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domingo, dezembro 30, 2018

Frases que marcam nossa História






A História em frases


Ganhei de Natal, do meu filho mais novo, o Lucas, um livro muito interessante. Ideia ótima do autor e, cá para nós, tema inesgotável no mesmo feitio: A História do Brasil em 50 frases, de Jaime Klintowitz (Ed. LeYa, 2014, 464 páginas). Ele escolheu frases pronunciadas em circunstâncias marcantes da nossa História – claro está que ele próprio poderá, caso queira, escolher outras 50 e sempre outra série mais ad infinitum, ou outrem haverá de fazê-lo sempre – a ideia está lançada, pois!

O autor esclarece que não escolheu uma ordem cronológica – antes, preferiu selecionar as frases por segmentos como: Dos desbravadores; Das batalhas e revoltas; De reis, príncipes e imperadores; De místicos e visionários etc. Isso nos permite ler o livro na “ordem direta” ou aleatoriamente (em caráter randômico) – foi o que escolhi.

Inicialmente, fui à frase atribuída ao general De Gaulle, então presidente da França, aquela famosa que sequer foi dita pelo presidente galalau, herói da resistência francesa na II Guerra: Le Brésil n’est pas um pays serieux. Em seguida, escolhi uma inesquecível frase do imperador Dom Pedro II sobre o ofício de professor.

Na minha mais tenra juventude, ou melhor, na adolescência ginasial, lembro-me da frase nos seus termos legítimos:

– Não fora imperador, quisera ser mestre-escola...

Há poucos anos, escolheu-se transformar a frase em linguagem atual e as conjugações em tempo mais-que-perfeito foram... modernizadas:

– Não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro.

Sob esta última forma, a frase chegou ao livro de Jaime Klintowitz – claro que sem perda de conteúdo, mas com a remoção do brilho castiço de quem, bom conhecedor do idioma, dava-se ao capricho de bem construir suas falas.

Sou adepto e ferrenho defensor da atualização da língua escrita. Resisti, enquanto pude, à desagradável mudança da grafia que nos impôs uma longa negociação internacional. A bem dizer, insisto que somente editores e impressores (empresários, não os trabalhadores dessas áreas) foram interessados nessas mudanças, com as sempre complicadas regras do uso de hífen na formação de palavras compostas. Entendo que as duas grafias deveriam persistir por duas ou três décadas e ao termo desse tempo os lexicógrafos finalizariam o processo.

Contudo, mudar palavras e eliminar tempos de verbos são, para mim, tentativas de se formar novas palavras e grafias sem respeito ao andamento regular da Linguística e da Gramática. Jamais gostei, em quaisquer dos segmentos da ordem social, de medidas impostas “de cima para baixo”. Já não nos bastam neologismos desagradáveis como “tratativa” em lugar de “acordo”, “empreendedorismo” em lugar de “empreenderismo” e “abusividade” em vez de “abuso”?

A linguagem do mercado – incluam-se as práticas profissionais na Bolsa de Valores, nos cursos de MBA, na relação entre instrutores e alunos nas “capacitações” (antes era “treinamento”) – anda se sobrepondo à língua coloquial e, perigosamente, contaminando a língua culta. A expansão “democrática” das redes sociais torna aceitáveis grafias errôneas e, inevitavelmente, a pronúncia regional. Isso, se por um lado consolida a língua como uma só forma, deteriora o regionalismo que, até há bem pouco tempo, era razão de orgulho das populações (que o digam, muito especialmente, os sulistas e os nordestinos).

Profissionais de rádio e tevê, por aqui neste aprazível Centro-Oeste (tem hífen ou não?), já se referem, por exemplo, à Avenida E (no bairro Jardim Goiás, em Goiânia) como “Avenida Ê” – ainda que, por força da mesma origem paulistana, citem o hipermercado Extra como “éstra”, e pronunciam o nome da empresa que sucede a CELG (a nossa Centrais Elétricas de Goiás) como “ênel”, enquanto os coleguinhas de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro falam, corretamente, “enél” – esse “ênil” jamais será tomado como regionalismo, é claro!

Mas, bem, eu falava desse livro – que não é novo, pois que o exemplar que recebi foi tirado em 2014. Recomendo-o, pois, aos leitores que gostam da nossa História pátria – e de seus agentes (os 50 da lista de Jaime Klintowitz são excelentes!).

