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terça-feira, junho 14, 2016

Enquanto arrumo a estante...




Enquanto arrumo a estante




Lira Neto, o autor.
Ganhei de meu sobrinho Israel, professor de História, a obra (em três volumes) Getúlio, do jornalista Lira Neto. Já venci as cerca de 600 páginas do primeiro volume e prossigo no segundo com a mesma vontade, esta sede inexplicável de absorver o máximo! Já lera eu, nalgum momento desta vida que se alonga, sobre as mudanças de opinião do velho caudilho (ele é de um tempo em que um homem de 40 era tido por velho), mas nem por isso há que se perder a admiração pela coerência, caracterizada não propriamente pelas opiniões conservadas (e, neste caso, quase sempre conservadoras). A coerência, em Getúlio Dorneles Vargas, estava na meta, não no caminho.

Na madrugada desta sexta-feira, li sobre a relação do ditador com a filha Alzira, ao tempo em que a menina contava 17 anos e as pessoas, na capital federal, já sabiam ser ela a única pessoa a conhecer os segredos de estado daquele regime de arbítrio, pelo papel que desempenhava ao lado do poderoso pai.

A mudança, do Sul para o Rio de Janeiro, implicou na reordenação dos livros (e eram muitos) nas estantes, mas o funcionário encarregado de fazê-lo cometeu o mesmo deslize que incomoda todos os que mantêm bibliotecas e confiam a outrem a missão de arrumá-los. O zeloso profissional do Catete (o Palácio do Governo) ordenou os livros nas prateleiras obedecendo a uma estranha ordem – o tamanho dos títulos e uma certa harmonia com as cores das lombadas...

Getúlio Vargas com a filha Alzira - inseparáveis!

Sem se abalar, o presidente recorreu à filha (adolescente, mas devoradora de livros) que, sem muita dificuldade corrigiu o feito do zeloso funcionário. O gosto da menina Alzira Vargas pela leitura e pelos estudos envaidecia o pai. Ele declarara, anos antes, que a mulher foi feita para a casa, portanto não precisava estudar, bastava saber cuidar de filhos, cozinhar e tocar piano. Mas o hábito de ler livros todas as noites para os filhos resultou no desenvolvimento de tal gosto em Alzira que, aos 17 anos, concluindo o estudo de Humanidades, disse a Getúlio que pretendia cursar Direito, tal como ele. E o pai, demonstrando ter mudado de opinião, prometeu-lhe que, caso fosse aprovada nos exames, ele lhe doaria toda a biblioteca.

Gosto muito dessas histórias de vida, de família, de ensinar e aprender. Coisa de pai, coisa de velho professor, sei lá! Mas gosto de biografias, em especial quando bem escritas e produto de pesquisa profunda e bem cuidada – é este o caso do livro em três volumes sobre a vida e a obra de Getúlio.

Estes dias, estou, enfim, tentando organizar meus livros nas prateleiras. Constato que disponho de muitos títulos em dobro, alguns com autógrafos dos autores em mais de um exemplar da mesma obra. Hei de doá-los a alguma biblioteca, de preferência escolar, ou a algum professor (certamente, de Língua e Literatura), esperando que possam ser bem aproveitados.

Empoleirado na escada de sete degraus, subindo e descendo ao longo de todo o dia transportando pilhas de livros para lá e para cá, alcanço a noite com os braços sentindo o peso dos exercícios repetidos, os olhos cansados e o corpo pedindo cama. E vou me deitar feliz, com um sono justo e, pretendo sempre, restaurador das forças. Em breve, estarei mais feliz, pois saberei bem onde localizar a obra necessária em cada momento, para consulta ou releitura – e também por pelo menos uma centena de títulos que ainda não li.

Mas, sem constrangimentos, sinto falta de uma “Alzira” que, com prazer e juventude, fizesse por mim a tarefa braçal – mas bem planejada – de organizar meus parcos livros.



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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


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