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domingo, julho 31, 2016

Muro de ódio em Hidrolândia

Muro de ódio em Hidrolândia


Quando escolhi viver em Hidrolândia, sabia bem que não escolhia o paraíso – mas um local onde pudesse tentar criar o meu próprio paraíso, com a natureza possível (e cada dia menos natural) e o próprio propósito de viver melhor. Sabia bem que teria o convívio da paz sempre ameaçada, pois as cidades crescem de modo incontrolável e todos estamos sujeitos a pessoas e seus feitos nem sempre amistosos.

Não estou falando de políticos já carimbados com as suspeitas do eleitorado e da população mal servida, mas de atitudes de violência velada, de intolerância ou de uma discriminação humilhante.

Refiro-me, especificamente, à “nova direção” de um posto de combustíveis, distante um km ao norte da principal entrada de Hidrolândia, isto é, em direção a Goiânia, na BR-153. Em breve, com as exigências do surpreendente crescimento da cidade, o ponto a que me refiro será a Entrada Norte de Hidrolândia.

Pois bem! Desde quando, há pouco mais de dez anos, adquiri o terreno onde moro, o ponto de acesso era esse, onde um empreendedor construiu o posto citado. Contudo, os preços de gasolina e etanol não eram convidativos, escolhíamos abastecer na cidade ou num outro posto, nas imediações do condomínio Terra do Boi, a meio caminho até Aparecida de Goiânia.

A “nova direção” teve, de imediato, uma atitude simpática – reduziu os preços – a gasolina caiu de R$ 3,99 para R$ 3,68, e o etanol, de R$ 2,97 para os suportáveis R$ 2,45. Mas foi só! A referência para os amigos era simplesmente essa: Entre no Posto Ale / Emaús e percorra um quilômetro para chegar à entrada do condomínio (moro no Estância da Águas).

Há uns dez dias, fomos surpreendidos com a construção em pouquíssimas horas de um muro impedindo-nos chegar ao Posto, de onde acessamos a BR-153. Ficou claro e indiscutível que não éramos bem-vindos ao estabelecimento comercial. A um dos membros do Conselho do nosso condomínio o gerente argumentou que nossos carros faziam muita poeira.

Ora! Estamos na seca, somos poucos os veículos a fazer poeira e já nos tornáramos clientes de seu posto – mas o nosso pouco dinheiro não interessa ao moço, que só quer mesmo os caminhões de pernoite em seu pátio.

O que me pergunto é: a prática contumaz do percurso não caracteriza serventia ou servidão? O condomínio e a via que percorremos para ali chegar já existia bem antes do posto. A alternativa que temos é um trecho de uns 50 metros entre o muro do posto e o da Copac – empresa que ocupa um vasto terreno ao lado – mas a alça de acesso a essa via carece de adaptação, bem como há que se remover um imenso totem do próprio posto, mal colocado justo no trajeto dessa via.

Não vimos ação da fiscalização municipal. Há que se admitir o direito de um estabelecimento comercial cercar-se de muros – mas não é comum em postos de serviços a veículos. Ou esse gerente pensa em murá-lo todo, instituir cancelas de controle para inibir pequenos consumidores, como o famoso Postão Aparecida (que ainda assim acolhe bem aos que lá adentram)?
Ao prefeito Paulinho, de Hidrolândia, deixo um apelo. Que ele mande vistoriar a malfadada obra do muro e, caso se admita a permanência daquele péssimo item de marketing da empresa Kurujão (a nova direção do posto), que se regularize o acesso entre a Copac e o posto – mas, indispensavelmente, e para não levantar poeira para o sensível nariz do gerente, por favor, mande asfaltar a pequena estrada. São apenas 1.600 metros.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, julho 23, 2016

Goiânia - A lista telefônica de 1943.

Este autor e Luiz Augusto P. Sampaio, em evento literário

A nossa primeira lista telefônica


Luiz Augusto Paranhos Sampaio – professor de Letras vernáculas e Modernas; advogado e professor de Direito; Procurador da República; articulista e cronista (pioneiro: é dele o primeiro livro de crônicas sobre Goiânia, Café Central, de 1964), membro e ex-presidente da Academia Goiana de Letras – é um intelectual incansável. Acaba de enfeixar seu livro Primeira Lista de Assinantes de Telefones de Goiânia, 1943, importante documentário da vida social, empresarial e política da então incipiente capital de Goiás, com cerca de 50 mil habitantes e pouquíssimas vias pavimentadas.

