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sábado, dezembro 23, 2017

De Sônia Elizabeth sobre O Folclore do Vinho



Folclore do Vinho

A poetisa Sônia Elizabeth é mais que uma escritora - é apaixonada por textos, sejam curtos como bilhetes, alongados como cartas e crônicas, ricos como contos e romances ou encantadores como poemas. Mas não dispensa, também, livros vários, como os que enfeitam-nos a alma de informações amoráveis, e sobre eles tece comentários sensíveis e pertinentes. Vejamos:

Sônia Elizabeth, poetisa e mais que enóloga.



Sou uma apaixonada por vinhos e, de consequência, o gosto em ler e estudar tudo que se refere a eles. O que mais aprecio na bebida é a rusticidade que contém, a inebriante alma que destila, a lembrança dos parreirais, a beleza das uvas e tudo que envolve o cultivar, a colheita (principalmente dos colonos e suas famílias), produção e o prazer de beber, degustar, sentir. O jeito clássico e rude que possui. Prezo muito mais a garrafa de vinho depois de aberta, com a rolha, do que antes, com o rótulo formal; daí então minha alegria em ter sido contemplada com o empréstimo, das mãos do poeta e jornalista Luiz De Aquino Alves Neto, do livro O FOLCLORE DO VINHO, de Whitaker Penteado, Edição do Centro do Livro Brasileiro, Lisboa - Porto, ano de 1980. Sim, a obra propõe, e é feliz nisso, mostrar o vinho em seu lado rústico, folclórico, popular, com provérbios, modinhas, glosas, historietas e tudo que afirma e reafirma o líquido de Baco como verdadeiramente artesanal e livre de artimanhas apenas rituais.

Diz-nos o autor: " Para mim, a sedução maior e mais autêntica do vinho está no seu folclore. Impossível ignorá-lo, na Europa. O vinho está onipresente nas festas populares, nos provérbios, no cancioneiro, nas lendas e superstições, em todos os momentos da vida. O vinho não faz parte da vida: é afirmação de vida, sua expressão mais ostensiva, é a vida de cada um".

Vejamos alguns provérbios brasileiros colecionados por Lamenza, e citados no livro aqui comentado:

“A par do rio, nem vinha, nem olival, nem edifício.
Azeite, vinho e amigo, prefere o mais antigo.
Com pão e vinho, anda-se caminho.
O bom vinho faz bom sangue”.

Agora, provérbios do Piemonte:

“Bela vinha, pouca uva”.
“A pipa dá o vinho que tem”.

Espanha:

“Abade que foi fradinho, bem sabe quem bebe o vinho”.
“Casa em que vivas, vinho o que bebas, terra, quanto vejas”.

Um provérbio japonês sobre o vinho:

“Com o primeiro copo, o homem absorve o vinho, com o segundo o vinho absorve o vinho, e com o terceiro o vinho absorve o homem”.

Citando versos do poeta Gregório de Matos, o que ridicularizava a fidalguia, ajuda-nos na compreensão do significado do vinho bebido em Pernambuco:

"Há cousa como ver um paiaiá
Mui prezado de ser caramuru,
Descendente de sangue de tatu,
Cujo torpe idioma é copebá!

A linha feminina é cariná,
Moqueca, petininga, carimu,
Mingau de puba, vinho de caju
Pisado num pilão de Pirajá..."

Cita uma versão do Auto do Cego do Ceará, e aí emociono-me ao lembrar de minha mãe que cantava tão bem esse auto. Também a Nau Catarineta, auto popular de origem espanhola, reproduzindo a versão sergipana de Sílvio Romero.

A bela cantiga de roda onde sobressaem os versos "Vem cá, Bitu! Vem cá Bitu!/

Vem cá, vem cá, vem cá... Mestre Cascudo diz que "Bitu foi um dos mais fanáticos discípulos de Baco, na história do Rio de Janeiro, em princípios do século passado".

Memorável citação da goiana folclorista Regina Lacerda dizendo que se não fosse por ela "o vinho passaria, em branca nuvem, pelas cantigas de roda brasileiras”.

Ela descobriu em Goiás uma raridade, aquele pezzo único dos italianos apaixonados colecionadores, uma cantiga de roda sobre o vinho:

"Menina, toma esta uva,
Da uva se faz o vinho;
Teus braços serão gaiolas,
Eu serei teu canarinho."

E o brinde de mesa húngaro, assim, belamente assim:

"A terra, senhores, é trabalho duro, 
E quem a cultiva
a irriga com o suor do rosto.
Não vos esqueceis, jamais,
quando beberdes o bom vinho,
que o primeiro brinde seja
à saúde de quem plantou a vinha!".

Também nos ensina: " Os Ingleses, desde Shakespeare, cultivam uma forma literária um tanto estranha, os brindes de mesa. É comum, em Londres, fazer a saúde com citações literárias, onde grandes poetas e escritores são evocados ao lado de poetas anônimos populares".

E, finalizando, vamos de Manuel Maria Barbosa du Bocage, com essa poesia satírica:

"A cada canto um grande conselheiro
que nos quer governar, cabana e vinha.
Não sabem governar sua cozinha
e querem governar o mundo inteiro!

Em cada porta um bem frequente olheiro
da vida do vizinho e da vizinha,
pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha
para o levar à Praça ou ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados
trazendo pelos pés aos homens nobres;
postas na palma toda a picardia.

Estupendas usaras nos mercados:
Todos os que não furtam, muito pobres:
Eis aqui a cidade da Baía!”.


É Natal, e a maioria bebe vinho. Inebriemo-nos todos, com parcimônia, pois!

Sônia Elizabeth

* * * * * * * * *

Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


Um comentário:

Sônia Elizabeth disse...

Obrigada...obrigada...obrigada. Você tem toda razão, poeta, sou uma apaixonada pela literatura e por livros. Beijos.

Sônia Elizabeth