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


Escola para o futuro




Educação inovadora



Desde os turbulentos e plúmbeos anos de 1970, quando me expurgaram das lides do magistério, voltei-me para duas ocupações que, cada uma em suas peculiaridades, supriram em mim o frustrado sonho de infância de dedicar-me ao ensino: a literatura e o jornalismo. Articulista e cronista em periódicos desde 1967, não foi difícil absorver a prática da coleta de dados e fatos, da redação, do copidesque e da revisão (hoje, totalmente em desuso – e o resultado é a péssima qualidade dos textos que nos ferem olhos e ouvidos), além da fotografia e da diagramação.

Uns tempos antes da minha estreia em livro, há exatos quarenta anos, eu já retornara às escolas. Não como professor, mas como convidado para discorrer sobre literatura e, com o passar do tempo, sobre vários outros temas que, indiscutivelmente, se inserem no complexo da formação dos cidadãos.

Há três anos, arrisquei: voltei às salas de aulas como professor. Senti-me motivado e empolgado, mas esbarrei em limitações do meu intrínseco equipamento de comunicação: meus ouvidos não colaboraram e desisti do retorno.

Refiro-me ao Colégio Vicare, em Hidrolândia, iniciativa arrojada dos meus queridos amigos Sirlene Gonçalves Xavier e Luiz Fernando Martins. A nova escola surgiu como uma súbita ilha vulcânica no mar bucólico da cidadezinha simples e acolhedora em que resolvi morar. O colégio surgiu com equipamentos de alta tecnologia, de modo tal que seus alunos, em era de informática, se sentem bem ambientados.

Periodicamente retorno à escola e sempre sou surpreendido com excelentes novidades. Da vez imediatamente anterior, Sirlene mostrou-me uma novidade: adotou-se ali a prática da Meditação, num empenho inusitado em Goiás, caminhando para nivelar o Vicare a escolas do mesmo nível de países de ponta, como França, Estados Unidos, Portugal e tantos mais.

Desta vez, a diretora do colégio conta que os petizes (gosto de palavras em desuso, sim) têm envolvido seus pais, ensinando-os a meditar, também. E esses pais narram o novo vocabulário dos pequeninos (de pré-escola e primeiros anos do Fundamental): “Eles repetem as minhas palavras para os pais”, emociona-se a professora e psicóloga Sirlene.

Na sequência, ela me conta da adoção do Método Construtivista como ferramenta pedagógica. Parte-se do princípio da interação, ou seja, o aluno não é uma caixinha vazia em que serão colocados conhecimentos. Ele já traz consigo o aprendizado de casa e de sua comunidade, portanto o aprendizado se dá em dois caminhos. Muito do que o professor teria a ensinar o aluno já sabe e o procedimento é, pois, como uma troca, envolvendo aluno e professor e os demais alunos.

Em suma, é uma prática em que não se passa conhecimento, apenas – troca-se. O propósito é, enfim, ensinar e aprender a aprender. O professor não é, simplesmente, aquele que ensina, mas um mediador do conhecimento nas ações de interação dos alunos. Trata-se de uma filosofia de ensino inspirada no educador Jean Piaget (1896/1980).

A argentina Emília Ferreiro, obteve, em 1971, em Genebra, sob orientação do próprio Piaget, seu título de PhD em Educação e, de volta à Argentina, publicou o livro Psicogênese da Língua Escrita, em parceria com Ana Teberosky, defendendo que “a aprendizagem se dá através do todo para as partes e que cada criança aprende em seu tempo”.

Após a visita, e pelo fato de Sirlene haver citado Rubem Alves (1933/2014) e seu livro “A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”, fui à minha estante. Ali estava o livro, editado em 2001 (devidamente dedicado a mim, em autógrafo de R.A.); nele, o mineiro de Boa Esperança (que viveu em Campinas, SP, até o fim de seus dias), discorre sobre a Escola da Ponte. Desse livro, de apenas 120 páginas, extraí referências para um trabalho de pós-graduação, nos primeiros anos da década passada. Claro, claro... comecei a relê-lo (gosto muito de releituras e de “dialogar” com as anotações que fiz na primeira leitura).

Emociona-me, também, ver o Vicare firmar-se em tão pouco tempo, marcar-se nesse empenho pela elevação da qualidade de ensino. Uma cidade como Hidrolândia, berço do cantor, instrumentista e compositor Ton Zêra, e dos escritores José Mendonça Teles e Marieta Teles Machado, poderá despontar-se, num futuro breve, como polo de boa educação, a despeito do empenho oficial em substituir escolas regulares por estabelecimentos sob gestão da Polícia Militar.

Entendo que tal medida é uma confissão de fracasso das autoridades que transferem escolas da tutela da Secretaria da Educação para os comandos policiais. Em lugar da militarização (fala-se que a mais tradicional escola de Hidrolândia será entregue à PM nos próximos meses), as autoridades têm o dever de investir com dedicação no sistema público civil de ensino.

