Páginas

domingo, novembro 05, 2017

Que governo é esse?


Castro Alves, poeta mentor da abolição. A malta do governo viola a História e o respeito á dignidade do homem brasileiro.

Que governo é esse?


Uma Lei do Império, assinada a 13 de maio de 1888, decretou a extinção da escravidão no Brasil. As consequências foram complexas, com os escravistas arrancando os cabelos e a Monarquia claudicando, pois a campanha abolicionista desembarcou no leito republicano, apropriado por altos oficiais do Exército (insatisfeitos com os parcos ganhos ao término da Guerra do Paraguai).

Tivemos uma constituição em 1891, que preservou a Lei Áurea. A de 1934, também, e o golpe de 1937, com uma constituição outorgada, apelidada de “Polaca”, a manteve. Isso se repetiu em 1946 e a Constituição outorgada em 1967 – e reformada dois anos após – preservou o que já se tornara uma condição pétrea. Obviamente, a Carta Magna de 1988, com todos os seus defeitos, manteve o Brasil livre de escravos – ao menos teoricamente.

Eis que, súbito, um mero ministro marionete expede uma Portaria revogando a Lei Áurea e afrontando a Constituição. O mandachuva recomenda, a despeito da fortíssima reação nos mais variados segmentos da vida pública, que só se cuide disso após a votação da denúncia contra ele próprio e dois de seus imediatos – um deles, sintomaticamente, manda demitir uma funcionária de realce por ter qualificado a tal portaria como sendo “um desrespeito à Constituição”.

Até a ONU e alguns de seus destacados órgãos manifestaram-se contra a medida do obscuro ministro (a realidade nacional mostra-nos apenas três ministros – um na Fazenda, outro na Casa Civil e o terceiro, na Secretaria Geral do chefe-mor). E, súbito, o Tribunal Federal do Distrito Federal revoga uma medida do Ministério da Educação que manda atribuir nota zero às redações em que os alunos sob o teste do ENEM manifestem opiniões que ofendam os direitos humanos – o MEC recorreu, logicamente.

Uma ministra, também até então não referida, ganha espaços no noticiário por reclamar pagamento que extrapola o teto máximo. Estranhamente, essa senhora é ministra dos Direitos Humanos – mas nada disse quando seu colega do Trabalho decidiu revogar o ato da Princesa Isabel – mas ela própria, essa ministra de sobrenome francês, alegou que se lhe negassem o que pedia, poderia passar fome, pois estava em regime de trabalho escravo.

O poderosíssimo ministro da Educação, cioso do respeito que se deve aos Direitos Humanos, condena os estudantes que se manifestarem contrários a qualquer dos Direitos Humanos – mas também não se manifestou sobre a violação dos Direitos Humanos pelo ministro que pretende restaurar o trabalho escravo – atitude que tinha, segundo líderes da tal bancada ruralista, segundo o presidente da República e seu ministro da Agricultura (entre outros áulicos) o propósito de agradar os deputados ruralistas.

Ou seja: o ministro do trabalho quer instituir legalmente o trabalho escravo e recebe aplausos do ministro da Agricultura, somados esses aplausos ao silêncio da ministra dos Direitos Humanos e à omissão do zeloso ministro da Educação.

A Procuradora Geral da República manifestou-se contra. Algum ministro do Supremo disse não ter tido tempo de ler a tal Portaria, mas deixou um rastro de simpatia à restrição. Os ruralistas regozijaram-se.

Não bastasse as falas e atitudes de parlamentares simpatizantes dos atos de corrupção e das práticas de propina, não bastasse o empenho pessoal do presidente investido na função, não bastasse o saque desmedido ao Tesouro em atos de compra de votos (coisa que não se permite nas eleições populares), não bastasse a vergonha que sente todo brasileiro de bem, temos de engolir mais essas.

E parafraseando Francelino Pereira – ex-presidente da extinta ARENA dos tempos da ditadura por revezamento e ex-governador imposto à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pergunto:

– Que governo é esse, hem?

******



Luiz de Aquino é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras.

3 comentários:

Carmem Gomes, escritora. disse...

Partindo dos temas que você abordou, este é o governo "do samba do crioulo doido".

Zanilda Freitas, poetisa disse...

Este é um assunto de relevante importância, o que mostra que o seu jornalismo é sério e imparcial.
Que país é este onde Ministros “ da mais alta importância “, quer anular a Lei Áurea, os que se dizem prejudicados por trabalho escravo , reivindicando salário acima de R$ 60,000,00 e ainda os que possuem grana em offshores, Paradise papers, como o “grande”Henrique Meireles
com sua The sabedoria Trust? Que País é este? Luiz de Aquino, você mexeu no ninho das vespas. Gostei!

Sueli Soares, professora e advogada. disse...

Atrevo-me a respondê-lo com outra pergunta: Que governo? Você se esqueceu do prefixo "des", quando desfechou sua crônica com a indignação que parte da população compartilha. Agora, já nem sei se muitos brasileiros ou apenas aqueles que estão preocupados com o rumo que tomamos lhe fazem coro. Sim, porque há os que se ocupam de coisas tão menores (e sabemos quais são e porque surgiram) que nem vale a pena citá-las. Que desgoverno é esse, hein?