Até os anos iniciais da década de 1970, o telefone era um luxo (o telefone fixo; os celulares surgiriam mais de vinte anos após). Em 1943 (dois anos antes do meu nascimento) a telefonia local se fazia com a interferência indispensável de uma telefonista. Era assim: tirava-se o fone do gancho (apoio para a peça que se chamava fone e continha duas cápsulas – a bocal e a do ouvido); uma voz feminina (sempre) se identificava dizendo “Telefonista”, e o usuário recitava o número para onde se devia ligar. A telefonista operava um sistema de fios e completava a ligação.

Na década de 70, muitas cidades brasileiras ainda tinham suas redes telefônicas operada pelo mesmo procedimento. E foi no segundo lustro (1975-9) que a Embratel, holding do sistema telefônico brasileiro, todo federalizado, renovou drasticamente o sistema, dotando todas as localidades de telefones automáticos (expressão que aparece no poema Vou me embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira), ou seja, aqueles dotados de um disco com dez orifícios, identificados com os algarismos de 1 a 0 (após o 9); os de teclado surgiriam depois, já na década de 80.

Os mais modernos celulares têm memória bastante para conter tudo de que precisamos. Antes, as listas telefônicas eram indispensáveis. Elas continham todos os assinantes de uma rede, em duas ordens – a lista alfabética, geralmente por sobrenomes, e a de endereços. E tinham também as “páginas amarelas” ou “lista classificada” - traziam somente empresas, entidades, instituições e profissionais liberais.

O que o imortal Luiz Augusto Paranhos Sampaio nos anuncia, pois, é a Primeira Lista de Assinantes de Telefones de Goiânia, 1943. Nesse livro, Sampaio biografa os assinantes (aproximadamente 500) que fizeram parte dessa primeira lista de telefones – na época, com quatro dígitos. Diz ele:

– Estão relacionados os pioneiros, os primeiros órgãos públicos e sua história, as lojas que vendiam "fazendas"( tecidos para o vestuário das damas da época), os telefones de emergência, os da Chefatura de Polícia (à época, somente por esses aparelhos era possível falar com os policiais civis ou militares), os indicadores profissionais dos médicos, hospitais (pouquíssimos , apenas clínicas), advogados, do Fórum, dos empórios, dos odontólogos, das vendas, dos bares, do Tribunal de Apelação (hoje, de Justiça), da única torrefação de café, da Vasp, das "firmas" que faziam o trajeto de Goiânia para a antiga Capital do Estado, das farmácias (poucas) atualmente há 1.260 drogarias, alfaiataria, de O Popular, da Rádio Clube, dos cinemas, dos fotógrafos, da "garage" (sic) do Estado, do Liceu (que na lista consta como sendo Colégio Oficial de Goiaz, telefones 1167 e 1168, situado na Rua 21) e muitos outros. Lutei muito para saber sobre os antepassados desses assinantes. Alguns fizeram pouco caso e não forneceram dados sobre seus avoengos. Foram três anos de pesquisas. Pensei em escrever sobre a segunda lista, a de 1949, em que vários assinantes apareciam com os mesmos telefones, mas é essa bem mais ampla, com "reclames" (era como se chamavam as propagandas).

Sabemos que o interesse do poder público é mínimo no que tange à história – haja vista o “tombamento” (literal) de incontáveis construções de época, numa capital de apenas 83 anos! Obras escritas, então, bem como mapas e cartas do fazimento de Goiânia desaparecem a todo instante. Há bem pouco tempo, a Câmara Municipal realizou (?) uma Comissão Especial de Inquérito, conhecida como “a CEI das pastas vazias” – esse título nos dá uma ideia de como as administrações municipais tratam seus documentos.

Venha, pois, o livro de Luiz Augusto Sampaio! Com ou sem apoio oficial.


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Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.


sábado, julho 16, 2016

"Quem manda sou eu!"






 Paulo Garcia acreditou na memória curta e abandonou, sem justificativas,
o grandioso projeto de Kleber Adorno  e Iris Rezende.