Mas o que esperar de um prefeito que mandou encaixotar os livros da Biblioteca Marieta Teles Machado? E a população sequer lhe cobrou isso.

Bem! As dores morais ante o descaso das autoridades constituídas e a militarização do ensino em detrimento do estímulo à crítica e ao conhecimento amplo sem limites são compensados, em mim, pelas notícias sempre alvissareiras que me chegam do Vicare.

Ainda bem!


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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.


sábado, outubro 27, 2018

Entre Talentos: de Mariana Paiva e Ursulino Leão

DM, 26/10/2018 (Opiniao Pública)


Entre talentos


Uma moça bonita apareceu na telinha do computador, propondo que eu a aceitasse entre os meus contatos de Facebook. Fui ao perfil da moça, vi que é escritora e, como costumo fazer, acolhi-a. Em seguida, expressei-lhe boas-vindas e ela respondeu de um modo muito gentil, com um texto que reduzirei ao essencial:

“Olá, poeta Luiz”, começou ela, Mariana Paiva, para continuar num tom afetivo e receptivo, lembrando que há 22 anos (ela, na época, tinha apenas 13 anos), trocamos prosas a partir do site Jornal da Poesia (criado e mantido pelo poeta cearense Soares Feitosa), usando os “chats” da UOL. E continua: “você chegou a me mandar seu livro Razões da Semente (que) guardo com carinho até hoje”. Ela viu, entre postagens alusivas à eleição, um comentário meu – “e vim ver se era você. É. Fiquei tão feliz!”, concluiu.

Ora, moça, quem ficou muito feliz, mesmo, fui eu! Que alegria para um poeta septuagenário, incrustrado no anonimato da Província Goiás, saber que bastou um pouco de conversa – no que seria um embrião das mídias sociais – e um livro despretensioso para que este poeta se tornasse lembrança e, como ela me diz agora, até mesmo referência!

Mariana Paiva, hoje, é jornalista e escritora. E foi muito além de mim: já é mestra e conclui doutorado! Neste emaranhado de más notícias, de truculentas mensagens desafiadoras das liberdades e quando sentimos a Nação ameaçada por xenofobia, racismo, revogação de direitos e vantagens arduamente conquistados, agressões contra mulheres, homossexuais, pretos e velhos e a vulgarização de conceitos que visam à implantação do arbítrio e da extinção do Poder Judiciário, uma jovem assim se manifesta!

Nunca a vi pessoalmente, nunca trocamos mensagens de voz, mas se o tempo quase me fez esquecer a menina baiana que gostava de poesia, meu livro ficou ao alcance de suas mãos e, bem, ela disse:

– Hoje sou escritora, tenho livros publicados e vim agradecer! Você me ajudou a ver que era possível!

Nos meus primeiros tempos de aspirante a escritor, contei com a simplicidade de notáveis orientadores. Eram futuros colegas, como Anatole Ramos, Carmo Bernardes, Yeda Schmaltz, Bariani Ortêncio, José J.Veiga e outros mais. Entres estes, um jovem, mais moço que eu: Brasigóis Felício. Outros havia que nos olhavam com desdém e desconfiança, como quem se nos achassem incômodos (de alguns desses ouvi auto apresentações curiosas, como “Sou um medalhão”).

O poeta Aidenor Aires lembra, com felicidade, que chegou um tempo em que, sem perceber, começamos a substituir aqueles antigos amigos mestres, passando a segurar o facho que clareia o caminho dos novos caminhantes das letras. Com a mensagem feliz que me passou a menina que hoje já me ensina, saboreio a sensação de ter feito algo de útil.
Giro minha cadeira e confiro a pilha de livros de novos autores a quem tive a alegria de abrir a primeira porta – e olhe que tais livros são apenas aqueles em que os novos autores pediram-me um texto para apresentá-los ao seu novo meio. São dezenas, mas de alguns mal me recordo (perdemos o contato).

Finalizo o momento de alegria com um tom de despedida – refiro-me ao nosso irmão mais velho Ursulino Leão, romancista inspirado e companheiro indispensável. Deixei de citá-lo acima porque já o tive ao alcance já na maturidade da jornada. Admirava-o à distância, lendo suas crônicas e acompanhando sua carreira jurídica, sua vida política e sua liderança como presidente da Academia Goiana de Letras.

Sobre ele produzi, não há muito, crônicas de bem-contar, porque não haveria outro modo de referir-me a ele. Nos últimos dias, entre tudo o que colheu em seus 95 anos de excelente convívio, desabrochou algum mal proveniente do cansaço do tempo. A medicina foi até onde pôde, e o Criador apiedou-se de suas dores.

