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domingo, junho 04, 2017

Viver em vão



Viver em vão


Quem de nós, em sã consciência, nunca se perguntou sobre os propósitos e a qualidade de sua vida? Nascer e morrer, o Alfa e o Ômega – mas a questão não se dá sobre chorar ante a vida ou causar lágrimas pelo ponto final. A dúvida está, sim, sobre a validade geral dos feitos e das palavras.

Sei bem que cometemos o cinismo de justificar nossas escolhas de vida sob a máscara de “uma missão”, ou “a minha missão”. Não creio, mesmo, que a Espiritualidade Superior nos determine “Vá, nasça e faça isso ou aquilo”. A missão é viver em carne para nos aprimorarmos espiritualmente. A missão não é viver para constituir fortuna, mas, caso a tenhamos, fazer dela instrumento de bem-servir ao próximo, de crescermos em entendimento e atos.

Aprendi, muito cedo, valores que me norteiam – e que me trazem alguns sofreres porque a sociedade regida pelo poder e o capital é rigoroso com os que considera faltosos. Sou faltoso porque não juntei bens de matéria. De dentre as coisas que aprendi, cuido bem de não praticar o culto à personalidade dos que admiro – a esses, apenas dedico a admiração por seus feitos ou pelo exemplo deixado.

E são muitos, esses, pela minha ótica. Para não romper divisas e fronteiras, cito uns poucos da nossa mesma lavra, como a pioneiríssima poetisa Leodegária de Jesus (e seus estudiosos Darci França Denófrio e Basileu Toledo França), Léo Lynce, Bernardo Elis, José J. Veiga, Eli Brasiliense, Amália Hermano, Yeda Schmaltz e Joaquim Jayme (evitando listar nomes dentre os vivos).

Envaidece-me o reconhecimento nas ruas e a abordagem de leitores que (como eu também costumo fazer) comentam textos publicados, em livro ou jornais. Mas preocupa-me, porque receio a expectativa desses leitores ante um crescimento para mim inalcançável, mas sempre esperado.

Bom mesmo é ser anônimo – e crítico dos famosos e dos circunstantes. Como me aconteceu em dias finais desta semana, quando tomei a Avenida T-9, no Jardim América, rumo ao Setor Marista. Vali-me de percorrer uns poucos metros na faixa da direita, destinada aos ônibus, enquanto considerava a possibilidade de tomar a pista central – o que fiz tão logo pude. No primeiro sinal fechado, emparelhou-se – ocupando a tal pista dos ônibus, uma jovem e feia piloto de moto. Com a carinha de ferrugem muito fechada, censurou-me – “O senhor não pode usar duas pistas, tem que escolher uma e ficar nela. Isso é falta de respeito com os outros” – e continuou resmungando, até que ao seu lado parou outro motoqueiro – um jovem nitidamente mais velho que ela.

Percebi, pela expressão do moço, que não entendia o que ela vociferava contra mim, estimulada pelos meus talvez passivos cabelos brancos. Foi quando me dei conta de que deveria responder, e o fiz com “muito obrigado, moça!”, que repeti ao ver que ela não se calava. E recomendei, ainda:

– Cuida você de permanecer na sua faixa, motoqueiros gostam muito de “costurar” no trânsito.

A moça se calou, o sinal se abriu. Retomei o curso, cuidando de me manter no limite dos 50 km/h, enquanto via seu vulto cada vez menor à minha vista, numa velocidade certamente na medida dos 80 km/h...


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

Um comentário:

Sueli Soares disse...

Retomar o curso é sempre a atitude mais sensata e serve tanto para o trânsito como para a vida. Tenha uma boa semana!