“Quem manda sou eu!”



A frase que nos dá o título foi complemento sonoplasta para os murros do prefeito Paulo Garcia na mesa, ante o editor Antônio Almeida e uma vereadora, em audiência para se tentar manter – eu diria resgatar – a Coleção Prosa e Verso. Para quem não se lembra, era um projeto de Kleber Adorno, o mais atuante dentre todos os secretários de Cultura (e já tivemos alguns que se perfilam ao seu lado no mesmo pódio) no Estado e na Capital.


Vamos recordar: Iris Rezende Machado voltou à prefeitura de Goiânia, pelo voto popular, na eleição de 2004. Nós, escritores e artistas, torcemos nossos narizes, pois o maior líder do PMDB fora governador duas vezes antes (eleito em 1982 e 1990); no primeiro mandato, nomeou um político rio-verdense totalmente desvinculado dos segmentos culturais, e nada se fez; no segundo, fechou a Secretaria da Cultura.


Kleber Adorno

Isso justificava nossa descrença. Porém, afirmava Kleber Adorno, Iris queria, sim, redimir-se daquelas duas falhas e buscou fazê-lo a contento. Dentre outras iniciativas louváveis, cobrindo todas as atividades artísticas e culturais, destacou-se por publicar, em seus mandatos, mais de 500 livros! Foram 41 exemplares na primeira edição,72 na segunda, mais de 136 na terceira e mais de 232 na quarta e última edição – esta, finalizada já na gestão de Paulo Garcia, mas solenemente sepultada, ainda que aquilo significasse uma série de recordes mundiais na iniciativa de governos municipais.

Foram totalizados, pois, 481 títulos. E em outros projetos fora desse Prosa e Verso, vários novos livros foram editados pela SECULT municipal de Goiânia, superando bastante a expressiva marca de 500 livros publicados por um mesmo prefeito.

Paulo Garcia deve ser movido pelo ciúme (apelido macio para a inveja). Prestigiou (vai ver que ordenou) o descaso da secretária transitória e fez do poeta e artista plástico Ivanor Florêncio um fantoche para a sua pantomima de murros na mesa e os gritos de “Quem manda sou eu!”.

Ivanor e eu. O atual secretário bem que tentou (mas
"quem manda" é ele, Paulo Garcia.
Antônio Almeida lhe disse da impossibilidade de se fazer novas edições sem os respectivos editais – e Paulo Garcia fez parecer que os editais existiam, que estavam prontos, que só faltava publicar etc., mas nem o etc. aconteceu. A Ivanor Florêncio, Antônio teria dito, em tom de conselho (eram os primeiros dias do ativista Ivanor na Secretaria): “Cuidado, amigo, você está começando e pode passar por mentiroso; você terá apenas dois anos e este tempo é muito curto...”. Mas o poeta Ivanor, militante petista de primeiros tempos, fez o que faz o bom militante – confiou no líder, que...


Dezenas de autores no lançamento da 3ª edição. À esquerda, de camisa listrada,
 o artista plástico Amaury Menezes - de cuja obra se conceberam as
capas dos mais de 130 exemplares!

Resumindo: entre a reeleição, em 2012, e a posse (no primeiro dia de 2013), Paulo Garcia mudou de cor, de postura e de propósitos. Vestiu-se de uma arrogância que até então mantinha oculta. Da fase em que cumpria mandato-tampão, por ter sido vice de Iris, parece ter mantido apenas o hábito de insurgir-se contra seus críticos (bastava sair num jornal que havia um buraco na Rua Tal ou uma lâmpada apagada no Parque Ípsilon que o alcaide ligava para o editor, pronto para brigar). Publicou ene promessas, não cumpriu quase nada. E chega agora ao término de sua mamat... desculpem-me, de seu mandato devendo um monte de projetos à população.

Ando peneirando os nomes candidatos (diante do atual momento, o certo é pré-candidatos). Em cada um deles, fico a imaginar quem seria o titular da SECULT da capital – e ainda não consegui vislumbrar ninguém hábil para o cargo, dentre os seguidores de cada um de tais políticos.