Ao meu modo, querido confrade, tento reproduzir seus feitos de orientador de novos autores. Assim, imagino-me lembrado entre os que citei aqui, posto que nos ocupamos, todos, de preservar este nosso ofício de contadores dos fatos e das emoções em sua roupagem mais refinada, isto é, dando aos textos o primor das boas letras.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

quarta-feira, outubro 03, 2018

Eleições e pesquisas


Batom nas pesquisas



O noticiário da tevê, no albor deste 2 de outubro, trazia a madorra das falas desnecessárias a tentar narrar os dramas intermináveis do transporte urbano, a persistência dos roubos em que bandidos em motos qualificam trabalhadores como vagabundos e continuam, os repórteres, a dramatizar, com a desfaçatez dos canastrões, a angústia das dores do povo esquecido que, agora, é visto como massa votante – porém, sem a dignidade de cidadão que clama por respeito.

“Será sepultada a menininha de quatro anos, vítima de tiros que matadores a mando de alguém num presídio desferiram ao matar, também, o tio da criança”. “A agenda dos candidatos a governador...”. “No terminal Padre Pelágio os passageiros sofrem...”. Pronto. E daí? Ah!, falta falar de acidentes: “Na BR-060, um idoso foi atropelado”...

Esqueço a tevê e abro o jornal, releio o artigo Retrato de Goiás sem retoques políticos, de Batista Custódio (edição de segunda-feira, 01/09). Batista faz análise da campanha para o governo de Goiás, mas desliza para a História e destaca os quatro grandes líderes dos últimos 100 anos no Estado, esses que “fizeram” seus sucessores sem sequer perceber que estes tomavam assento na inevitável continuidade das gerações, renovando o fazer político e exercendo sua liderança, um a um, cada qual a seu tempo, que a máquina do tempo não pede combustíveis, não exige lubrificantes, não sofre oxidação nem sofre panes.

Alguns estragos, porém, acontecem no decurso das práticas humanas, e o tempo os absorve sem dar mostras das avarias. Qualquer dano se transforma em subsídios para os dias, semanas e anos pósteros, que o passado não tem reparos, não carece de revisões.

A cada líder no exercício de seu mandato ou de sua direção há de estar preparado para os embates, os desafios e os rigores do posto ante a massa votante e exigente de feitos. Ao bom político é importante prevenir-se, pois, como li em algum lugar, nos últimos dias, a palavra pronunciada não tem rascunho. Um bom líder há de ter bons assessores – pessoas aptas a mostrar-lhe os riscos dos desvios, as falsetas iminentes, o perigo das más interpretações e o perigo das péssimas companhias.

Batista Custódio começou assim: “Todo chefe de governo é circulado de corruptos. Eles vão se aproximando na doçura dos elogios e irão distanciando Suas Excelências dos amigos sinceros na opinião. Fazem-se de serviçais aos governadores e servem-se da servidão do governo a eles”.

Estes são os áulicos, os que se barbeiam duas vezes ao dia e se perfumam várias vezes. Não duvidam que decorem frases inteiras de algum autor pouco lembrado, e as repetem sempre que têm oportunidade, procurando impressionar seus ouvintes e, sobretudo, o governador.

Batista continua: “Tornam-se eminências pardas dos bastidores íntimos dos governadores e viram (cada um) homem-forte do governo. Aparentemente amáveis, são mais perigosos que um escorpião furtivo na discrição da cama. Até as primeiras-damas se valem da sua aprovação prévia nos pedidos ao marido”.

Faltou dizer, Batista, o quanto cada valete desse baralho exercita para mascarar-se de competência, fingindo exercer o papel para o qual foi contratado, mas que, na realidade, praticam somente aquilo a que se propõe: “Fazer negócios” (entre aspas, porque é a frase pronunciada por um desses, recentemente, a propósito do que realmente faz em sua pasta). Em negócios há sempre alguém que lucra; nos governos, lucra o contratado, lucra quem o contratou e perde o Erário – sempre!

Mas o articulista Batista Custódio bem os define: “Levam vantagem até nos prejuízos, ora com uma ternura de santo, ora com a finura de um espinho, roubam no governo e furtam do governador. Trancam segredos e guardam com eles as chaves que fazem do governador seu prisioneiro inlibertável no inconfessável”.

