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quarta-feira, abril 26, 2017

Maestro Joaquim Tomás Jayme

Este artigo foi publicado na edição de hoje do Diário da Manhã (capa do caderno Opinião Pública), de Goiânia.



Joaquim Tomás Jayme, o
maestro da cidade


Por Luiz de Aquino



Era outubro ou novembro, 1979. As massas das ruas, pelo Brasil afora, com o apoio da Anistia Internacional e cantando como se fosse um hino a canção O Bêbado e a Equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco, imortalizada por Elis Regina, pedia mudanças. O presidente era o quinto dos generais que se revezaram no “comando” durante os 21 anos do regime de exceção. E a Anistia chegou!

Chegou a Anistia e, logo após, um a um, os anistiados! Todos os dias, bandos de bons repórteres revezavam-se no saguão do aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia, para receber os exilados e os clandestinos que retornavam à cidade. O Papa João Paulo II beijava o solo dos países visitados tão-logo desembarcava – alguns dos anistiados repetiam o gesto, mas todos se emocionavam e emocionavam-nos ao desembarcar. Sentíamos que o Brasil começava a mudar, e mudou!

O semanário Cinco de Março era a minha casa, na avenida 24 de Outubro, no bairro de Campinas (o berço de Goiânia). As idas ao aeroporto eram o momento de fazer fotos dos recém-chegados e também de marcar entrevistas – luxo típico dos semanários, já que os jornais diários têm pressa, a matéria “tem que sair amanhã”, e nós podíamos processar devagar qualquer tema.

Meu parente Jesus de Aquino Jaime, escritor virtuoso em prosa e poesia, ligou-me e disse: “Luiz, meu irmão Joaquim está chegando, quero que você o entreviste”. Contei ao Batista Custódio, que gostou da novidade – nós, do CM, éramos, sem dúvida, os que tratávamos melhor as entrevistas com nossos conterrâneos de regresso. Lembro-me bem daquela manhã, Joaquim e Jesus comigo, e eu escarafunchando a vida do parente ilustre! Joaquim Jayme é um dos três...

Bem: seu avô era Joaquim Tomás de Aquino, clarinetista na Banda Fênix, em Pirenópolis, lá pela virada do Século XIX. Três dos netos do pirenopolino Quim Tomás ganharam o nome do avô – Joaquim Tomás Lopes, Joaquim Tomás de Aquino Lopes e Joaquim Tomás Jayme (os dois primeiros faleceram antes do esperado). Em todos notei o orgulho de ostentarem o nome do avô – fato de que também me orgulho, pois aqueles antigos Aquino deixaram-nos, sim, belos exemplos.

O parente maestro sofreu o primeiro expurgo ao ter que deixar Goiânia – e daqui foi para Campinas (SP), onde atuou como professor universitário e deixou marcas. De lá, teve de deixar o país e exilou-se no Chile, como vários outros brasileiros. Mas em 1973 o golpe de Pinochet mostrou-se ainda mais sangrento que o havido no Brasil, nove anos antes. E o maestro Joaquim Jayme se foi para a Alemanha.

Voltando, ele atuou na Orquestra Sinfônica de Goiás, sendo um de seus maestros fundadores (ao lado de outro maestro pirenopolino, Brás Wilson Pompeu de Pina Júnior). Idas e vindas na história de música erudita em Goiás fizeram com que Joaquim Jayme fincasse pé na Secretaria de Cultura da cidade de Goiânia, sendo o maestro regente da Sinfônica de Goiânia, sempre.

Há alguns meses sofreu um AVC e está internado, em tratamento, no CRER, o nosso hospital de recuperação. Seu olhar pareceu-me o único meio de ligação com o mundo exterior, e nos passa duas sensações – ele está lúcido e triste.

Incomodou-me profundamente o sentimento que me impediu de ficar mais alguns minutos ao seu lado. Naquele olhar triste, acho eu, senti por ele. Senti que vivemos uma sociedade mal-educada, ingrata, indiferente. O homem que há tantas décadas ensinou Música e elevou bem-estar de multidões, enriqueceu corações e deu à capital de Goiás a excelsa condição de ter a sua orquestra sofre o menosprezo desse nosso povo.