Pelo visto, da tão festejada coleção, que (dizem) desapareceu por injunção de dois escritores (fiquei pasmado, mas não tive como desacreditar), grafada com as palavras Prosa e Verso, ficamos mesmo só com a prosa de lavadeiras (sem pretender discriminar tais trabalhadoras, valendo-me apenas da expressão popular).



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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Para que não seja ausência

Não sei porque não publiquei esta crônica - ela
"adormeceu" entre os rascunhos que costumo
apagar e data de 7 de maio de 2016,
véspera do Dia das Mães... L.deA.






Para que não seja ausência


Eu escolhi não escrever uma crônica, hoje. Esta foi uma semana ruim, pesada, cheia de nuvens turvas, plúmbeas – não nos céus, o que nos alegraria muito por conter a baixa umidade atmosférica, mas no cenário político, nos horizontes econômicos e, inevitavelmente, na nossa esperança. Escolhi reproduzir uma crônica em que homenagearia a condição quase santa da mulher – isso de ser mãe. Não apenas gestar e parir, mas envolver-se, emocionar-se, aceitar a missão não só de gerar, mas de formar os novos seres.

Nas páginas do blog (http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com) uma foto especial entrou-me pelos olhos e sacudiu-me o peito. Sou sensível às boas lembranças – essas a que chamamos de saudade, ou seja, o lembrar sem dor, o recordar para se fazer feliz. E essa foto, escolhi-a para ilustrar esta crônica (que decidi escrever).

Padre Alcides celebrou uma missa no quintal de nossa casa, em Caldas Novas, era 22 de outubro de 1994, a data em que, 50 anos antes, meus pais se casaram ante o juiz de paz. Por razões daquele momento da história ou das circunstâncias locais, o casamento religioso não se deu. Coube, pois, ao reverendo Padre Alcides, merecedor da minha admiração especial, celebrar aquela missa em que, com propriedade, ele falou mais ou menos assim:

– Não houve um sacerdote para ungir este casamento, mas Deus o fez, ou os teria separado. Quem sou eu, pois, um humilde padre, para negar o óbvio? Deus os casou, eu apenas O referendo e celebro, neste aniversário de 50 anos.

E disse à minha mãe, Dona Lilita (nos papéis, Élia Borgese de Aquino Alves), que desse a Comunhão ao meu pai – e o gesto é claro.

Nesta sexta-feira de maio, antevéspera do Dia das Mães, viajo a outro maio, 60 anos atrás. Fazia, então, dois meses que eu chegara ao Rio de Janeiro para morar e estudar. Minha avó Inês (ou Ignez, como se escrevia nos tempos de seu registro) acordou-me cedo, no nosso sobrado histórico de Marechal Hermes:

– Levante e se arrume, vamos a Niterói!

Fomos. Era o que ela me prometera. Nesse dia, tomamos o trem até a Central do Brasil, e então a primeira novidade: um bonde – o Praça XV – e na tal Praça XV saltamos para tomar a barca – segunda novidade em tão pouco tempo!  Emocionei-me na travessia da Baía de Guanabara mas ainda conheceria o ônibus elétrico (a terceira novidade do dia). Em casa da tia-prima Iná, encontrei os primos Inazinha e Colombinho Vieira de Sousa. E foi a Inazinha, de sete anos (eu tinha 10), quem me mostrou a canção que começava assim: “Ela é a dona de tudo / ela é a rainha do lar” – e contou-me que estávamos no Dia das Mães (aqui em Goiás não sabíamos disso; ou melhor, em Caldas Novas não sabíamos que havia um Dia das Mães).

Meus pais não estão conosco. Inazinha também se foi, recentemente (17 de novembro, 2015, dois dias antes de seu aniversário) e deixou dois filhos e netos. Sentirei a falta de muitas outras mães neste domingo, dia 8 – como minha sogra e, há bem poucos dias, a Adriana, cunhada caçula. Mas não estarei triste. Aprendi, com o tempo, a aceitar a morte como a transferência da alma para o outro plano, pois a matéria é perecível, tem curta duração. Tento, pois, guardar o que pude apreender da essência de cada um dos meus queridos.