Quanto à cadeia dos quatro grandes homens deste pouco mais de um século (de 1909 até estes dias), Batista demonstra como cada um formou o continuador de seu papel na História de Goiás da seguinte forma:

“Antônio Ramos Caiado entregou Goiás mais evoluído do que recebeu o estado. Pedro Ludovico transmitiu Goiás mais modernizado do que entrou o Estado. Iris Rezende engrandeceu Goiás mais do que o estado que lhe fora passado. Marconi Perillo trouxe Goiás para o futuro mais universalizado do que buscou o estado ali no presente”.

Para mim, excelente síntese de 100 anos da nossa história em apenas cinco linhas. Outros houve nesse interregno – e até mesmo a liderança de Totó Caiado em Goiás se deu sem que o líder exercesse o governo do Estado; ele preferia ser senador na Capital Federal, ali, sem dúvida, a vitrina era mais ampla. Totó deságua, pois, em Pedro Ludovico, que preserva as divergências e rejeições com o grupo que lhe fora adverso; e o poder de Pedro é bruscamente quebrado pela onda do golpe militar de 1964, que, por sua vez, sofre a entrada fulgurante de Iris em 1982 para, em 1998, o cetro simbólico ir parar nas mãos do moço Marconi.

E esta semana, ou melhor, estes quatro dias que antecedem as eleições podem equivaler, como preconiza o autor do artigo, a abertura para um novo momento. O resultado virá, sem dúvida, da vontade soberana do eleitorado, sem chance para armações desastrosas que, noutras épocas, marcaram a vida eleitoral brasileira, mas que, nem assim, conseguiram impedir que essa mesma vontade popular determinasse os novos rumos.

Enquanto isso, vivemos a dança dos números das incontáveis pesquisas. Sequer temos tempo para analisar uma, a seguinte já nos é chegada e confundem nossos cálculos e tentativas de prognósticos. E são tantas essas pesquisas de intenções de votos que a manipulação salta aos olhos.

A sondagem encomendada por grupos interessados em resultados (e até mesmo por candidatos) chega-nos com vícios e falácias. Ora é um candidato de prestígio intermediário destacando-se como possível eleito, ora é um dos mais prestigiados sendo deslocado para o Z-4 – parafraseando a linguagem do futebol.

E esses maquiadores das planilhas supõem-nos bobos a acreditar em tudo o que nos chega. Ora, nós não cremos sequer em suas promessas, como acreditar nessas máscaras que, a rigor, não passam de meros batons em tons dégradés?

Volto aos áulicos de gabinete, pessoas que inevitavelmente passam também pelos comitês de campanha, e de novo recorro aos conceitos do Batista Custódio: “Governador não se dá bem com intelectual pensador e de caráter inquestionável no verdadeiro. Pessoas assim são éticas, não servem para as fofocas brindadas nas adegas inebriantes de poder nos celestes do envaidecimento vulgar”.

E, ainda e novamente, do mesmo artigo:

“O bajulador é um mestre que disfarça as aparências. Maquia-se ao gosto dos engodos. O vulgo vê-os como puxa-sacos. Isso é o apelido. O nome no passaporte na alfândega das altezas é puxa-vaidades. O único jeito de flagrar sua identidade é vasculhá-los no semblante. São os homens com cara de mulher puta, ou de moça de convento, ou de garbo imperial”.

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Luiz de Aquino, especial para o DM
                                                                      

Jávier Godinho


Jávier Godinho (1936-2018):


“Com ele, morre um pouco
de cada um de nós”




Essa frase chegou-me ao telefone, confirmando a notícia que as redes sociais já espalhavam. E concordei: afinal, conheci um pouco de Jávier nestes anos que se alongam desde que, em 1963, comecei a lê-lo nas páginas do jornal Cinco de Março, onde atuava também Anatole Ramos, Jurandir Santos, Carmo Bernardes, Geraldo Vale, Zoroastro Artiaga e tantos outros.

O convívio, porém, se deu com a frequência das rotinas na redação do DM. Se o considerava excelente no texto dos artigos semanais e nas orações diárias da Hora do Angelus, da TV Anhanguera, descobri um bom chefe, um jornalista tarimbado que sorvia a notícia. Sua competência nas pautas que distribuía aos repórteres, na edição do jornal, na racionalização do fechamento e, sobretudo, na harmonização presente em todas as relações humanas mostraram-me, enfim, uma pessoa digna de admiração, respeito e, ainda mais, alguém com quem se pode (e deve) aprender sempre.

Já se vão muitos anos que conheci também sua mulher, Stella, e os filhos – em especial os meus coleguinhas Iuri e Aulus, de quem colhi os sentimentos em texto com que fecharei este desabafo.

