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sexta-feira, agosto 25, 2017

Os pássaros, o saber e o trabalho

Os pássaros, o saber e o trabalho



Recebi da professora Mara Rúbia (da Rede Municipal de Ensino, Goiânia) o seguinte texto:


“Já era quase viração do dia quando Deus observava aquela cena: duas professoras dando água na colher para uma pequenina ave. Não era nem Primavera nem Verão – quando dizem que é comum as aves jovens caírem de seus ninhos –, mas a frágil avezinha estava lá, na Escola, que não tem um belo jardim cheio de rosas. Lembrei-me – “Olhai as aves do céu”... Fiquei sensibilizada, achei aquela cena interessante e admirável - uma pequena ave, um copo com uma rosa vermelha e duas professoras alimentando quem queria se alimentar. Diferentemente do pequeno homem que na escola rejeita o alimento-saber. Quem deveria ser mais sábio? O homem ou a ave?

No livro O Futuro da Humanidade, Augusto Cury nos remete à seguinte reflexão – ‘Mais sábios que os homens são os pássaros. Enfrentam as tempestades noturnas, tombam de seus ninhos, sofrem perdas, dilaceram suas histórias. Pela manhã, tem todos os motivos para se entristecer e reclamar, mas cantam agradecendo a Deus por mais um dia’. Tanta sabedoria tem um porquê: certamente as aves aprendem em cada voo pelo mundo. E Mário Quintana dizia que os pássaros alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. Penso que pelo menos partem cheios, satisfeitos, saciados.

Imaginei como ficariam as mãos das professoras após a partida do pequeno pássaro! Não se sentiriam vazias, pois o alimento foi consumido. Naquele momento as duas foram árvores para aquele passarinho, o destino dele estava em suas mãos. Vendo aquele pequeno pássaro, fiz analogia com nossos “pássaros pequenos” que não sentem a mínima fome do saber, tampouco desejam alçar voos. Mas, como o sabiá que canta sem esperar quem o escute, ensinemos. Eis que alguém, um dia, irá voar... (Mara Rúbia)”.



Muito bem concebido, professora Mara Rúbia! A analogia é das melhores. O pássaro que as mestras alimentaram voltou à sua rotina, ao seu “habitat”, à sua natureza. Mas dar de mãos humanas o alimento ao pássaro é gesto caritativo, humano; para mim, a cena ensina (perdoe-me pele eufonia sibilante) que devemos ser solidários, mas que se o gesto cristão – ou melhor, o gesto humano – nos emociona e engrandece quem o pratica, o beneficiário segue seu caminho já esquecido da dádiva:  a chance de voltar à vida.

Dar alimento ao animal ferido é, pois, ação humana; até mesmo outro animal da mesma espécie ignoraria a infausta ave caída. Ele, o passarinho, aceitou a água sem compreender que era alvo de uma ação humanitária, solidária. O gesto das mestras despertou em você um sentimento de Primavera ou Verão, vendo na rosa em um copo um completo jardim. O jardim, Mara Rúbia, existe mesmo, mas ele não está no rigor do Inverno nem na áspera transfiguração outonal: existe no seu coração de emoções, esse coração de que tratam os poetas.

A sabedoria não é dos pássaros, nem dos macacos, nem das minhocas ou dos leões; a sabedoria é das pessoas que compreenderam ser fundamental alimentar o animalzinho ferido, como insistem em pôr a água do conhecimento nas mentes dos pequeninos inquietos. Esse não-querer que você destacou nos pequenos humanos ante o aprendizado é efêmero e há de ser contornado; as crianças têm, sim, desejo de saber, mas o que deve estar em desencontro é que nem todos os professores querem dar dessa água aos pequeninos pássaros humanos.

Não entendo como sabedoria o fato de os pássaros reagirem, sobrevivendo, às tempestades. O homem fez e faz muito mais, sempre. Não há sabedoria nos pinguins que navegam banquisas no caminho das correntes marinhas que buscam o Norte e, à medida que o gelo se reduz a some, nadam na mesma corrente em busca de regiões menos frias – isso é o instinto. É como mariposas circulando lâmpadas. Como não há sabedoria nas andorinhas que migram do rigor dos Invernos em busca dos Verões no hemisfério oposto.

Mas quanta sabedoria no seu coração de mestra! E que olhar o seu, capaz de colher imagens que se tornam poemas!


(Crônica publicada em maio de 2013. Gostei de relê-la e decidi trazê-la outra vez).




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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

5 comentários:

Sueli Soares, professora e advogada. disse...

Não sei se por sabedoria ou instinto li a crônica saboreando meu cafezinho matinal, pois o prazer experimentado afastou de mim a preocupação de conceituá-los. O comportamento das espécies, observado diariamente, sempre me intrigou. Admiro a capacidade do homem que sabe "poer em caronicas" seu sentimento do mundo, enquanto os outros animais se manifestam apenas usando o corpo. Será a sabedoria uma vantagem? Minha pequenez só me permite constatar e admirar tudo o que alcanço. Obrigada, mais uma vez!

Anônimo disse...

Caro Luiz de Aquino, tanto na primavera quanto no inverno, eu aprendo com você. Admiro a sua escrita que apesar de ser extremamente elaborada, obediente às formalidades intrigantes e, ao mesmo tempo sofisticadas da nossa Língua, você consegue repassar sensibilidade. Sábio é você que passeia entre diversificadas sensações e consegue dar frutos aos que abrem as mãos pedintes de sonhos e sentimentos pela via da poesia...

Mara Rubia disse...

Caro Luiz de Aquino, tanto na primavera quanto no inverno, eu aprendo com você. Admiro a sua escrita que apesar de ser extremamente elaborada, obediente às formalidades intrigantes e, ao mesmo tempo sofisticadas da nossa Língua, você consegue repassar sensibilidade. Sábio é você que passeia entre diversificadas sensações e consegue dar frutos aos que abrem as mãos pedintes de sonhos e sentimentos pela via da poesia...

Mara Rubia disse...

Caro Luiz de Aquino, tanto na primavera quanto no inverno, eu aprendo com você. Admiro a sua escrita que apesar de ser extremamente elaborada, obediente às formalidades intrigantes e, ao mesmo tempo sofisticadas da nossa Língua, você consegue repassar sensibilidade. Sábio é você que passeia entre diversificadas sensações e consegue dar frutos aos que abrem as mãos pedintes de sonhos e sentimentos pela via da poesia...

Mara Narciso disse...

Uma comparação bem interessante, e como você disse, a imagem é um poema.