Fiquemos, então, com essa de minha mãe a oferecer a Hóstia Santa ao seu velho companheiro (à esquerda, Pe. Alcides). Para mim ficaram os livros e os acordes que recebi na infância.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


domingo, julho 10, 2016

Meu tio e o relógio

Meu tio e o relógio (*)


(*) Saudosismo, será? Ou o mero prazer de recordar feitos e ouvidos, ou seja, histórias minhas ou dos outros? Relendo escritos, dei-me com essa crônica, um tanto antiguinha, mas que republico em homenagem a dois queridos amigos – Ranulfo Borges e José Mendonça Teles. L.deA.

Caldas Novas, na época dos fatos que conto aqui (década de 1960).


Corria o ano da graça de mil novecentos e sessenta e não-me-lembro... Amigos leitores, esse introito aí foi feito para provocar o Ranulfo Borges, ele que me qualificou de saudosista, no melhor estilo do meu amigo José Mendonça Teles, hábil nas crônicas sobre a Campininha das Flores, que de cidade aceitou tornar-se o primeiro bairro de Goiânia; e eu exercitei a saudade ao recordar o Rio de eu-menino, antes do Estado da Guanabara, da fusão e do tráfico.

Mas era mil novecentos e sessenta e tantos e – lá vai mais saudade, Ranulfo! – e era Caldas Novas. Gente! Caldas Novas era muito mais bonitinha com as ruas de cascalho e as casas com fachadas personalizadas. Eu juro que era! Hoje, que cada jardim virou um conjunto de três ou cinco lojinhas. A vida acontecia: os namoros, os fuxicos, os... Claro: acontecia o que a gente via e o que a gente sabia. Os fatos se davam na calada da noite. E a noite, então, era muito mais calada: os namorados não se beijavam diante dos outros e os moços não contavam ter beijado as namoradas; pais, mães, tios e avós vigiavam-nos todo o tempo e a falta de vigilância resultava, sempre, em desvirginamento precoce, o que só se sabia na hipótese de uma gravidez indisfarçável ou diante de um inefável flagrante.

Mesmo naquela época, o sexo proibido não era exclusividade dos moços e solteiros, não. O sexo doméstico – ou familiar – era tido como monótono − daí o nome “papai-mamãe”, que dispensa explicações. Havia os homens sem-vergonha, os que cometiam seus pecados com... com... com moças pudicas ou recatadas senhoras da mais fina sociedade. Sim, que ninguém é besta de titular uma aparente donzela de galinha, ou uma mãe de família de vagabunda. Então, esses homens ímprobos, esses maridos infiéis, cometiam seus desatinos, dando vazão aos seus “instintos bestiais” com respeitáveis donzelas ou mães de família cujos maridos e filhos, obviamente, estavam na lida, na fazenda.

Um desses desavergonhados era meu tio. E, exercendo sem o saber o pecaminoso tráfico de influência, invadia o quintal da delegacia de polícia para saltar o muro e amancebar-se, furtivamente, às primeiras horas da noite, com uma senhora impecável e piedosa. Um dia, muito afoito (era a chegada), deixou cair o relógio de pulso e não notou. Mas gostava do relógio; tanto que pregou em sua loja um cartaz: “Perdi um relógio Mido, de pulso. Gratifico com mil cruzeiros” etc. e tal. Pouco depois, chega ao comércio do titio ninguém menos que Romano Crisóstomo, o delegado. Em silêncio, pôs o relógio sobre o balcão; olhava os olhos do meu tio e o cartaz na parede. Alguns dos presentes, mais amigos que fregueses, assistiam e teciam breves comentários. O tio foi à gaveta, pegou uma nota com a cara de Cabral e indagou: “Onde estava o relógio?”. E Romano: “Junto ao muro da casa da Dona...” Nem concluiu a frase!

Meu tio devolveu-lhe o objeto e pronunciou, solenemente:

– Não é o meu!

...e guardou os mil cruzeiros. Preferiu perder o que lhe era um mimo para não expor a amada clandestina.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

As 100 grandes capas








As 100 grandes capas



Há alguns anos, o jornalista e editor Iuri Rincon Godinho, confrade acadêmico na Academia Goiana de Letras e membro, também, do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, vinha falando sobre um livro sonhado (por ele, claro) em que destacaria as mais expressivas capas de livros publicados em Goiás.

Concebida por Luciana Santos, com desenho de Pollyanna
Duarte, a capa do meu livro erótico.



