dos desertos “descobriram” o ano contando estrelas!
Em síntese, é a vida a renovar-se, a renascer e... a nos ensinar! Os contadores de dinheiro e outros bens materiais desatinam-se ao tentar ridicularizar os poetas que apreciam as flores, a Lua, o Sol, as estrelas... a natureza em geral. Não sabem, esses desavisados, que viver é poetizar. E, poetizando, fui até a Nova Vila fotografar a sapucaia desnudada. Feito eu mesmo, meio século atrás, a bisbilhotar, à fechadura, a prima que se enfeitava após o banho.

Aquela nudez sugeriu alegria! Não está bela, a árvore, ela apenas se prepara para ornamentar-se de cor, como a prima se embelezava de tecidos e adereços, jóias e carmins de pó-compacto e batom. E nós, cidadãos da cidade, admiradores enamorados, voltaremos lá para regalo dos olhos e registros de imagens.


* * *

Naquele dia 2 de setembro de 2011, quando publiquei esta crônica, o poeta Gilberto Mendonça Teles presenteou-me com um recado e um poema:


Luiz, quando li sua crônica e vi o pé de sapucaia, me veio logo uma brincadeira 
poética, que aí vai:
                                                              

  Vilancico


Venha logo, tire a saia, 

venha logo, meu amor,
debaixo da sapucaia,
o chão coberto de flor,
passarinhos dando vaia
no meu jeito de doutor 
e no seu ar de gandaia
venha logo, meu amor,
galopando além da baia,
seja aqui, por onde for,
no mar salgado, na praia,
na tristeza de uma dor,
na beleza do Araguaia,
venha logo, meu amor,
para o meu rabo-de-arraia,
você no chão, com suor,
na moita de samambaia,
eu morrendo de calor
como um homem de tocaia
tendo você ao dispor
e que dança, canta, ensaia
e nunca sai do isopor



Gilberto Mendonça Teles - Rio, 2/9/2011

sábado, setembro 19, 2015

Uma data, duas histórias

Dona Lilita, minha mãe, por Amaury Menezes.

Uma data, duas histórias



Imaginei sempre – mas nunca perguntei isso a nenhum dos dois – que meus pais torceram para que eu demorasse mais quatro dias para nascer. Afinal, era o tempo que faltava para o aniversário de 22 anos de minha mãe. Mas, apressadinho, nasci no sábado, dia 15 de setembro, em 1945. E na quarta-feira, 19, Dona Lilita aniversariou.

Repenso essa ideia e concluo que estou errado. Minha mãe, e também meu pai, gostavam de relembrar fatos e contar histórias. E nunca ouvi qualquer referência a essa minha hipótese. E em momento algum se fez, em casa, aquele empenho em comemorar dois aniversários (da mesma semana, como se vê) num dia só. E na véspera do meu décimo aniversário nasceu o irmão caçula, Ângelo (nós dois, sim, algumas vezes festejamos juntos nossos aniversários, bem como meu filho Leonardo, igualmente de 14/9, na véspera dos meus 23).

Estivesse entre nós, minha mãe festejaria hoje 92 anos. Mas despediu-se... Melhor: recebeu nossas despedidas seis meses após completar 80 anos (precisamente, dia 21 de março, 2004), faltando apenas sete meses para festejar, ao lado do meu Véi Raé (Israel), 60 anos de casados. Hoje, portanto, estaríamos reunidos em torno dela. E em sua ausência, limitamo-nos às orações e às lembranças que tenho sem tristeza, e são cenas de carinhos e aprendizado, ou de atenções e escutas.

E foi num 19 de outubro, em 1999 (justo quando comemoramos seus 76 anos) que faleceu no Rio de Janeiro o contista mais publicado de Goiás, meu amigo e referência maior José Veiga, literariamente mascado como José J. Veiga. Veiga morreu de complicações decorrentes de um câncer de pâncreas. Minha mãe, por sua vez, com uma pancreatite. Associações absolutamente desnecessárias que apenas me ocorrem, perdoem-me!

Veio dela, em mim, esta curiosidade que me fez leitor – muito mais leitor e melhor leitor do que estudante. E de tanto ler até experimentar escrever não precisei de muitos estímulos, eu apenas dava asas à vontade de cumprir o desafio a que me propus (como um menino que ensaia jogadas com a bola tal como vê fazerem os craques, seja nos estádios ou na tevê).

José J. Veiga, esculpido por Neusa Morais
Quando conheci José Veiga, em casa de Dona Geni, em Pirenópolis (1978), eu já tinha os rascunhos dos contos que juntei para publicar “O Cerco e Outros Casos”, livro que veio à luz em outubro daquele ano. Foi ele quem, pela primeira vez, aplicou-me apalavra “escritor”, pronunciando-a com a ênfase de um legítimo locutor (naquele tempo, existiam os locutores – profissionais de vozes bonitas e pronúncias claras, com muito bom domínio da Língua Portuguesa, e José Veiga o foi na Rádio Guanabara, no Rio de Janeiro, e depois na Rádio BBC, em Londres).

