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sábado, novembro 25, 2017

Aviltamento

Depois dos fatos nocivos e a cena acima (foto: Polícia Federal), não vejo como preservar o respeito a Temer na presidência.


Aviltamento



Primeiro ato: Houve um tempo em que comunismo era uma palavra tão perigosa, tão apavorante e temida que era o bastante para fazer as crianças dormirem mais cedo, os ricos tremerem de medo e os católicos parecerem mais fiéis (maridos também). Era o tempo da comunicação incipiente, a notícia de um evento no Leste Europeu ou na Ásia levava semanas para chegar aqui (quando chegava) e o fato passava por tradutores meticulosos e ainda pelas censuras dos políticos e dos militares.

Hoje, fala-se muito em manipulação das notícias e a culpa é do sistema Globo, como se não houvesse concorrentes. Era o tempo das madames empoadas desfilando em “família com Deus pela liberdade”. Para aquelas pessoas, liberdade era o direito que elas, somente, tinham de produzir, faturar e viajar, importar sem ônus, pagar baixos salários e assegurar para si e seus descendentes o melhor da vida brasileira.

O comunismo acabou, como regime, mas sobre-existe como filosofia, não passa de um conceito abstrato e de uma utopia sabidamente imprópria, mas as carências sociais continuam. Há pessoas que se preocupam, seriamente – sem vinculação ideológico-financeira – e que insistem em buscar soluções que minorem as dores da expressiva parcela de brasileiros miseráveis.

Segundo ato: Ao longo da vida política brasileira, sempre se falou em corrupção. Os portugueses colonizadores vigiavam seus mandatários na colônia, vigiando-os de perto. Muitos caíram em desgraça por, efetivamente, apropriarem-se de parcelas “clandestinas” dos minerais explorados em Minas e Goiás. A vinda da Família Real (com toda a corte) em 1808 mudou a vida brasileira, que logo passou a Reino Unido e, na sequência, fez-se independente. O império foi marcado pelas inevitáveis mudanças, veio a renúncia de Pedro I, os nove anos de regências e, por fim, a emancipação precoce de Pedro de Alcântara, aos 14 anos, que governou por 49 anos e a nação conheceu muito da luz inovadora do Século XIX. Já se tinha planejado e pronto para se aplicar o III Império quando se fez esta malfadada república, inaugurada com um golpe em que até o dito autor – Deodoro da Fonseca – não sabia de nada.

Terceiro ato: Naquele 15 de novembro, em 1889, nasceram todos os males que nos afligem hoje. Deodoro, feito líder, foi escolhido presidente da República, tendo por vice o mentor daquela coisa. Num lampejo de consciência, talvez, Deodoro renuncia dois anos após e restaria ao segundo marechal o mandato tampão – porém, Floriano impôs, “no grito”, que ficaria quatro anos, pois “fora eleito para quatro anos” – e a cúpula corrupta ou medrosa da república aceitou. A alma brasileira comete, talvez inconscientemente, uma breve vingança ao apelidar Florianópolis de “Floripa”. O marechal, no dizer dos mais antigos, “certamente se remexe no túmulo” cada vez que assim se fala.

Foram tantos e tão variáveis os desmandos da República Velha que o Brasil, “desaguou” na revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que ocupou a cadeira da presidência por quinze anos, foi deposto, voltou pelo voto e morreu, dizem que de suicídio, com uma carta-testamento que (dizem) estava escrita por algum assessor desde uns dias antes do fatídico 24 de outubro de 1954.

E aí vieram a tentativa de golpe em novembro de 1955; outra em agosto de 1961 e, por fim, vitorioso, em 1964, quando se definiu que “as elites civis estão falidas”. Foram 21 anos de ditadura por revezamento, a distensão ou abertura, a passagem do poder aos civis, um vice improvisado como titular, um inconsequente eleito pela massa, o impeachment, outro vice que aplicou com eficiência um plano que acabou com a inflação, um eleito com pose de príncipe, outro com as marcas do povão, uma mulher que engrandeceu a ala feminina, mas que caiu por prepotência, num golpe armado sob definições ditas legais.

A falseta ficou clara quando, num arroubo de bondade, o presidente do Senado propôs e o presidente do Supremo Tribunal aplicaram uma atravessada na lei, afastando a presidente sob apenas meia punição, já que o impedimento implicava suspensão dos direitos políticos.

