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sábado, dezembro 17, 2016

As mãos da paz

As mãos da paz


Era 1979, agosto. O Brasil vivia ainda o regime do arbítrio, mas os ventos da Anistia já se anunciavam no horizonte de todos os quadrantes. A notícia da morte de Pedro Ludovico correu a cidade, invadindo-nos os ouvidos como a luz de um raio nos enche os olhos. Tinha 89 anos e estava viúvo há algum tempo.

Repórter do Cinco de Março, o semanário que antecedeu o nosso DM, evitei a Assembleia Legislativa ao longo do dia, local do velório. Era perto de meia-noite quando, ao lado de alguns colegas de trabalho, cheguei ao Palácio Alfredo Nasser (sede do Legislativo goiano). O local já se esvaziava quando, de um carro, dois homens desceram e cuidaram de auxiliar o terceiro, idoso, bastante conhecido de todos – o udenista Wilmar Guimarães, ferrenho adversário de Pedro Ludovico Teixeira ao longo de toda aquela era política. Seus acompanhantes, se bem me recordo, eram o seu irmão caçula, William, e seu filho Wilmar (Guima).

Os presentes – jornalistas e políticos, além de alguns populares – olhavam com perplexidade. O embate político entre Pedro e Wilmar era notório; mas o velho adversário, amparado pelos moços, caminhava determinado até o corpo em velório. Levava uma rosa, que depositou no peito do morto e, sabendo que surpreendia, esclareceu que “sempre fomos adversários políticos, jamais inimigos”, e arrematou com referências elogiosas ao caráter, à coragem e à determinação de Pedro, fatores que o marcaram bem.

Esse quadro vem-me à lembrança ao ver a manchete de hoje do DM, dando conta do gesto de paz entre os dois maiores líderes políticos de Goiás desde aquele agosto de 1979 – Iris Rezende Machado e Marconi Perillo. Iris firmou-se no quadro político de Goiânia nos anos de 1950, quando se elegeu vereador. Na década seguinte, elegeu-se deputado estadual, depois prefeito e foi cassado pelo regime militar, punição que os generais haviam imposto também ao senador Pedro Ludovico.

Iris retornou à política elegendo-se governador em 1982. O jovem deputado federal Marconi Perillo – que já cumprira um mandato de deputado estadual – atreveu-se a pleitear o Palácio das Esmeraldas em 1998, enfrentando Iris numa campanha histórica e consolidou-se, assim, sua trajetória de grande líder, só comparável mesmo a Iris Rezende. Mas divergências de postura e escolhas políticas, fortalecidas pelas posições contrárias nos pleitos seguintes, criaram uma barreira ao convívio desses polos das preferências do eleitorado goiano.

O anúncio dessa proposta de harmonização chega-me como um sinal de boas-novas ante as cascatas de más notícias que invadem nosso bem-estar a cada novo noticiário de rádio e tevê. Goiás tem vivido tempos difíceis, também, com o quadro da economia local e a crise que atinge todos os governos nos três níveis da vida pública. Enfrentamos, agora, outras medidas amargas dentre as providências para conciliar arrecadação e gastos, e sabe-se bem que a herança de Paulo Garcia chegará a Iris, mais uma vez eleito prefeito de Goiânia, com “um gosto amargo de fel”, como o verso de Gonzaguinha.

A harmonia entre o Paço Municipal e o Palácio Pedro Ludovico é vital para Goiânia e os goianos, e Marconi tem procurado esse mesmo tom entre o Governo e as Prefeituras em geral. Iris, no pedestal de seus 60 anos de vida pública, o rosário de vitórias e o aprendizado calejado nos ofícios exercidos (vereador, deputado, prefeito, governador duas vezes, ministro de Estado duas vezes e senador, além do retorno à prefeitura de Goiânia, agora, pela quarta vez) conhece bem os benefícios dessa harmonia.

Entendo que ambos, Iris e Marconi, pensam em Goiás. E assim pensando, oferecem-nos a esperança de tempos melhores, como se Marconi propusesse a Iris um fraterno abraço pelo aniversário na próxima semana, e Iris retribui com os afagos natalinos.

E Goiás, todo o Estado, se regozija com esse gesto de sabedoria que bem resultará nas hostes políticas.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor.

Um comentário:

Mara Narciso disse...

Estou distante, e mal conheço os dois políticos, mas pelo que venho lendo no DM, o que me vem à mente seria uma parceria com vistas ao Governo Federal.