Leitor – ou ledor – compulsivo de livros, em Português ou em inglês, o nosso José Veiga apareceu escritor aos 44 anos – o que causou estranheza, pois os autores de livros costumam estrear mais cedo. Mas aquele era um autor especial, exigente demais de si próprio, daí essa delonga em revelar-se o maravilhoso contista que encantou o Brasil e acabou traduzido em cerca de 40 países, mesmo após sua morte (no ano passado, a Holanda o acolheu em sua língua e território).

Este ano, Veiga completou (dia 2 de fevereiro) cem anos de seu nascimento. Eu digo “completou” porque, como vimos, ele não morreu, apenas desencarnou. Sua obra continua a despertar surpresas e curiosidades (que o diga o mestre José Fernandes, acadêmico da Academia Goiana de Letras, a quem o próprio autor de Sombra de Reis Barbudos qualificou como o que fez o melhor estudo de sua obra).

Por isso, leitor que me suporta todas as semanas, este sábado de minha alegria, de minhas lembranças e, com justiça, de minhas homenagens a duas pessoas que tanto significaram na minha formação humanística e no gosto que despertaram em mim por ler (minha mãe) e por teimar na escrita (José Veiga, sem o J. e sem o suposto e por ele sempre rejeitado “Jacinto”).

Viva 19 de setembro de todos os anos!

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, setembro 12, 2015

Uma aula da Dra. Cristina

Dra. Cristina Lopes Afonso - vereadora em Goiânia,
fisioterapeuta e professora.


Uma aula da Dra. Cristina


O primeiro motivo foi o dever de ofício – escalaram-me para cobrir uma palestra no auditório do HUGO, dentro do programa de palestras desenvolvido pela Diretoria de Ensino e Pesquisa. E ao ver o programa, cumpri-o com a alegria de quem comparece a um evento por (também) dever amigo – e admirador.

Muito se tem falado sobre políticos, sobre a péssima qualidade que define a maioria, ou a quase totalidade, da classe política. O bom senso recomenda que as pessoas de bem procurem integrar esse meio, expor suas ideias, candidatar-se e, elegendo-se, lutar pela depuração do meio, mormente nos parlamentos dos três níveis de governos.

Um Congresso Nacional de duas câmeras (a dos Deputados e o Senado da República), 27 assembleias nas unidades federativas e quase 5.600 câmaras municipais – são milhares de eleitos, mandatários de cargos por quatro anos (no Senado, oito anos). E uma afirmativa que sempre me preocupa: a cada quatro anos, comentam os analistas que “esta legislatura tem pior qualidade que a anterior”.

Nesses momentos é que a velha máxima renasce – as pessoas de bem precisam entrar na política. E os mais pessimistas vão além, asseveram que muitas pessoas de bem convertem-se ao mal quando veem as oportunidades de se locupletarem.

Sou dos que creem que muitos se salvam nesse... mar de lamas. Ou que nem toda câmara – municipal, estadual ou mesmo as casas federais – seja, genericamente, um covil. Aos poucos, vemos novidades promissoras na Justiça, nas corporações policiais de várias naturezas e no Ministério Público. Se tais instituições já se renovam para melhor, o mesmo acontecerá, em breve, nos parlamentos.

Volto ao cerne do meu pensamento. Naquela manhã de terça-feira, o dia 8 deste setembro, assisti a uma palestra limpa e clara, uma verdadeira aula de atendimento em casos de queimaduras. A pessoa no tablado era a Dra. Cristina Lopes Afonso, a moça de Curitiba que, há trinta e tantos anos, foi agredida da forma mais vil e covarde pelo próprio namorado, que a embebeu em álcool e ateou-lhe fogo.

A partir daquele instante, foram muitos anos de dores inenarráveis, mais de vinte cirurgias, o tratamento longo e doloroso no principal centro de queimados do país – o Hospital de Queimaduras de Goiânia. Superado aquilo tudo, vitoriosa ante seus sofrimentos, Cristina tornou-se Doutora em Fisioterapia (atuando no próprio hospital onde encontrou alento e elevados resultados), professora universitária e, dentre outras funções e atividades, vereadora em Goiânia.

Sua palestra no Hospital de Urgências de Goiânia foi das mais aguardadas e festejada por dezenas de profissionais, grande parte destes seus ex-alunos na Esefego e, agora, colegas fisioterapeutas. Antes mesmo de concluir sua excelente preleção, era chamada para o lançamento de uma campanha de prevenção de acidentes na Justiça do Trabalho.

A agenda dela é assim, cheia de compromissos em Goiânia, por todo Goiás, pelo Brasil inteiro e, não raro, no exterior. Vê-la ao vivo, ouvi-la e absorver o que conta é algo de estimulante e maravilhoso! A Dra. Cristina não se preocupa em esconder as cicatrizes do corpo – ela venceu as dores e as sequelas, e quando nos mostra a sua vida e suas competências desperta-nos para a fé no amanhã.