De Stella, sem cerimônias, indaguei um pouco de indiscrição: quis saber como se conheceram, como começara o namoro que se estende por mais de meio século: “Ah, eu era muito novinha! Ele namorava uma menina de Buriti Alegre cuja casa era perto da minha. Quando eles passavam diante da minha casa, ela o beliscava porque ele ficava olhando para mim”.

De tantos olhares e beliscões, em breve o namoro de Jávier com a moça de Buriti Alegre entristeceu-se, e ele pôde, então, aproximar-se de Stella. “Foram quatro meses de namoro, quatro de noivado e nos casamos – eu tinha 18 anos”, conclui Stela Rincon Godinho.

Fora do ambiente do trabalho, desfrutei também dos conhecimentos ricos de Jávier sobre a doutrina kardecista. Excelente orador espírita, proferia palestras e participava de mesas-redondas sobre os temas religiosos, além de escrever artigos memoráveis, impregnados de amor a Deus e às pessoas.

É do meu jeito entender a vida – e a morte – um certo desprezo pela frase feita “É uma grande perda”. Em lugar disso, gosto de pensar e dizer que “Foi uma dádiva viver o mesmo tempo que ele” – como bem disse seu filho Aulus. Nascemos para morrer e o importante, dizem alguns filósofos, é preenchermos o intervalo com grandes feitos. Jávier foi um desses homens. Ele nos deixa a sua vida de 80 anos de bondades, de companheirismo e de bons exemplos, como cidadão e como colega, como comunicador e como pai e marido – logo, não há perda, mas um ganho enorme para todos nós!

Ficará um vazio, como a peça que se remove e não se tem o que a substitua. O jeito é arrumar a máquina da vida, ocupar seu espaço nos dias e ter a consciência de que aos sobreviventes cabe preencher esse vazio.

Vá em paz, Jávier, pela luz que seus passos na Terra geram nesse Plano Maior onde agora você está!

Amém!

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Luiz de Aquino, especial para o DM



domingo, setembro 09, 2018

O que PX Silveira não disse


O que PX Silveira não disse



Li o artigo intitulado “Raquel Teixeira”, do ativista cultural PX Silveira. Gosto de ver suas críticas aos procedimentos das autoridades culturais, concordando com algumas delas e prevenindo-me ante outras. Contudo, nesse texto do último 5 de setembro ele falhou na apreciação dos feitos da professora Raquel Teixeira, especialmente no que toca à gestão do segmento cultural para o Estado.

A redução de vinte e tantas secretarias estaduais para apenas dez, no início do quarto mandato de Marconi Perillo (2015), foi um imperativo – ele, PX Silveira, bem definiu isso – ante a crise que já mostrava suas garras e urros em todo o país e resultou no quadro político dantesco que temos agora.

Sintetizando ao máximo: estranhei que, ao fim, o articulista bafejasse loas à ex-secretária da Educação, Cultura e Esporte justo após execrá-la como má gestora de Cultura – mas conclui admitindo que Raquel Teixeira terá seu voto nas eleições de outubro próximo e, caso seja da intenção dela, numa futura eleição para a Prefeitura de Goiânia.

Bem: ignorando o contraditório, e atento às críticas de PX à Lei Goyazes (não gosto desse nome, acho estranho esse plural e a grafia) e ao Fundo de Arte e Cultura, fui atrás. Corri ao Centro de Cultura Marieta Teles Machado e conversei com Sacha Eduardo Witkowski Ribeiro de Mello, o gestor do Fundo (não consegui falar com Vera Quixabeira, a atual gestora do programa de incentivo Lei Goyazes; ela estava em missão fora do prédio).

Deixo, então, informes sobre a lei de incentivo à cultura e destaco, aqui, o que colhi do competente Sacha. Não foi difícil nem demorado saber da realidade do FAC: ele é o “principal mecanismo de fomento e difusão da produção cultural do Estado”, o que permitiu um grande avanço na política cultural goiana, tornando-a mais democrática e plural.

O primeiro edital de fomento do Fundo Cultural ocorreu em 2013. De lá para cá foram 64 editais lançados, com 1.310 projetos aprovados, num montante de 108 milhões, 890 mil reais, atingindo mais de 100 municípios.

Vejamos o quadro das realizações antes que a Cultura passasse para a tutela da SEDUCE e os feitos sob a gestão de Raquel Teixeira:

Antes - 53 municípios atingidos; hoje - 108 municípios. Antes: 11 editais específicos; hoje: 22 editais específicos. Antes: pouco acesso da população; hoje: vários canais de atendimento e propagação (site próprio do FAC, reuniões sistemáticas e cinco e-mails para atendimento aos interessados, com média de 2.500 e-mails por mês). Antes: inscrição de projetos no módulo físico (papel); hoje: inscrição totalmente on-line, inclusive a prestação de contas.