Até uns meses após a investidura estranha – mas calçadas em preceitos legais – do vice escolhido por Dilma cuidei, sempre, de preservar o respeito à pessoa que ocupava o posto de Getúlio e Juscelino, mas Temer não se faz por merecer. Além das suspeitas das conspirações tão decantadas antes, vieram as denúncias que ele não consegue refutar senão perante a Câmara em que dezenas de deputados são investigados, o Senado com membros já em vias de serem condenados e que se mantêm fiéis ao presidente sob as propinas que já não mais se escondem, tudo custeado pelo povo, sem chance de alívio enquanto perdurar essa coisa.

Francamente, é difícil manter o respeito.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, novembro 19, 2017

Tudo se transforma


Era assim, nos anos 70



 Tudo se transforma




A não ser da memória de uns tantos jovens e adolescentes – todos eles, hoje, ostentando o algarismo 7 como inicial de suas idades – ninguém (mais moço) saberá do bucólico da dita nova capital. Goiânia daqueles tempos orgulhava-se de seu crescimento, tinha pelo menos duzentos mil habitantes, tinha um comércio pujante e uma indústria incipiente – salvo pontos esparsos de serraria, serralheria e alguns outros menos expressivos, nossa indústria se representava por costureiras e alfaiates.

Os automóveis eram poucos. Parte da frota era anterior ao início do fabrico nacional de carros Volkswagen, DKW Vemag e Simca. A Willis fabricava jipes com projetos visuais e mecânicos como os da guerra mundial, a Ford e a GM (Chevrolet) fabricavam caminhonetes e caminhões. Eram essas as marcas das máquinas que transitavam pelas ruas, admiradas pelos pedestres que as reconheciam, associando cada um aos seus poderosos proprietários.

A juventude de que falei acima se ocupava de estudar e suas referências fortes eram os colégios públicos – o Liceu e o Pedro Gomes, mais o Instituto de Educação (formador de professoras normalistas) – e os particulares Ateneu Dom Bosco, Externato São José, Maria Auxiliadora, Assunção e Santa Clara. O lazer era nos cinemas, aglutinados em dois polos – o centro novo, aquele projetado por Atílio Correia Lima, e o antigo, o bairro de Campinas, que fora município independente até que se fundisse a outras terras vizinhas, mudando o nome para o recém-escolhido Goiânia.

Na realidade, o que comemoramos a 24 de outubro é a data da pedra fundamental da nova capital. A cidade, respeitando-se a História, é a mesma Campinas (ou Campininha das Flores) que desaparece da lista de municípios, substituída por Goiânia.

A que vem isso? A nada. Estou relutando para ver se dói menos. A semana foi marcada com duas notícias tristes. No domingo, dia 12, faleceu solitário o jornalista Luiz Jayme, amigo e colega de ofício no DM. A notícia chegou-me um tanto lacônica, dando conta de sua passagem para o outro plano, acrescentando que fora cremado, como era de sua escolha. Filho do meu amigo e mestre, na PUC, José Sizenando Jayme, Chi (era o seu apelido) era, pois, neto do genealogista Jarbas Jayme.


Ainda sob o efeito dessa triste notícia, chega-me outra de igual teor, na quinta-feira, 16: o seresteiro William José, que enfeitou as noites goianienses desde aqueles verdes anos de 60, isto é, no albor de sua adolescência, também se foi, para tristeza de nossos ouvidos e corações. Nos primeiros momentos do encontro de despedida, na capela do Cemitério Jardim das Palmeiras, notáveis músicos do cancioneiro goianiense – cantores e instrumentistas, muitos deles também compositores e, enfaticamente, parte expressiva de tais musicistas se constitui de irmãos e sobrinhos do grande cantor de tantos gêneros.



Lembrei-me dos que se foram antes e que, também, desfrutaram da companhia de William: Josafá Nascimento, Geraldo Amaral, Nappa, Anete Teixeira, Paulinho de Assis, Cláudio Vespar...


William José, o seresteiro


De memória excelente, o violonista Hermes da Fonseca Júnior registra que ele próprio e Willian começaram sua carreira num conjunto de adolescentes, Os Invictos, na década de 60. Em seguida, o jovem e inquieto cantante integrou-se a Marquinhos e seu Conjunto (destes, somente o baixista Alemão e o baterista Xará continuam entre nós).