Em suma – Cristina Lopes Afonso convence-nos de que nenhum mal que se arme contra o nosso corpo é capaz de nos “queimar” a alma. Ela nos mostra que sua alma não tem marcas negativas – nem cicatrizes!

Post. Scriptum. -O Dr. Luiz Fernando Martins, Diretor de Ensino e Pesquisa e anfitrião desses eventos, qualificou-a como “um exemplo de vida”. Ela discorda e evoca Sobral Pinto para dizer-nos que os ideais são e devem ser sempre os maiores propósitos).


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, setembro 05, 2015

Boas maneiras para más notícias

Dra. Raquel Pusch, a palestrante sobre este delicado tema.

Boas maneiras para más notícias



Na programação de palestras que visam a, cada vez mais, humanizar o atendimento no Hospital de Urgências de Goiânia, a psicóloga Raquel Pusch, de Curitiba, proferiu palestra, dia 28 passado, sobre um tema intrigante e muito interessante – Boas maneiras de se dar más notícias. O evento integrou também o calendário comemorativo do Dia do Psicólogo, 27 de agosto.

O auditório do Hospital foi pequeno para a demanda. A plateia, predominantemente de psicólogos e alguns estagiários e residentes, formava-se também de enfermeiros, os médicos Dr. Luciano Leão (Coordenador de Transplantes da SES-GO), Dr. Ciro Ricardo (Diretor-Geral do HUGO), Dr. Luiz Fernando Martins (Diretor de Ensino e Pesquisa da Unidade) e Dr. José Mário Teles, Superintendente Técnico da Gerir (a OS que administra o HUGO). E, ainda, dois jornalistas para registrar a explanação.

Aprendi, há anos, que não é surpresa nos depararmos com um resultado muito eficaz nas palestras proferidas pelo pessoal de Saúde, e a Dra. Raquel Pusch não perde neste quesito – muito pelo contrário! Clareza e objetividade, um discurso didático e forte, cheio de conceitos muito bem fundamentados – inclusive com um fundo filosófico indiscutível – absorveu os 60 minutos dessa preleção, e em momento algum se abordou qualquer má notícia, como poder-se-ia esperar.

O óbvio, pois, foi deixado de lado. Alguém que vem ou é trazido a uma unidade hospitalar de urgência e emergência não pensava, ao amanhecer aquele dia, que estaria naquela situação, isto é, sob cuidados de uma equipe de emergência. O mesmo se dá com amigos e familiares. Os procedimentos exigidos são altamente variáveis e chega-se a um momento em que há de acontecer a má notícia, seja ela de sequelas prolongadas ou irreversíveis e, pior ainda, os casos de morte encefálica ou o óbito.

O que a Dra. Raquel Pusch não abordou foi o momento evidente de se contar ao paciente que ele poderá sofrer uma amputação, que ficará sem parte do corpo ou privado de algum dos sentidos, ou imobilizado total ou parcialmente, que o tratamento a seguir exigirá meses ou anos de muito exercício e fisioterapia, entre outras dificuldades – coisas difíceis de se dizerem em atenção ao direito que o paciente tem de saber de si mesmo. Essas notícias são também para as famílias e os amigos. E para estes há ainda a questão da morte encefálica e a do desfecho final. E há o instante constrangedor de se sugerir aos familiares a doação de órgãos.

Raquel Pusch, autora de uma obra muito especial como Manual: Rotinas de Humanização em Medicina Intensiva (entre tantos feitos de realce em 27 anos de profissão), nada exemplificou, não citou momentos complicados em especial, não causou suspense. Ela falou da necessidade que se tem de ser humano em todos os instantes, de considerar o sofrer, as dores de pacientes e familiares, de amigos e de tantos os que integram o âmbito das relações dos pacientes.

Ao término, e com o propósito de acrescentar – como sempre fazemos – algumas respostas extras à gravação da palestra, perguntei-lhe: “É fácil dar más notícias com boas maneiras?”. E ela, ratificando a postura e os princípios que norteiam seu proceder funcional e profissional, respondeu-me com uma frase definitiva sobre isso, mas só depois de alguns segundos foi que sintetizou – “Não, nunca é fácil dar más notícias”.

E entendemos, por resumo ou conceituação, que atender em emergência implica em praticar a humanização em todos os instantes, levando em conta que nossas palavras são menos de 10% do processo de comunicação – pois nosso corpo se expressa muito mais, nosso olhar, nossa voz e nossos gestos constituem-se de 90% desse processo.

E finalizo explicando por que me referi aos jornalistas cobrindo a palestra: nós tivemos uma aula especial de comunicação, daquelas que, em muitos casos, complementam o nosso aprendizado.


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Luiz de Aquino, jornalista e escritor, é membro da Academia Goiana de Letras.