Já me habituei a ouvir os projetos de Iuri. Quase todos já realizados e, estou convicto, os que ainda não se concretizaram estão “a caminho”. Ainda não o vi desistir de um projeto, por isso fico à espera da próxima novidade. E justamente por saber que ele sempre encontra os meios de desembaraçar seus sonhos das meadas (ou espinheiros) das dificuldades, acumplicio-me, vez em quando, nesses planos.


Há algumas semanas, chamou-me ao telefone. Desci da escadinha de sete degraus sobre a qual cuidava de organizar meus livros nas estantes, e o tema da prosa integrou-se naturalmente ao meu trabalho braçal de levar pilhas e pilhas de livros para as prateleiras várias – cerca de 50 metros lineares de livros perfilados, que organizei em ordem alfabética de autor.

– Está muito ocupado?

– Sim – respondi-lhe, contando do empenho braçal, ou melhor corporal de carregar os livros às braçadas, subir com eles, distribuí-los com o capricho que só mesmo os amantes dos livros praticam.


Capa de Roos, 1983, para o meu livro de
estreia em poesia

– Então – continuou ele – aproveita o embalo e escolhe aí as capas que você considerar mais bonitas, ou mais expressivas...

E passou a me ditar critérios para manter uma certa “unicidade” (gosto dessa palavra), ao final. Escolhi, inicialmente pelo meu critério de escolha e, dentro dos que selecionei, fiz novo “filtro” segundo as normas que ele adotou. Ao mesmo tempo, o poeta e especial amigo Adalberto de Queiroz fazia o mesmo que eu e Iuri.

Segundo livro de Leodegária de Jesus (1928)


Surpreendi Iuri com o que considero um dos pioneiros, o livro Orquídeas, de Leodegária de Jesus, publicado em 1928. A grafia é a da época, Orchideas, com CH em lugar de QUI, e sem acento tônico. A autora, Leodegária, nasceu em Caldas Novas, em 8 de agosto de 1889, isto é, três meses antes do golpe militar que nos legou esta indecifrável república. Foi esse o segundo livro da poetisa, filha de professor, crescida em Jataí e que chegou adolescente à capital Vila Boa de Goiás, onde conviveu com a declamadora Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas. Em 1906, a menina de 17 anos incompletos tornou-se a primeira mulher a publicar um livro em Goiás – e justo um livro de poemas, Coroa de Lírios. O segundo foi Orquídeas, 22 anos após, e somente em 1956 – 50 anos após a estreia de Leodegária – surgiu o terceiro livro feminino de poesia, Pitangas, de Regina Lacerda.

A impressão da obra, inevitavelmente em policromia, coube à Kelps, dos irmãos Almeida. A editora surgiu lá por 1984, com o nome de Pirâmide. O primeiro livro por ela publicado foi Travessia de Gente Grande, do poeta Ademir Hamú, e o segundo, o meu De Mãos Dadas com a Lua. Logo após, mudou o nome para este, Kelps, que já registra dezenas de milhares de títulos publicados, ultrapassando as fronteiras, atravessando o Oceano.

Noite feliz de artes e letras! Em destaque, o nosso eterno fotógrafo de eventos
culturais, Nelson Santos (no alto, à esquerda) e o artista plástico Amaury Menezes
(sentadom de bigode).

Na noite de quinta-feira passada, 30 de junho, 2016, deu-se a noite de autógrafos. A Casa Altamiro, da Academia Goiana de Letras, foi pequena para o público – escritores (represento-os nas figuras da presidente da AGL, Leda Selma, e do romancista e cronista Ursulino Leão, o decano entre os presentes),leitores e obviamente uma finíssima seleção de artistas plásticos capistas (não poderei listá-los aqui, por isso os simbolizo no mestre Amaury Menezes).


Feliz por integrar este triunvirato harmônico, esparjo aqui minha alegria e meus abraços e beijos a todos os autores dos livros e especialmente das capas por nós selecionadas. E previno-os novamente, leitores amigos, em breve o Iuri nos surpreenderá com alguma nova ideia sonhada, pondo-a no mundo das coisas reais.


Iuri Godinho, Adalberto de Queiroz e Luiz de Aquino.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.