Aliás, o povo e tudo o mais! O DM cuidou de produzir matéria jornalística (de Hélmiton Prateado), no afã de avaliar reações. Debalde (diria um velho mestre dos meus tempos ginasiais). Nem mesmo o meio literário, o das artes plásticas e, sobretudo, o da música se mexeu. Leda Selma, poetisa e presidente da Academia Goiana de Letras, pediu-me – “Luiz, você que é parente, visite-o em nome da Academia”.

Indigna-me tal indiferença! Fosse ele um deputado Eduardo Cunha ou um senador Renan, um batalhão de áulicos estaria pelos corredores do hospital na tentativa de aparecer como papagaio-de-pirata em fotos de jornais ou vídeos da tevê. Fosse ele um cantador sem estudo e sem domínio da Língua e da Teoria Musical, até vice-presidente da República estaria aqui (ah, essa figura não há mais! Menos mal...).

Ministros da Cultura e da Educação deveriam pedir notícias dele. Entidades como o Sindicato e a Ordem dos Músicos certamente não sabem notícias dele, caso alguém de longe ligasse para se informar. E o maestro mais ativo dentre os tantos contemporâneos – no que toca a representar Goiás – já está esquecido por sua gente.

Contudo, e para minha alegria, para gáudio deste poeta das mesmas raízes – telúricas e genealógicas – senti naquele olhar triste e silente uma qualidade que sempre o marcou: Joaquim Jayme mantém, contudo, a altivez do artista que teve a coragem de insurgir-se contra a ditadura, aceitou com bravura e determinação o exílio, retornou à terra trazendo mais conhecimento ainda e não se dobrou aos poderes.

Muito menos aos ingratos.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

8 comentários:

Sônia Elizabeth disse...

Muito oportunas lembrança e homenagem nessa crônica ao Maestro Joaquim Tomás Jayme, poeta Luiz de Aquino.

Rubens Gonzaga Jaime disse...

Prezadíssimo primo Luiz de Luiz De Aquino Alves Neto, foi com orgulho e tristeza que acabei de ler seu artigo no DM de hoje. Orgulho por relembrar as glórias e a capacidade de nosso primo maestro, músico da melhor qualidade, e goiano, como nós. Nessa terra não existe só breganejo não! Tristeza, ao constatar a repercussão da matéria de autoria do jornalista Hélmiton Prateado... O problema é o seguinte: o povo brasileiro, de uma maneira geral, e os goianos não são exceção, está sofrendo um processo de emburrecimento galopante, e estão em fase terminal, sem cura! Não se LÊ MAIS. O Brasil é um dos países com o mais baixo nível de leitores do mundo. Acostumaram a "curtir" e "compartilhar", SEM LER! Já constatei isso em publicações minhas aqui no Facebook, onde o sujeito "curtia" um texto longo apenas 10 segundos após a postagem!... Não leram o Hélmiton Prateado, simples assim. Por outro lado, os governantes, políticos, instituições, só atuam quando existe alguma VANTAGEM econômica ou de qualquer outra forma para eles. Meu conforto é saber que o grande maestro é NOSSO! Goiano e JAIME/JAYME!

José Fernandes disse...

Excelente, meu caro amigo e confrade, Luiz De Aquino Alves Neto!

Marcio Jayme disse...

Aplausos pela sua decisão nobre Luiz De Aquino Alves Neto

Olney Gusmao disse...

Meu poeta, belo artigo. O impagável de sua abordagem reside na revelação de quão ingratos somos, não menos que fúteis.

Rosy Cardoso disse...

super interessante de grande valor ciltural.

Rosy Cardoso disse...

Excelente crônica.

Anônimo disse...

Boa noite ! Meu nome é Esthela sou uma estudante do 8º-ano eu estou estudando sobre Jesus de Aquino Jayme e gostaria de saber onde encontro referenciais sobre a biografia dele .