Em pouco, dezenas de colegas, companheiros e amigos que praticaram a feliz parceria com William reforçavam o grupo, cada qual trazendo suas lembranças para demonstrar o quanto o pranteado amigo enriqueceu a vida goianiense.


Sim! Não é só de asfalto e automóveis, edificações e regras que se faz uma cidade. A cidade é gente, na mais ampla variedade de tipos e ofícios. Alguns se dedicam a construir, outros a distribuir comercialmente, outros a educar e refinar espíritos – como os professores e os artistas.





Luiz Jayme espalhava notícias e se fazia bom amigo de atos e falas felizes, folclóricas, animadas. William chegava marcante, com aquele corpanzil visível de longe e a voz de risos e saudações para, em pouco tempo, atingir-nos mais fortemente n’alma com seu canto e seus acordes, sempre com variadíssimo repertório.




Sem eles, ficamos tristes. E a cidade, mais pobre.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

sábado, novembro 11, 2017

Brasil doente

Brasil doente



A tristeza é enorme, mas ainda cresce! E cresce para o alto, causa formigamento nas pernas, cólicas intestinais, hiperacidez no estômago, refluxo e coriza... E turva os olhos, chama as lágrimas e finaliza em enxaqueca.

– É uma virose – diagnosticou Ademir Hamu, confirmado por Abdalla Amuy e Ciro Ricardo.

Talvez um laxante resolvesse, mas o distúrbio é de tal ordem que não se pode arriscar, o paciente corre risco de vida – o que um professor radiofônico condena, conclamando o populacho e os locutores a “nunca mais“ falarem assim, pois o certo é risco de morte”. Os da locução, contaminados por discrepâncias gramaticais e violência contra a regência, dizem amém e acreditam piamente que não existe “margem”, no singular.

O festival de esquisitice, bancado nos palácios federais, em Brasília, não havia chegado ao ápice na semana anterior, não... O mestre-sala dessa alegoria carnavalesca ainda tinha muito o que girar, sem reverências nem arte, mas com a indisfarçável associação deletéria com eminências pardas poderosíssimas! Seus bafejadores palacianos não se cansam em articular anomalias que envergonham a Nação e corroem o Erário. Os negócios na bacia das almas resultaram em sangria que não se estanca. E esta não é do interesse do senador que preside o partido dos déspotas descarados.

E nós, do populacho anônimo e quase que totalmente ignaro, ficamos por entender um monte de coisas. Uma delas foi o fato de a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, a que investigou o famigerado “rombo da previdência”, ter concluído que não existe tal rombo. Inexplicavelmente, a Rádio CBN noticiou isso – mas parece-me que foi uma vez só. A tevê – por todos os canais – decidiu também omitir-se sobre isso. E o Merlin Meirelles continua a vociferar quanto à urgência de se aprovar tal reforma.

Poxa! Não lhes bastava a reforma trabalhista, essa que extinguiu benefícios arduamente conquistados? O fantoche remunerado com o teto salarial e agraciado com as mordomias de praxe falou no rádio e na tevê... E falava com a hiena que ri, tentava convencer, “principalmente os jovens em seu primeiro emprego”, de que o Brasil se moderniza etc e abobrinha!

Nas horas anteriores a essa pantomima, o dono da caneta e do destino de seus áulicos, aquele que só age em detrimento do bem-estar da Nação e da Pátria, “canetou” e nomeou um apaniguado de Sarney para a Polícia Federal – e uma de suas primeiras medidas foi substituir o superintendente da PF em Curitiba, sem sequer tentar disfarçar quanto às ordens recebidas de seus padrinhos. Depois, correu até a Procuradora Dodge, cortejando a titular da PGR para mascarar um possível acordo de harmonia entre as instituições.

Mas o xou não havia acabado, não. Outra canetada temerária e o manda-brasa humilhou sua assessoria de comunicação ao transferir para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, o encanecido Moreira, que de Franco só tem o nome, as incumbências naturais do órgão de comunicação.

Ora, ora! Nada disso causa espanto. Há poucas semanas, a imprensa divulgou gastos extravagantes do casal-presidente com o famoso cartão corporativo, aquele cartão de crédito confiado a detentores de cargos importantes. O chefe, ao que parece, não gostou. E um general, figura importante no mais alto gabinete desta malfadada república, “decretou” sigilo sobre os gastos da família presidencial.

