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domingo, abril 02, 2017

Ah, essa falsa autoridade!

Ah, essa falsa autoridade!



A pior marca de um despreparado investido em função de mando é a petulância autoritária.

Nos meus saudosos tempos de bancário, lembro-me que um subgerente (todo sub se acha autoridade) vociferou ao meu lado: “Quando dou uma ordem é para ser cumprida”, ao que um jovem colega, estudante de ciências humanas na universidade, evocou o tristemente famoso provérbio “Manda quem pode, obedece quem tem juízo” – e o subgerente estufou o peito, sem saber que era alvo de finíssima ironia.

Lembro isso para me referir a “autoridades” nomeadas que exigem de seus subalternos obediência cega às suas ideias e criações. Uma das mais graves manifestações de ignorância dessas autoridades por nomeação é impor grafias ou frases errôneas. São superintendentes, secretários, gerentes ou assessores, tanto no âmbito dos estados quanto dos municípios – e, pasmem!, até mesmo executivos de empresas privadas – que rascunham um ofício ou memorando e exigem que alguém (geralmente, com maior conhecimento que o tal chefe) assine, e não aceitam revisões: “Digite de novo, mas do jeito que eu escrevi”.

E tem-se ainda o uso de expressões da moda, como já houve com “a nível de” e de “veja bem”, e o “enquanto” aplicado como circunstância fora de tempo. Ou de “onde” como se fosse um advérbio de tempo. Ou, para nosso aborrecimento maior, o modismo de “todas e todos” e “por meio de” quando a expressão, em mais de 90% dos casos, se faz totalmente desnecessária. Repórter de rádio, falando de um acidente trágico em Sergipe, disse “O governador decretou, por meio de nota, luto de três dias”. Ora, quando se decreta algo, isto se dá por decreto! Não é por nota, não.

Esses errinhos bestas são imposições de autoridades – no caso, um assessor de comunicação que não transita com autoridade pela linguagem escrita.

Aprendi na Universidade, há mais de 50 anos, que autoridade é conhecimento e não surge por nomeação. Querem ver alguém ocupar um cargo sem qualquer autoridade? É quando se nomeia a pessoa errada para determinado cargo. Em Goiás, na esfera da Cultura, já tivemos péssimas experiências com essas “otoridades”. Legítimos são Kleber Adorno, Nasr Chaul e Raquel Teixeira – esta, autoridade incontestável em Educação, conhece bem o papel da Cultura (coisa que em alguns países, com desenvolvimento muito acima do nosso, engloba a Educação, enquanto no Brasil se faz o contrário).

Esta semana, fui barrado no edifício das bibliotecas e da administração do Centro Cultural Oscar Niemeyer. A mocinha da recepção, bonita e educada, com certo constrangimento, cumpria ordens “de cima”. Claro, estou com os cabelos grandes, disformes, e não estava vestido como se espera de um sujeito cima de 70 anos, ainda que membro de cinco academias (inclusive a Academia Goiana de Letras), ex-presidente da União Brasileira de Escritores e com uma ficha de quatro décadas de serviços efetivamente prestado às letras e, em menor escala, a outras artes de nossa terra.

A autoridade do CCON é alguém que cuidou de grudar num poderoso, alguém realmente autoridade em Cultura para obter uma indicação para o cargo, e lá está ele. E sabendo da minha indignação pelo impedimento, recomendou a uma assessora que me ligasse para pedir desculpas.

Ora, a moça não me devia desculpa alguma, e não se justificava o recado do chefete dando conta de que demitiria a pobre moça que apenas cumpria ordens estúpidas. A assessora falou-me de uma “empresa terceirizada” e respondi que se algo há de terceirizado ali não era a tal empresa, mas o titular do órgão.

Reafirmo.


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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Um comentário:

Sueli Soares, professora e advogada. disse...

QI é una "m"!

Há 40 anos, fui vergonhosamente corrigida por uma "chefa" na Secretaria de Educação por ter usado havia três dias. Aquela professora tentou me humilhar, diante de colegas que aguardavam atendimento. Saí do prédio, entrei na primeira livraria que encontrei e comprei uma Gramática Normativa e esperei que fosse cuidadosamente embalada. Retornei, solicitei à recepcionista que chamasse a "otoridade" e gentilmente ofereci-lhe o presente, pedindo que o abrisse na presença dos demais. Elevei o tom de voz e disse-lhe que voltasse a estudar o emprego do verbo haver, pois ela havia estudado na mesma Escola Normal que eu e éramos ambas concursadas . Sentei-me e aguardei ser chamada, pensando na sutil diferença entre cargo e função. O que muitos chamam de atrevimento eu chamo de defesa. Atualmente, nos municípios do interior, é comum ver Professor II dirigindo escolas de ensino médio e cursos de formação profissional a repetir "havia dito".