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domingo, outubro 22, 2017

Falar e escrever

Cronistas, professores e mestrandos em Letras da PUC Goiás

Falar e escrever (II)

(Crônica publicada em maio de 2013, republicada em agradecimento à atenção dos mestrandos de Letras da PUC Goiás, pela acolhida que propiciaram a nós, escritores de crônica (Lêda Selma, Leonardo Teixeira, Brasigóis Felício e eu), na III Jornada de Leitura da Literatura Produzida em Goiás.





Ah, língua brasileira! Não haverá, jamais, acordo internacional capaz de propiciar ao linguajar humano uma homogeneidade, seja qual for. Alegam os defensores do famigerado acordo que a escrita, em língua castelhana, é padronizada desde a Terra do Fogo, a fronteira Sul entre o Chile e a Argentina, até as margens do Rio Grande, que separa México e EUA; e também nas ilhas oceânicas em que pisaram os naturais de Espanha.

A escrita será igual; a linguagem, não – afirmam. Sim, isso é perfeitamente compreensível, haja vista termos aprendido que as vogais têm sons abertos – a, e, i, o u –, mas, ultimamente, os coleguinhas jornalistas dos veículos falados referem-se à Avenida Ê – mas até há bem pouco tempo dizíamos Avenida E (é). Sei que há forte influência dos paulistanos e sulistas, presenças marcantes em Goiás desde o início do agronegócio; então, porque eles falam “éstra” no que entendíamos, até recentemente, como “extra” (ê)?

É certo que apreendemos e incorporamos muito do que ouvimos de nordestinos, nortistas, sulistas e cariocas, mas o sotaque de nossa herança passa, obviamente, por transformações interessantes. Está desaparecendo, por exemplo, o modo de falar das nossas cidades auríferas – Vila Boa de Goiás, Jaraguá, Meia-Ponte, Corumbá, Santa Luzia, Bonfim... quem viveu os anos que vivi (estou na segunda metade da minha década de 60) sabe que a musicalidade do falar goiano está muito diferente, agora.

Brasigóis Felicio, Leonardo Teixeira, a coordenadora Fátima Lima, Leda Selma e Luiz de Aquino.

Gosto de ouvir nossas palavras cortadas, abreviadas; de uma, apenas, não gosto da síncope: gueiroba em lugar de guariroba. Na escrita, alguns escribas, de livros e de jornais, substituem a bonita forma pequi por piqui, alegando a pronúncia. Ora: a gente escreve futebol e pronuncia futibol. E há quem banque o chique escrevendo – especialmente como nomes próprios – theatro em lugar de teatro. E falam “tê-atro”, em vez de tiatro, como seria o regular da nossa fala local.

Leda Selma e eu.
“Vontá dimbora durmi”, é frase comum no falar coloquial. E responder, gritando, a um chamado com o infalível “Tô ino”, em lugar de “Estou indo” é goiano demais da conta! Mas o que mais se nota – e a frase já se espalha por todo o país, especialmente entre os entrevistados na tevê – é “O marrapossível”. É o que respondem políticos e técnicos, delegados e coronéis, professores e populares diante dos repórteres.

Ah, os repórteres! Destes, no rádio e na tevê, ouço sempre e me divirto: “departamento pessoal” em vez de “departamento de pessoal”. O mesmo se dá quando devem dizer “corpo de delito” – o “de” é novamente omitido. E a moda, que saiu das falas dos “da imprensa”, alcança agora advogados e delegados de polícia.

Meu  livro de crônicas sob o tema da linguagem brasiuleira


Na escrita, porém, essa que foi “padronizada” pelo acordo entre os países de línguas lusófonas, o bicho pega! Mesmo profissionais que deviam saber misturam C com S, não sabem onde entra o Ç e usam X, SS e Ç como se isso fosse tão normal quanto escrever Pollyanna ou Hytallo. Ou Rhackell.
     
* * *


Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras. 

2 comentários:

Mara Narciso disse...

Exclusivamente para o meu deleite. Bom encontrar essa estrada gostosa de boa análise de falas e pronúncias para eu passear.

Leda Selma, presidente da Academia Goiana de Letras disse...

Já conhecia o texto, ouvi-o sexta, na PUC, e reli-o agora. Muito bom, achei-o, já na primeira leitura, pois nunca engolimos o tal acordo, embora tenhamos que o praticar. Beijocas. Lêda