Ou seja: no atual governo, ministros e chefes de agências têm o poder de violar a Constituição e as leis que deveriam ser muito bem aplicadas por eles próprios. Mas o que esperar de um governo que institui, de novo, a escravidão no país?

Sei não... Receio que a cura esteja ainda distante.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, novembro 05, 2017

Que governo é esse?


Castro Alves, poeta mentor da abolição. A malta do governo viola a História e o respeito á dignidade do homem brasileiro.

Que governo é esse?


Uma Lei do Império, assinada a 13 de maio de 1888, decretou a extinção da escravidão no Brasil. As consequências foram complexas, com os escravistas arrancando os cabelos e a Monarquia claudicando, pois a campanha abolicionista desembarcou no leito republicano, apropriado por altos oficiais do Exército (insatisfeitos com os parcos ganhos ao término da Guerra do Paraguai).

Tivemos uma constituição em 1891, que preservou a Lei Áurea. A de 1934, também, e o golpe de 1937, com uma constituição outorgada, apelidada de “Polaca”, a manteve. Isso se repetiu em 1946 e a Constituição outorgada em 1967 – e reformada dois anos após – preservou o que já se tornara uma condição pétrea. Obviamente, a Carta Magna de 1988, com todos os seus defeitos, manteve o Brasil livre de escravos – ao menos teoricamente.

Eis que, súbito, um mero ministro marionete expede uma Portaria revogando a Lei Áurea e afrontando a Constituição. O mandachuva recomenda, a despeito da fortíssima reação nos mais variados segmentos da vida pública, que só se cuide disso após a votação da denúncia contra ele próprio e dois de seus imediatos – um deles, sintomaticamente, manda demitir uma funcionária de realce por ter qualificado a tal portaria como sendo “um desrespeito à Constituição”.

Até a ONU e alguns de seus destacados órgãos manifestaram-se contra a medida do obscuro ministro (a realidade nacional mostra-nos apenas três ministros – um na Fazenda, outro na Casa Civil e o terceiro, na Secretaria Geral do chefe-mor). E, súbito, o Tribunal Federal do Distrito Federal revoga uma medida do Ministério da Educação que manda atribuir nota zero às redações em que os alunos sob o teste do ENEM manifestem opiniões que ofendam os direitos humanos – o MEC recorreu, logicamente.

Uma ministra, também até então não referida, ganha espaços no noticiário por reclamar pagamento que extrapola o teto máximo. Estranhamente, essa senhora é ministra dos Direitos Humanos – mas nada disse quando seu colega do Trabalho decidiu revogar o ato da Princesa Isabel – mas ela própria, essa ministra de sobrenome francês, alegou que se lhe negassem o que pedia, poderia passar fome, pois estava em regime de trabalho escravo.

O poderosíssimo ministro da Educação, cioso do respeito que se deve aos Direitos Humanos, condena os estudantes que se manifestarem contrários a qualquer dos Direitos Humanos – mas também não se manifestou sobre a violação dos Direitos Humanos pelo ministro que pretende restaurar o trabalho escravo – atitude que tinha, segundo líderes da tal bancada ruralista, segundo o presidente da República e seu ministro da Agricultura (entre outros áulicos) o propósito de agradar os deputados ruralistas.

Ou seja: o ministro do trabalho quer instituir legalmente o trabalho escravo e recebe aplausos do ministro da Agricultura, somados esses aplausos ao silêncio da ministra dos Direitos Humanos e à omissão do zeloso ministro da Educação.

A Procuradora Geral da República manifestou-se contra. Algum ministro do Supremo disse não ter tido tempo de ler a tal Portaria, mas deixou um rastro de simpatia à restrição. Os ruralistas regozijaram-se.

Não bastasse as falas e atitudes de parlamentares simpatizantes dos atos de corrupção e das práticas de propina, não bastasse o empenho pessoal do presidente investido na função, não bastasse o saque desmedido ao Tesouro em atos de compra de votos (coisa que não se permite nas eleições populares), não bastasse a vergonha que sente todo brasileiro de bem, temos de engolir mais essas.

E parafraseando Francelino Pereira – ex-presidente da extinta ARENA dos tempos da ditadura por revezamento e ex-governador imposto à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pergunto:

– Que governo é esse, hem?

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Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.