Existe financiamento para toda a cadeia produtiva, desde o jovem artista inédito (edital de Novos Artistas) até o edital de Grandes Obras (Artistas Consagrados). Nos últimos dois anos, o FAC financia espaços culturais do interior e da capital: Moda, Gastronomia, Temática LGBT, Matriz Africana e vários outros. E somos o terceiro estado a ter Edital de Juventude.

E vem, então, o que o amigo PX Silveira cita como problema: o repasse é feito pela Secretaria da Fazenda, o que implica atrasos, conforme o fluxo financeiro. Mas, disse-me Sacha, “temos um olhar apurado para diminuir este impacto, e a SEDUCE determinou estudos junto à SEFAZ para propor um repasse nos moldes da Lei Goyazes – um fluxo mensal da verba que racionaliza a cobertura financeira”.

Sacha é artista da dança, produtor cultural e gestor. Formado em dança pela UFG, tem 20 anos de carreira na área. Iniciou na gestão cultural e pública no Colegiado Nacional da Dança e no Conselho Estadual de Cultura (GO). Ele conta: “Gestionei vários projetos e palestras sobre gestão cultural. Tenho amplo trânsito no setor cultural, tudo por causa da minha atuação no Conselho Estadual de Cultura”.

Em 2015, o interior do Estado participava em pouco mais de 20% de todo o recurso. Hoje, essa faixa é de 45% dos recursos do FAC, por determinação do governador Marconi na época e efetivado na gestão atual. O FAC é um dos quatro maiores fundos de cultura do país.

Gostei do artigo de PX e gostei ainda mais de estar com Sacha. Obtive esses esclarecimentos e, sem dúvida alguma, posso assegurar que o maior mérito de Raquel Teixeira o PX não citou – a competência em montar sua equipe. Constato isso com a ação de Sacha no FAC e com a nomeação recente de PX Silveira para a Superintendência Executiva de Cultura – da qual ele renunciou em função da designação de seu irmão, o competente e sempre bem realizado Flávio Peixoto, para titular da SEDUCE.


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Luiz de Aquino é escritor, membro da Academia Goiana de Letras.

domingo, agosto 19, 2018

Ouvindo rádio


Ouvindo rádio



Aqueles tempos após a II Guerra Mundial trouxeram mudanças radicais, sim. Contavam os professores (era o meu tempo de criança, os professores tinham um papel importante na vida das pessoas) que as guerras ensejavam grandes mudanças na tecnologia, na medicina e nos costumes.

Partiu de escritores e artistas americanos, chamados de beatniks (neologismo originário do inglês beat em fusão com uma partícula russa – nik – que aparecia em termos como Sputnik, lunik e outros), o movimento que contaminou a juventude – e o mundo nunca mais foi o mesmo

Falei do Sputnik – o satélite artificial soviético que assustou o mundo com o seu bipbipbip captado nos observatórios do mundo. Aquele aparelho é o símbolo máximo das novidades da época, mas, pelas ruas, os rádios a pilha se espalhavam rapidamente – como as calças rasgadas preferidas da juventude de agora. Os primeiros rádios pareciam um tijolo, pela forma de paralelepípedo e pela cor ocre dos estojos de couro grosso que os revestiam. O minúsculo fone de ouvido, assessório importante, chegou para durar mais que os rádios.

Pois é! Ouvia-se muito rádio. O rock and roll conquistava o mundo e a bossa nova também entrou na onda; nos estádios, os rádios eram indispensáveis. Os modelos menores, na dimensão de um maço de cigarro, eram trazidos nos bolsos das camisas. Notícias, música e radionovelas eram os motivos mais expressivos para os aficionados.

Era também o tempo dos grandes locutores. Mulheres e homens de vozes envolventes, com ótima dicção e uma busca incessante pelas melhores formas de texto e fala, com correção gramatical e vocabulário apropriado, capazes de ampliar o conhecimento dos ouvintes sobre quaisquer assuntos.

O rádio ainda é uma força no segmento da comunicação, mas hoje divide esse papel – essa importância – com outros veículos. O lamentável, para quem conhece um pouquinho da história desses últimos 60 e poucos anos, é presenciar a decadência do nível de aprendizado e da qualidade profissional que temos hoje.

Os apresentadores, âncoras, repórteres e outras personagens do mundo radiofônico (podemos incluir os da tevê) são orientados por excelentes instrumentos de trabalho, como o Manual de Redação da CBN (que ganhei de presente do meu filho Lucas). Infelizmente, os profissionais da rede noticiosa não leem o livro. Ou, se o leram (ou os que o leram) não assimilaram nada!

Regras gramaticais das mais simples são ignoradas solenemente. O uso abusivo de “muletas” – como a partícula “aí” – é uma tônica constante, com repetições insistentes. Palavras como “inclusive”, “insistem” e “interativo” transformam-se em “enclusive”, “ensistem” e “interativo”; e é corriqueiro falarem “indentidade, por exemplo.

Um repórter tenteou quatro vezes e não conseguiu pronunciar “poliomielite” – no que foi auxiliado pela locutora-apresentadora que, justificando (?) o erro, finalizou com a frase “tudo bem, tá dado o recado” (ah! O verbo estar, para eles, perdeu a primeira sílaba). Outro repórter, com a ênfase que se aplica em notícias de política, destacou que um candidato seria entrevistado “entre as 14 até as 16 horas”.

Noções de geografia e de história? Nada! Há poucos meses, na mesma CBN de Goiânia, uma repórter noticiou: “A polícia encontrou um corpo de mulher num córrego da Marginal Cascavel”.

Tudo isso poderia ser evitado se os profissionais respeitassem o que recomenda o Manual da própria rede. Ou que tivessem aprendido as regras ensinadas em sua formação escolar. Nas nada disso é levado em conta. Nem mesmo fato de, nas manhãs das segundas-feiras, um professor de Português prestar seus serviços à emissora.

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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.



domingo, agosto 12, 2018

Avós são pais sem broncas


Avós são pais sem broncas


Era perto das 17 horas, isso de fim de tarde, e a única coisa a fazer até o pôr do sol era matar tempo. E matar tempo, quando se está nas ruas, sugere-nos os primórdios da humanidade. Ou seja, em lugar do bucólico banco de jardim, escolha prosaica de poucas décadas passadas, busquei a luminosa e colorida caverna das lojas sofisticadas – um xópin na Rua 9, no setor Oeste. Tomei café (caro demais para o tamanho da xícara), apreciei capas de livros, ouvi dos vendedores a linguagem das feiras-livres (vendedores de livros não entendem de livros – muito menos da linguagem esperada num ambiente de livraria).

Andei à toa, porque tinha de esperar o fim da tarde. Ocorreu-me comprar pães, que naquele empório são de ótima qualidade. Chamou-me a atenção uma linda menina em seus dez anos, devidamente assistida pela avó, que determinava à mãe da pequena (e filha dela, a avó):

– Dê-lhe cinco reais, ela quer sorvete.

Afastei-me – o assunto não era da minha conta, e não é de bom-tom ouvir conversas alheias. Porém, nos minutos seguintes passávamos pela caixa – atrás de mim, a mãe contestava:

-– Não vai tomar sorvete, isso não é bom.

E a avó:

– Ora, ela quer! E se ela quer, que mal há nisso? Você, nessa idade, tomava vários por dia. E comia dois big-mac de uma vez!

– Mas eu sofri muito, não lembra? Sofri muito para emagrecer – justificava a mãe da menina.

– Mas venceu, – tentava finalizar a avó, em defesa da neta – pois está aí muito bonita e magra!

Como se vê, não pude evitar... E não me limitei a ouvir. Dei logo um palpite, dirigindo-me à filha-mãe:

– Muito bem, você é mãe e lhe compete educar. Mas a avó, não, avó e avô existem para deseducar.

A vovó ficou feliz:

– Isso mesmo! Eu quero que minha neta não passe vontade, vamos lhe dar o sorvete!

A mãe, a essa altura, quase se dava por vencida, mas não ocultava o desagrado. Foi então que me senti intrometido e inconveniente, mas o riso era incontido e, parece-me, isso deixou a mãe mais aborrecida. Já não lhe bastava sentir-se mortadela de sanduíche, entre a própria mãe a e menina filha, aparecia este velho a se meter na questão.

Quando consegui dominar a risada, tentei me justificar:

– A senhora me perdoe dar pitacos e rir assim. Sinto que a pequenina vai ganhar a causa, pois tem a avó por advogada.

Paguei minha conta e me afastei impune. No íntimo, cuidava de fazer uma autoanálise e, obviamente, perdoava-me por entrar no que nem era da minha alçada – ou competência. Mas, principalmente, vestia a carapuça de avô – esse parente que tanto se faz feliz pelos netos.

E temos de continuar assim, sem dúvida! Afinal, em pouquíssimos anos, tantos os netos quanto os pais deles nos terão esquecido.


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Luiz de Aquino é jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras.